- Valor Econômico
É preciso conciliar a redução da desigualdade com a aceleração do crescimento
Neste momento em que a distribuição de renda se tornou o principal tema do debate político na maioria dos países, é preciso uma reflexão racional sobre as alternativas para se enfrentar o problema, sob risco de se prejudicar justamente os mais pobres.
A qualidade de vida no mundo hoje é muito superior do que há 40 anos, bem como em qualquer período da história. Indicadores de pobreza, saúde e educação estão muito acima dos observados no passado. Isso se deve ao crescimento econômico experimentado há décadas por vários países, sobretudo alguns muito populosos e antes muito pobres, como China e Índia. Quando se almeja reduzir sustentavelmente a pobreza, não há substituto melhor para o crescimento.
Em 1990 havia 1,9 bilhão de pessoas no mundo vivendo na extrema pobreza - 34% da população mundial. Hoje esse número caiu para 650 milhões - 10% da população. Em 1820, mais de 90% da humanidade vivia na pobreza, hoje o número está em 15%. No começo dos anos 1980, 80% dos chineses eram pobres; hoje 10%, e menos de 1% vivem na extrema pobreza. Em países como Indonésia, Índia, Gana e Etiópia, a pobreza extrema caiu à metade no mesmo período. A expectativa de vida ao nascer mundial é hoje de 72 anos, contra 46 anos em 1950. Isto se deve sobretudo à queda da mortalidade infantil, ao acesso a melhores tratamentos de saúde e à redução da taxa de natalidade.
Em quatro décadas, o produto per capita chinês aumentou dez vezes, o indiano três, e nos demais países citados, entre duas e três vezes. Madagascar e Guiné-Bissau, que em 1990 tinham PIB per capita próximo do chinês, não cresceram nos últimos 30 anos, sendo seu produto per capita hoje de um décimo do chinês. Não surpreende que a proporção de pobres nesses países não tenha variado no período. Exemplos semelhantes mostram ser o crescimento o principal redutor da pobreza.
Isto não significa que não haja problemas. O crescimento chinês veio com aumento da desigualdade. Em 1980, as parcelas da renda nacional apropriadas pelos 10% mais ricos e os 50% mais pobres eram basicamente iguais: 25%. Hoje o primeiro grupo se apropria de 40% da renda nacional e os 50% mais pobres de 15%. Esse padrão se repete em muitos países de crescimento rápido. Nas economias desenvolvidas, o fenômeno não foi uniforme, tendo sido observado nos EUA, Reino Unido, Austrália, mas não no Japão e Europa.
O aumento da desigualdade durante períodos de rápido crescimento é um fenômeno comum a muitos países, decorrente da mudança no perfil de profissional demandado pelas empresas. Nos países pobres, a maioria da população tem baixa escolarização e trabalha na agricultura, enquanto uma minoria de trabalhadores qualificados encontra-se na indústria e nos serviços especializados. Uma vez iniciada a primeira fase de crescimento acelerado, a expansão da indústria eleva a demanda por trabalhadores qualificados, sem que no curto prazo a oferta possa crescer ao mesmo ritmo. O resultado é uma ampliação da diferença salarial entre os trabalhadores qualificados e os de baixa escolarização.
A população que migra do campo para as cidades passa a receber salários superiores. Embora a redução da oferta de trabalho na agricultura tenda a elevar os salários, isto se dá em menor intensidade do que nos setores mais modernos. O crescimento provoca o aumento da remuneração de (quase) todas as parcelas da população, mas de forma desigual. Fenômeno análogo ocorre numa segunda fase do processo de crescimento, quando os serviços especializados ganham predominância sobre a indústria. Políticas de transferência de renda para os grupos desfavorecidos podem minorar a desigualdade, mas esta só cai estruturalmente com a ampliação da educação, o que requer tempo e políticas bem focadas.
No caso do Brasil, o país cresceu aceleradamente até 1980, mas caiu na armadilha da renda média a partir de então. A Constituição de 1988 fez uma clara opção pela redução da desigualdade em detrimento do crescimento, ao exigir uma alta carga tributária para custear programas sociais. O PIB per capita brasileiro cresceu somente 36% de 1990 até hoje. Mas, devido ao fim da inflação, políticas redistributivas e ampliação da educação, a extrema pobreza caiu de 21,6% da população em 1990 para 3,4% em 2017. Esta é a metade cheia do copo. Se o país tivesse crescido a taxas razoáveis desde 1980, haveria hoje muito menos pobreza e todos os indicadores sociais estariam ainda melhores.
O Brasil continua a ser um dos países mais desiguais do mundo, mas a pobreza - o que mais interessa para o bem-estar - caiu significativamente nas últimas décadas. A partir de agora, é preciso conciliar a redução da desigualdade com a aceleração do crescimento. Não há qualquer incompatibilidade entre os dois.
Sobretudo num país onde o Estado promove a desigualdade ao pagar salários muito superiores aos praticados no setor privado, ao conceder isenções tributárias para setores escolhidos, ao prover ensino superior gratuito a quem pode pagar, para citar apenas alguns exemplos. Há muito o que pode ser feito para se reduzir desigualdades, sem sacrifício do crescimento.
Deve-se intensificar políticas redistributivas bem focadas, como o Bolsa Família. Entretanto, políticas populistas que estão em voga entre a esquerda europeia e americana, com algum eco por aqui - tributação confiscatória sobre renda do capital ou qualquer renda mais alta, e impostos sobre ativos, por exemplo - são contraproducentes, pois inibem a poupança, o investimento e o trabalho, prejudicando o crescimento. Troca-se um ganho de curto prazo por uma perda permanente de longo prazo. Indo nessa direção o país se tornaria menos desigual, porém mais pobre. Seria a opção pela Coreia do Norte ao invés da China.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
**Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV
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