- Folha de S. Paulo
O voto da elite no presidente pode ter sido um serviço prestado às pressas para fugir da esquerda
Na primeira coluna do ano, perguntei se a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo era fascista.
Na semana passada, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, respondeu que sim, a entidade apoia Bolsonaro oficialmente. A Fiesp já havia apoiado governos antes, mas nunca com esse grau de engajamento.
Skaf entregou a Fiesp a Bolsonaro porque quer seu apoio na eleição estadual de 2022. Aparentemente, concluiu que o eleitorado paulista é como a economia global, um lugar onde sua turma não tem chance de competir sem apoio do governo federal.
Não chega a ser novidade que candidatos a cargos eletivos façam conchavos. A questão relevante é se Skaf é representativo do resto da elite econômica. O apoio do empresariado brasileiro a Bolsonaro é sólido? Ou foi só uma gambiarra de última hora para derrotar a esquerda em 2018?
Em outros termos, ainda não sabemos se o empresariado nacional vai assinar a carteira de Jair Bolsonaro. A esperança é que o voto da elite em Bolsonaro tenha sido só mais um fenômeno da "gig economy", um Uber chamado às pressas para fugir da esquerda, uma prestação de serviço fugaz que se recompensa com aquelas estrelinhas idiotas. Nesse cenário, Bolsonaro terá sido só uma daquelas patinetes que se alugam pelo celular e se largam na rua ao chegar no destino. A Presidência da República, no caso, terá se unido à lista de profissões que passaram a integrar o precariado urbano.
Se for o caso, em 2022 os empresários brasileiros escolherão outro candidato, que, sempre podemos esperar, talvez não seja um defensor de torturadores e milicianos que quer estrangular a imprensa livre e aparelhar o Supremo Tribunal Federal.
Mas, se as reformas de Guedes garantirem a estabilidade justamente ao pior servidor público brasileiro de todos os tempos, as perspectivas para a democracia brasileira se tornarão piores. Sei que muita gente ficará chocada com o que direi agora, mas, bom, os ricos são mais poderosos que os pobres. Se colocarem seu poder a favor da extrema direita, a degeneração bolsonarista pode se tornar permanente.
Com base no que vimos em 2018, esse cenário pessimista é bem possível. Com poucas e honrosas exceções, os empresários brasileiros passaram o ano fingindo que não viam os ataques à democracia. Suas entrevistas foram todas na linha "às vezes o presidente, embora seja muito mais bem-intencionado do que Madre Teresa, e apesar do fato de que seu programa econômico é muito superior a qualquer coisa que o espírito humano concebeu desde a invenção do arado, e sempre levando em conta que Bolsonaro é, admitamos, um totoso do papai, nossa, eu ia concluir dizendo que o governo apesar disso tudo comete alguns erros, mas acho que não suportaria o gosto de fel que isso me deixaria na boca".
Há vários argumentos morais que eu poderia apresentar contra isso, mas, sejamos honestos, quem prestaria atenção? Direi, pelo menos, isso: também é possível que a Fiesp tenha cometido o erro de comprar na alta para vender na baixa. Na mesma semana em que Skaf entregou a Fiesp a Bolsonaro, deflagrou-se uma guerra entre o presidente e seu ministro mais popular, que está em campanha aberta para 2022. Huck e Doria são candidatos fortes. A esquerda pode se reorganizar. Skaf pode ter pago preço de carro novo em corrida de Uber.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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