segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Philip Stephens* - O populismo esquenta a luta climática

- Valor Econômico

Os liberais encabeçando a ofensiva pela redução das emissões de carbono estão preparados para financiar essas mudanças?

“Todos sabemos o que fazer, mas não sabemos como nos reeleger depois que o tivermos feito.” Jean-Claude Juncker, então primeiro-ministro de Luxemburgo, fez o doloroso e presciente alerta em 2013. De fato, os programas de austeridade que se seguiram à crise mundial estimularam uma tempestade populista da qual a velha política ainda não se recuperou. A história corre o risco de se repetir com o combate às mudanças climáticas. Como Juncker poderia dizer agora, os políticos sabem o que fazer, mas é melhor que tomem cuidado com os “gilets jaunes” (os “coletes amarelos” da França).

O êxito dos movimentos populistas que desestabilizaram antigos governos da Europa tem raiz na percepção - que não é apenas uma meia verdade - de que o fardo de socorrer as elites responsáveis pela crise financeira recaiu sobre parte mais pobre da sociedade. O maior peso da austeridade incidiu sobre os que haviam ficado para trás, não sobre os banqueiros. Agora, pense na redução das emissões de carbono. É o mesmo grupo que está mais à frente na linha de fogo, as pessoas de baixa renda, vivendo em vilarejos e cidades do interior.

A pergunta que me faço é se os liberais encabeçando a ofensiva pela redução das emissões de carbono estão preparados para financiar as grandes transferências de renda necessárias para torná-la politicamente sustentável

Ainda que Donald Trump tenha marcado presença em Davos, acabou-se o que era uma “guerra de mentirinha” contra as mudanças climáticas. De uma forma ou de outra, o aquecimento mundial vai remodelar nossas economias e sociedades. A opinião pública não vai mais deixar os políticos se limitarem a um punhado de fazendas eólicas e a incentivos tributários para veículos elétricos.

Incêndios florestais enormes na Austrália, geleiras derretendo na Groenlândia e mudanças enervantes nos padrões climáticos em quase todos os lugares do mundo desarmaram aqueles que negavam o aquecimento mundial, a não ser os mais obstinados. Basta perguntar ao primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, que até há pouco tempo exultava em seu papel como principal chefe de torcida das empresas carvoeiras australianas.

O mundo empresarial também vem descobrindo que apenas gestos simbólicos em direção à sustentabilidade são insuficientes. Há papo-furado de sobra em Davos, mas também há pressão real sobre os conselhos de administração das empresas para que levem o aquecimento mundial a sério. Acionistas e partes interessadas querem saber o que os conselhos fazem para diminuir o impacto de suas firmas no clima; investidores começam a afastar-se da indústria de combustíveis fósseis; e empresas, grande e pequenas, sofrem pressão para fazer auditorias “verdes”.

Nada disso torna a empreitada política mais fácil. As metas de dezenas de governos, que pretendem chegar em 2050 a um planeta com resultado líquido zero de emissões de carbono, podem parecer ambiciosas. Ainda assim, a revolução prometida nas políticas públicas é imensa. Os códigos tributários vão ter que ser refeitos do zero. As empresas vão ter que medir e reduzir o conteúdo de carbono em cada ponto de suas cadeias de abastecimento. Instituições financeiras já sofrem pressão para reduzir sua exposição a combustíveis fósseis. Em pouco tempo, todas as empresas vão ser classificadas de acordo com suas pegadas de carbono.

Motoristas de veículos vão achar difícil aceitar que já se foi o tempo do motor de combustão interna - pelo menos até que se invente uma bateria barata e de alcance razoável. A mudança do carvão, petróleo e gás para a energia sustentável vai exigir a substituição de milhões de sistemas domésticos de calefação. Os voos baratos vão sair de cena. Uma mudança do consumo de carne para o de produtos à base de plantas não é propriamente um convite para aplausos unânimes. O mesmo vale para os aumentos de impostos necessários para financiar um transporte público decente ou um melhor isolamento térmico para as residências.

A forma de tornar isso palatável, acreditam políticos, é agrupar e embrulhar as mudanças em “acordos verdes” - pacotes enormes calculados para canalizar dinheiro público e privado, compensar os mais prejudicados e redimensionar impostos, subsídios e outros incentivos. Neste mês, a Comissão Europeia anunciou um programa de €1 trilhão para mapear o caminho rumo à neutralidade de carbono até 2050. É um projeto ousado. Inclui altas indenizações para os mais prejudicados pelo fim da produção de combustíveis fósseis, uma regulamentação mais rigorosa e um imposto internacional sobre o carbono.

Mas ninguém, até onde pude ver, surgiu com algum plano para compensar o custo que vai incidir sobre as pessoas que vão ser mais prejudicadas - os que precisam dirigir para ir ao trabalho nos antigos carros de alto consumo de gasolina, que emitem mais carbono; as famílias que terão isolamentos térmicos menos eficientes ou não terão dinheiro suficiente para substituir os aquecedores e as pessoas para quem as viagens aéreas baratas representam a chance de viajar nas férias anuais.

Esses são os eleitores para os quais Trump estava falando em Davos - os mesmos que alimentaram a ascensão dos partidos populistas das extremas direita e esquerda pela Europa. Em geral, vivem em pequenas cidades e vilarejos, mais além das grandes cidades nas quais a sustentabilidade se tornou o discurso da moda. Se alguém tiver dúvida sobre o grau de irritação deles, basta ver os “gilets jaunes” na França, cujos protestos contra Emmanuel Macron começaram após um aumento no imposto sobre o combustível.

Há algumas maneiras óbvias de amortecer o impacto. Um transporte público subsidiado e melhor nas cidades do interior poderia ser um começo. Os governos também podem financiar programas de trocas de veículos, para encorajar as pessoas a comprar carros menores e mais eficientes, e ajudar na compra de sistemas de aquecimento sustentáveis. Devem ter em mente, porém, que orçamentos tímidos não vão ser suficientes.

Uma grande faixa de eleitores vê as políticas verdes pelo mesmo prisma que Trump - algo que os defensores da globalização, ricos, querem infligir nos mais pobres, quando não estão pulando de continente a continente em seus jatos privados. Na cabeça desses eleitores, os que foram deixados para trás já foram enganados pela globalização e já foram roubados pelos banqueiros. E eles não estão nem um pouco dispostos a permitir que os enganem de novo. A pergunta que me faço é se os liberais encabeçando a ofensiva pela redução das emissões de carbono estão preparados para financiar as grandes transferências de renda necessárias para torná-la politicamente sustentável.

*Philip Stephense é principal comentarista político do FT

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