quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Chega de guinadas – Editorial | Folha de S. Paulo

No julgamento da prisão após a 2ª instância, STF deveria favorecer estabilidade

Há dois valores que o Supremo Tribunal Federal deveria observar no julgamento, marcado para esta quinta-feira (17), sobre a possibilidade de condenados em segunda instância iniciarem o cumprimento da pena de prisão.

Em primeiro lugar figura o próprio mérito da causa. Por vários ângulos que se olhe, o encarceramento nessas circunstâncias se harmoniza com a Constituição de 1988 e com os compromissos internacionais de proteção aos direitos humanos a que o Brasil se vincula.

O fato de a Carta expressar, no rol das prerrogativas fundamentais, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” não obriga o Estado a prender, para executar a punição criminal, apenas quando estiverem esgotadas as possibilidades de recurso.

Uma coisa é a faculdade de apelar até a última instância de decisões desfavoráveis. Isso está gravado em pedra e nenhum juiz ou legislador poderá arrancar do patrimônio imaterial do indivíduo.

Outra, distinta, é decidir em que condição, livre ou preso, um condenado fará uso do seu amplo direito à defesa. Esse segundo aspecto será o objeto do julgamento.

É bastante razoável a tese —vigente até 2009 e de novo a partir de 2016— de que o segundo julgamento, este por corte colegiada, marca o momento a partir do qual o réu condenado deveria perder a prerrogativa de recorrer em liberdade.

Desse ponto em diante já está cumprida a cautela do duplo grau de jurisdição, marco do Estado de Direito. Tanto é assim que a regra quase universal das nações democráticas maduras é não deixar soltos os apenados que saíram derrotados do segundo julgamento.

O alongamento da hipótese de prisão dá à elite de réus que pode pagar advogados caros um privilégio que a sociedade deixou de tolerar. A protelação até a prescrição, em especial nos crimes de assalto ao erário, agride o princípio republicano de que a lei é para todos.

O segundo valor que a corte constitucional deveria homenagear nesse juízo é o da estabilidade das regras do jogo. Mudar a jurisprudência como quem troca de roupa é um péssimo hábito que o Supremo brasileiro tem cultivado.

No caso em debate, já houve guinada em 2009 e outra em 2016. Não convém produzir agora uma terceira, que por sua vez encomendará uma quarta —pois dois ministros convictos de que o réu deve recorrer sempre em liberdade deixarão a corte nos próximos 20 meses.

Respeito ao STF e à jurisprudência – Editorial | O Estado de S. Paulo

Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a analisar a execução da pena após decisão de segunda instância. Consta na pauta do plenário da Corte o julgamento de três processos sobre o tema que tem causado grande alvoroço, com reações desproporcionais de lado a lado. O ambiente de acirramento em nada contribui para um desfecho técnico e equilibrado do caso.

Quando se fala em análise da possibilidade de prisão após decisão em segunda instância, discute-se qual é a extensão que se deve dar ao princípio da presunção de inocência. Em linha com o que ocorre na imensa maioria dos países, o STF sempre entendeu que era possível executar a pena após a decisão de segunda instância. São várias as razões que justificam esse posicionamento.

Com o julgamento em segunda instância, encerra-se a análise das provas. As chamadas terceira e quarta instâncias – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e STF – apenas analisam questões de direito. Não havendo mais possibilidade de reavaliação probatória, não cabe dizer que há ainda inocência a ser presumida.

Outra razão para a jurisprudência do STF sobre o início da execução da pena é o reconhecimento de que as decisões judiciais devem gozar de um mínimo de autoridade. Não é razoável que, por princípio, o sistema de justiça desconfie da sentença de um juiz ou da decisão de um tribunal, atribuindo efeitos práticos unicamente às decisões dos tribunais superiores.

Deve-se respeitar, como é lógico, o direito ao duplo grau de jurisdição. Antes de iniciar o cumprimento da pena, todos têm direito a que um órgão colegiado avalie a correção da sentença de primeiro grau. Mas não há direito subjetivo a um terceiro ou quarto graus de jurisdição. E isso não significa que a Justiça seja autoritária. Trata-se simplesmente de reconhecer que a função dos tribunais superiores não é substituir as instâncias inferiores – o que ocorreria caso as decisões destas só valessem após análise pelo STJ e STF.

A possibilidade de a pena ser cumprida após a decisão de segunda instância foi jurisprudência pacífica do STF até 2009. Então, ao julgar um habeas corpus, o plenário entendeu, por 7 votos a 4, que a execução da pena só podia ser iniciada após o trânsito em julgado.

Destoante da experiência internacional, disfuncional e contraditória com o próprio sistema do Judiciário, essa nova orientação do Supremo durou até fevereiro de 2016, quando se retornou à jurisprudência original. Reafirmou-se, assim, a possibilidade da execução da pena após decisão condenatória de segunda instância.

Desde então, houve várias tentativas para que o Supremo reabrisse a questão. Muitas delas com o exclusivo intuito de obter a soltura do sr. Lula da Silva. Além de congestionar a pauta do STF, tais manobras comprometem o próprio Supremo, cuja missão é fixar a jurisprudência que orientará, de forma segura e estável, todo o Poder Judiciário. Se essas orientações fossem continuamente modificadas, não haveria nenhuma razão para as instâncias inferiores seguirem efêmeras decisões.

Felizmente, a maioria dos ministros do STF soube respeitar o papel do Supremo, reafirmando a jurisprudência sobre a prisão após a decisão de segunda instância. Ficou célebre o voto da ministra Rosa Weber, em abril de 2018, ao rejeitar uma manobra para que a Corte negasse a orientação fixada sobre o início da execução da pena. “Compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para mudar jurisprudência”, afirmou a ministra.

Diante de todo o alvoroço criado em torno do julgamento de hoje, bem se vê a necessidade de uma melhor compreensão sobre o Supremo Tribunal Federal como instituição. São inadmissíveis as ameaças e afrontas proferidas contra o STF, numa vã tentativa de emparedá-lo. Deve haver outro patamar, muito superior, de respeito ao Supremo por parte de todos os cidadãos. Logicamente, essa exigência inclui os próprios ministros do STF. Hoje, cabe-lhes proteger e reafirmar, com toda a altivez que a instituição merece, a jurisprudência do Supremo sobre a prisão após decisão de segunda instância.

Em vez de dar curso a reviravoltas, dificilmente desvinculadas de interesses circunstanciais, seria mais sábio se os ministros favorecessem a decantação das expectativas sobre as balizas para a aplicação do direito penal no Brasil.

É preciso manter a possibilidade de prisão em segunda instância – Editorial | Valor Econômico

Os ministros não deveriam rever juízos corretos porque alguns procuradores supostamente extrapolaram suas prerrogativas

O Supremo Tribunal Federal começa a resolver hoje se volta atrás em suas decisões de 2016, que também foram válidas por décadas até 2009 quando o tribunal mudou de ideia - é legal a prisão de réus a partir da condenação em segunda instância? A Constituição define que isso é possível desde que a sentença tenha sido “transitada em julgado”, dando margens a uma discussão esotérica e várias interpretações. O STF move-se de acordo com bússola própria, na qual o norte político pode ser uma direção. Por isso não há, embora a razão e até o bom senso insinuem que deveria haver, uma visão colegiada comum, sólida e duradoura, sobre o assunto. Todas as instituições políticas estão sendo questionadas e nesse ambiente o Supremo pretende defender-se de ataques, mesmo que para isso tenha que enterrar as posições que ele próprio tomou de forma sensata em uma época muito mais serena.

É péssimo agora o clima no qual o STF terá mais uma vez de ratificar ou não seus próprios passos. Aos poucos instalou-se uma guerra entre o Ministério Público e ministros do Supremo, cuja estridência elevou-se depois que o site The Intercept revelou diálogos entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato em Curitiba. As conversas não foram desmentidas e, entre elas, além de indícios que podem comprometer a imparcialidade de Moro, revelou-se a intenção de buscar informações comprometedoras sobre o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Gilmar Mendes, a partir de expedientes “informais” junto à Receita Federal.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso em abril de 2018, não sem antes ter sido liberado por Moro o conteúdo de grampos que excederam o prazo legal de gravação. Em um dos diálogos, a então presidente Dilma Rousseff fala sobre o envio de diploma legal para que Lula se tornasse ministro. Gilmar Mendes impediu Lula de assumir e Moro, que depois tornou-se ministro da Justiça de Bolsonaro, virou também alvo de Gilmar. Este, trata hoje os procuradores da Lava-Jato de “canalhas”.

À recém-manifesta má vontade com a Lava-Jato e seus métodos, que passaram a ser questionados, soma-se a interessada má vontade do Congresso em relação à operação, que desvendou transações suspeitas de dezenas de parlamentares. Ao mesmo tempo em que, na queda de braço contra Moro, está mutilando seu pacote de segurança, forjou-se um pacote contra o abuso de autoridade, parcialmente vetado pelo presidente Jair Bolsonaro.

O Executivo imiscuiu-se no imbróglio. Toffoli suspendeu investigações com base nos dados da Coaf a partir de liminar do filho de Bolsonaro, Flavio, suspeito de envolvimento com milícias e “rachadinhas” com salários de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio. Todo o ímpeto eleitoral anticorrupção de Bolsonaro esvaiu-se logo e o presidente passou a criticar a Polícia Federal e a desgastar o ministro Moro. Como se fosse pouco, o STF assumiu o papel de inimigo de si próprio, após Toffoli determinar investigações ilegais, sem objeto, com relator não sorteado, sobre “fake news” - como ameaças nas redes sociais a ministros do Supremo feitas por bolsonaristas.

Há rivalidade de todos contra todos nos Poderes da República e a questão da prisão em segunda instância condensa uma vasta gama de interesses divergentes. Nesta hora, o Tribunal precisaria mostrar grandeza compatível com seu poder. Decide-se, afinal, pela maior ou menor morosidade na punição de crimes como o de corrupção, terreno onde se juntam advogados milionários com grandes conexões com o poder, políticos com influência nas Cortes, empresários e o submundo do crime.

Empresários corruptos foram parar na cadeia em quantidades inéditas graças à Lava-Jato. A instituição da delação premiada deu um impulso importante à celeridade das investigações e foi complementada pela ameaça concreta de prisão em segunda instância. Réus e seus advogados fracassaram na tentativa de procrastinar penas até sua prescrição, como era praxe até então. Há ampla liberdade de defesa e quantidade não desprezível de recursos no sistema vigente. Haverá um indesejável retrocesso no combate à corrupção se o STF mudar de posição mais uma vez. Os ministros não deveriam rever juízos corretos porque alguns procuradores supostamente extrapolaram suas prerrogativas. O remédio para isso é reafirmar limites legais já existentes e punir eventuais abusos cometidos, não ficar mudando a jurisprudência ao sabor dos embates políticos.

A difícil renovação dos quadros partidários – Editorial | O Globo

Desfiliação de parlamentares do PSB e PDT mostra o poder de esquemas que controlam legendas

Os dias que transcorrem mostram cenas muito claras que demonstram como o sistema partidário brasileiro precisa evoluir muito, passados 31 anos da promulgação da Carta que institucionalizou a redemocratização.

A desfiliação de quatro deputados do PDT e de três do PSB, por divergências em torno da reforma da Previdência, somada à briga entre os Bolsonaro e o presidente do PSL, Luciano Bivar, expõe de forma nítida algumas causas do distanciamento entre partidos e sociedade.

A saída de jovens parlamentares das legendas, entre os quais se destacam Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), atesta a existência de barreiras que os caciques partidários erguem à renovação dos quadros, para se perpetuarem no poder, e principalmente continuarem na gestão das centenas de milhões que o contribuinte é forçado a transferir para os fundos partidário e eleitoral.

A alta burocracia partidária alega que os parlamentares desrespeitaram o “fechamento de questão” contra a reforma, e por isso devem ser punidos. Mas a própria decisão de obrigar o voto uniforme costuma ser tomada pelos donos de partido e seus grupos de manobra sem discussões amplas. Marlon Santos (PDT-RS), um dos que se desfiliaram, recorda que o fechamento de questão foi decretado pelo partido de Carlos Lupi antes mesmo de o texto da proposta da reforma ser conhecido, e sem que deputados fossem ouvidos.

O discurso da “democracia interna” ficou em farrapos quando governadores de partidos que se colocaram contra a reforma defenderam o oposto — porque sabem quanto os estados padecem com os déficits previdenciários — , e contra eles não houve retaliação.

Os parlamentares, escorraçados, se desfiliaram espontaneamente e tentarão na Justiça Eleitoral manter o mandato com a alegação de que saem da legenda por “justa causa”. Rigoni, por exemplo, afirma que parlamentares agora penalizados assinaram carta com a legenda (PSB) sobre a “independência programática” do deputado. Foi rasgada.

Os candidatos jovens foram importantes para aumentar as bancadas, e com isso as legendas conseguiram mais dinheiro dos fundos de financiamento de partidos e eleições. Depois do pleito, vale o “centralismo democrático”. Lamentável, porque isso trava a renovação político-partidária.

O conflito entre o clã Bolsonaro e o presidente do PSL, Luciano Bivar, tem permitido que se saiba, por exemplo, que o partido, no Recife, paga aluguel à família Bivar. Um bom negócio que não é explorado apenas no PSL.

Na edição de domingo, O GLOBO trouxe um dos resultados desse tipo de distorção: em agosto de 2008, os filiados de partidos entre 16 e 14 anos eram 5,2% do total dos militantes registrados; em agosto de 2019, apenas 1,5%.

Nenhum comentário: