quarta-feira, 25 de março de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

Bolsonaro minimiza epidemia e põe Brasil em risco – Editorial | O Globo

O erro de desconsiderar a pandemia leva presidente a ficar na contramão da Ciência e do país

O estilo errático do presidente provoca idas e vindas em ações que precisam ser urgentes, devido ao tamanho de uma crise que já paralisa a economia. É exemplar a edição da MP dos contratos de trabalho, que desconhecia a existência dos empregados, devidamente revogada. Sequer deveria ter sido assinada. Ida e vinda desnecessárias.

Outro temerário costume do presidente — o de fazer política pelo enfrentamento, política de combate — é muito prejudicial à população e a ele mesmo. Espera-se que tenha ouvido o barulho dos panelaços, replay dos ocorridos em 2016 na fase de agravamento da crise cujo desfecho foi a aprovação do impeachment de Dilma pelo Congresso. Inclusive o de ontem à noite, enquanto, em rede nacional, voltava a defender a delirante tese de que a Covid-19 só é perigosa para idosos, sendo inofensiva para o resto da população.

Mas não basta ter conhecimento das manifestações. É necessário também entendê-las como sintoma da rejeição majoritária na população a um presidente que chegou a negar a existência da pandemia, considerando-a uma “gripezinha” — termo que voltou a usar ontem —, em desrespeito aos já infectados e a toda a população, temerosa diante do noticiário do que acontecia no mundo. Inclusive aos mortos pela doença, cujo número começa a aumentar. O medo era e é justificável. A taxa de crescimento dos casos no Brasil acelera, repetindo o padrão mundial que levou a situações críticas, por exemplo, a Itália, país desenvolvido. E o dono da maior economia do mundo, os Estados Unidos, que começam a ser considerados a nova China na pandemia mundial. Símbolo da gravidade a que pode chegar a situação é o fato de Nova York ser uma das cidades mais atingidas.

O modelo de presidente de Bolsonaro, Trump, caiu na mesma esparrela e teve de bater em retirada desorganizada, como costuma fazer, preocupado com os estragos da demora em agir em seu projeto de reeleição. Mas ensaia voltar à posição anterior.

O pronunciamento de Bolsonaro indica que ele deixou de ouvir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O ministro tem conduzido com eficiência um programa de enfrentamento da epidemia, o que lhe tem rendido índices de aprovação e apoio acima da baixa popularidade de Bolsonaro. Isso pode ser fatal para o ministro, num ambiente politicamente tóxico.

Não importa o bem-estar dos brasileiros, a maior parte deles de baixa renda, com uma parcela significativa residindo em favelas ou comunidades, vulneráveis ao coronavírus, dependentes da ação de um governo cujo presidente insiste em minimizar a crise, porque foi convencido de que pior do que a doença é a recessão causada pela quarentena e pelo isolamento social. Prefere culpar a imprensa profissional.

É a mesma pressão que está sendo feita sobre Trump, a despeito dos alertas de autoridades médicas americanas, como aqui. Esquecem que o dano causado aos países será maior e se alongará, caso as medidas de prevenção não sejam tomadas. Bolsonaro faz a escolha errada e ameaça os brasileiros.

Adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio é decisão sensata – Editorial | O Globo

Além do risco de contaminação, preparação dos atletas ficou comprometida por quarentenas

Desde que a epidemia do novo coronavírus começou a se alastrar, transformando-se rapidamente numa pandemia, as principais competições esportivas do planeta, como as Ligas da Europa, as eliminatórias para a Copa de 2022, no Qatar, e a NBA, foram gradualmente suspensas. No Brasil, até tentou-se um “jeitinho” de manter os torneios regionais com portões fechados, mas, após justos protestos de jogadores e técnicos, clubes e confederações decidiram suspender os campeonatos carioca, paulista e gaúcho, sendo seguidos por outros estados. Não fazia sentido manter as partidas, em que as aglomerações de torcedores e o contato físico entre os atletas facilitam a propagação da doença.

Nesse aspecto, causava estranheza a lentidão do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do governo do Japão em tomarem uma decisão sobre os Jogos de Tóquio, agendados para 24 de julho. Embora nas últimas semanas, já com a pandemia rompendo todas as fronteiras, membros do COI sustentassem que o cancelamento estivesse fora de cogitação, ontem foi divulgado o adiamento da Olimpíada e Paralimpíada para o verão de 2021. O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, após conversar com o presidente do COI, Thomas Bach. Em nota, o Comitê disse que pesou na decisão a informação da OMS de que já são mais de 375 mil casos confirmados em todo o mundo, número que se multiplica à velocidade de um Usain Bolt.

Apesar de tardia, é a decisão mais sensata. Entende-se que a realização de uma Olimpíada envolve enorme esforço para construir ou reformar arenas, prover quartos de hotéis e realizar custosas obras de infraestrutura para facilitar os deslocamentos — o Rio sabe bem disso. Há que se considerar ainda as cifras bilionárias que giram em torno de uma competição como essa.

Mas vive-se uma emergência na saúde poucas vezes vista na História. Prova disso é que, na Era Moderna, os Jogos foram cancelados apenas durante a Primeira e a Segunda Guerras (Berlim 1916, Tóquio 1940 e Londres 1944). E nunca adiados. A própria população japonesa estava dividida (45% contra e 40% a favor). Além disso, vários países, entre eles os Estados Unidos, maior colecionador de medalhas na Rio-2016, já haviam pedido o adiamento da Olimpíada. Não só pelo risco óbvio de contaminação — não se sabe como estará a situação do país em julho —, mas também porque a preparação dos atletas ficou comprometida pelas quarentenas.

Enfim, são muitos e consistentes os motivos que justificam o adiamento dos Jogos de Tóquio. Até mesmo por uma questão de princípio. Olimpíada rima com vida saudável. Nada a ver com a pandemia que assola o planeta. A maratona agora é para salvar vidas.

Ir e vir – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro dá a estados poder de bloquear estradas, o que ameaça gestão da crise

A crise gerada pelo novo coronavírus forçou uma trégua parcial entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores, com retomada do diálogo e um pacote de apoio orçamentário aos estados. Resta ao menos um aspecto alarmante no processo, contudo.

No compreensível afã de proteger populações do avanço da pandemia, autoridades municipais, estaduais e até do Poder Judiciário têm adotado às pressas medidas, em alguns casos inócuas, para impedir o trânsito de veículos e o acesso a cidades, estados e regiões —numa escalada arbitrária, irracional e, não raro, inconstitucional.

O exemplo de maior visibilidade foi o de Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro, que isolou a região metropolitana com restrições ao transporte intermunicipal. Romeu Zema (Novo) impediu ônibus de entrar e sair de Minas Gerais. Ao menos outros seis governadores tomaram decisões do gênero.

Logo, porém, vieram as iniciativas de prefeitos. As cidades paulistas de Ubatuba e Ilhabela, por exemplo, limitaram o acesso de não moradores. A Justiça de São Paulo, ademais, determinou um bloqueio na rodovia dos Tamoios, que liga a capital ao litoral norte.

A reação inicial do governo Bolsonaro se deu com a edição de uma medida provisória para disciplinar a competência federal —não de outros entes federativos— em decisões relativas ao fechamento de aeroportos e rodovias.

Embora pudesse ser lida como reação aos governadores, a MP é correta e contou com respaldo jurídico do Supremo Tribunal Federal, em consulta informal. A Constituição já estabelece que cabe à União legislar sobre trânsito e transporte; para além do aspecto legal, não é difícil imaginar as consequências desastrosas de um fechamento caótico de divisas pelo país.

O presidente, entretanto, acabou por ceder aos estados —e justamente no que não poderia. Na noite de segunda-feira (23), o governo publicou resolução que transfere a órgãos de vigilância sanitária dos estados o papel de determinar “restrição excepcional e temporária por rodovias de locomoção interestadual e intermunicipal”.

Trata-se de gambiarra, pois a Carta prevê que tal delegação se dê por meio de lei complementar. Mais que isso, trata-se de um desatino.

O direito de ir e vir está entre os mais básicos do mundo civilizado. Cerceá-lo se admite apenas nas circunstâncias excepcionais previstas na legislação. No contexto da crise, o bloqueio desordenado de vias ameaça o abastecimento de alimentos, remédios e outros produtos de primeira necessidade.

Decerto que a emergência sanitária pode justificar medidas drásticas, mas estas têm de ser tomadas com planejamento, visão nacional e ponderação de impactos econômicos —o que será quase impossível com 27 unidades da Federação a arbitrarem suas próprias regras.

Mais e melhores testes – Editorial | Folha de S. Paulo

Guerra eficiente contra o novo coronavírus depende de massificar diagnósticos

Testar, testar, testar —recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS) para domar a pandemia do coronavírus. Sem informação em quantidade e qualidade sobre a disseminação da Covid-19, o combate movido por autoridades sanitárias se faz quase às cegas.

A urgência não se resume a conhecer o número correto de infectados com o vírus CoV-2, subestimado por toda parte. A distorção do total de casos, que tira precisão do cálculo de letalidade, resulta da escassez de exames diagnósticos, que cumpre reverter a toque de caixa.

O Brasil está atrasado nessa frente, mas seria agora ocioso debater o que se deixou de fazer. Todas as energias precisam voltar-se a expandir de modo heroico a testagem, e a pasta da Saúde aparenta estar consciente do imperativo.

Em dias ou semanas os hospitais verão ser inundados com pacientes em estado grave. De passo com a escalada, o risco de contaminação de profissionais de saúde também se multiplica exponencialmente.

Identificar quais deles são portadores do CoV-2 vai se mostrar decisivo para definir quem deve afastar-se e quem pode continuar trabalhando sem ameaça para a própria saúde e a dos circundantes.

Há dois tipos de exame. O genético, RT-PCR, mais preciso por detectar o vírus, é demorado e custoso. O imunológico, que procura por anticorpos no possível infectado, dá resposta em minutos, mas só serve para aplicação após cinco dias, quando a reação do sistema imune passa a ser detectável.

O primeiro tipo seguirá como padrão-ouro de diagnóstico, crucial para a prática clínica. O segundo constituirá o veículo da massificação apontada como um dos fatores no relativo sucesso de países asiáticos contra a Covid-19.

O Ministério da Saúde anunciou a compra de quase 23 milhões de sistemas e kits dos dois tipos —a conferir. A cifra sobe a cada dia, suscitando algum ceticismo quanto à sua capacidade de cumprir a promessa e organizar a distribuição. Cumpre ainda, é necessário lembrar, providenciar mais máscaras e ventiladores para UTIs.

O governo paulista também agiu certo ao organizar rede de 17 laboratórios no estado para realizar 2.000 testes RT-PCR por dia. Urge replicar iniciativas assim pelos vários centros de excelência em pesquisa biomédica do país.

O valor estratégico da ajuda ao trabalhador – Editorial | O Estado de S. Paulo

Socorrer o trabalhador é muito mais que uma questão de humanidade. É uma exigência, também, do mais prosaico espírito prático. Ao proteger o poder de compra das famílias, o governo tornará menos difícil o início da recuperação, quando a tormenta amainar. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou formas de proporcionar alguma renda ao assalariado quando houver suspensão do contrato. O governo poderá garantir um quarto do salário normal ou até um terço. Será uma compensação parcial do corte imposto pela empresa, segundo explicou numa entrevista ao Estado, publicada ontem. Faltou algo desse tipo – uma regra de remuneração – na Medida Provisória 927, revogada parcialmente, na segunda-feira, horas depois de publicada.

A omissão foi um esquecimento, explicou o ministro, e o presidente da República, segundo ele, se queixou com razão de ter apanhado dos críticos por causa disso. Mas o drama dos trabalhadores, nesta crise, vai muito além da suspensão de contratos e de redução de salários. Muitos já estavam desempregados quando o coronavírus desembarcou no Brasil. Quase nada foi feito no ano passado para reduzir o desemprego.

Além disso, em 2019 cresceu a fila de espera do programa Bolsa Família. O governo estreitou a porta de ingresso a partir de maio, condenando ao relento cerca de 1,5 milhão de famílias. Agora o Executivo promete ampliar o número de beneficiários, como parte da estratégia anticrise. Mas essa gente já estava à espera antes da crise.

Quando o vírus começou a assustar o mundo, o Brasil tinha cerca de 11,6 milhões de desocupados e 26,2 milhões de pessoas subutilizadas (desempregadas, subempregadas, desalentadas e distantes de qualquer oportunidade na chamada força de trabalho potencial).

Ao ser atingido pela epidemia, o País já estava, portanto, muito debilitado, em situação muito parecida com a de um doente desassistido ou mal assistido. Os números do varejo comprovam essa condição. Em janeiro, o comércio varejista vendeu 1% menos que em dezembro, recuando pelo segundo mês consecutivo. Foi o pior janeiro desde 2016 (-2,6%), quando o Brasil entrava no segundo ano da última recessão. O volume vendido aumentou 1,8% em 12 meses, mas o movimento diminuiu na passagem de 2019 para 2020. A média móvel trimestral caiu 0,4% no período encerrado em janeiro, em mais uma prova dos efeitos das más condições de emprego e renda. Os últimos números foram divulgados ontem pelo IBGE.

A fraqueza do comércio varejista combina com o baixo dinamismo da indústria. Com aumento de 0,9% em janeiro, a produção industrial ficou longe de retornar ao nível de outubro, anterior à queda de 2,4% nos dois meses seguintes. Mas, além da modesta expansão do volume produzido, os dados de janeiro trouxeram pelo menos um detalhe animador. O avanço em 13 dos 15 locais cobertos pela pesquisa foi o mais disseminado desde junho de 2018, quando a indústria começou a superar o impacto da paralisação desastrosa dos caminhoneiros.

Mesmo sem a crise desatada pelo coronavírus, já seria difícil desemperrar os negócios, com as condições externas desfavoráveis e um mercado interno travado pelo desemprego. Com muita ociosidade, a indústria poderia responder à demanda maior sem necessitar de investimentos iniciais. Mas faltaria o primeiro impulso. Esse impulso dificilmente virá de reformas ainda em tramitação ou nem apresentadas. Mas o desafio será muito maior se os efeitos da nova crise tornarem o quadro muito pior do que era antes do vírus.

Novos danos serão inevitáveis, até por causa de medidas necessárias, como a quarentena. Dificuldades muito maiores serão evitadas, se o governo garantir algum poder de compra às famílias, com medidas como liberação do FGTS, complementação salarial, seguro-desemprego e distribuição eficiente do Bolsa Família. A liberação de R$ 1,2 trilhão para o sistema financeiro, pelo Banco Central, foi um passo notável e um exemplo de eficiência para o Executivo. Mas é preciso, desde já, evitar um empobrecimento maior de dezenas de milhões de pessoas.

A pandemia e a lentidão da Justiça – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao modificar suas regras de funcionamento para tentar evitar que magistrados e servidores judiciais sejam contaminados pelo novo coronavírus, o Poder Judiciário não mostrou a mesma agilidade e eficiência que tem caracterizado os demais Poderes nesta emergência. Dos 91 tribunais brasileiros, vários permitiram que os magistrados trabalhem em casa. Contudo, não levaram em conta que, no cotidiano forense, eles têm de receber promotores e advogados. Outros tribunais disciplinaram o home office por meio de normas que acabaram sendo substituídas nas semanas seguintes, disseminando com isso dúvidas entre advogados, promotores, litigantes e testemunhas, principalmente com relação a prazos.

No Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), por exemplo, que cobre os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a primeira norma imposta ampliou o acesso ao trabalho por meios eletrônicos sem, no entanto, mudar as sessões e os prazos processuais. A seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) protestou alegando que, como seus membros tiveram de continuar participando de reuniões, realizando pesquisas em arquivos públicos, coletando documentos e recolhendo guias e pagamento de taxas, ficaram “expostos a toda sorte de risco”. Em resposta, a direção do TRF-4 afirmou que a maioria dos processos em tramitação poderia ser julgada sem comparecimento das partes e de seus defensores. Mas, no dia seguinte, mudou as regras, suspendendo prazos e sessões e instituindo um plantão judiciário. Já o TRF da 5.ª Região, que cobre os Estados do Nordeste, tomou uma decisão numa segunda-feira e a alterou na quinta-feira da mesma semana. Já no TRF da 1.ª Região, com jurisdição nos Estados das Regiões Centro-Oeste e Norte, cada magistrado adotou uma diretriz específica para seu gabinete.

Para tentar impor um mínimo de padronização administrativa no Judiciário enquanto durar a quarentena, no último dia 19 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou uma resolução elaborada com apoio das diferentes associações da magistratura, exigindo que os tribunais adotem um plantão extraordinário para tratar de casos de habeas corpus, pedidos de busca, apreensão e prisão preventiva e temporária e alvarás de soltura. A resolução também suspendeu os prazos processuais em todo o País. Mas os tribunais ficaram confusos com essa determinação, uma vez que ela não se aplica a ações judiciais que tratam da preservação de direitos ou tenham regime de urgência.

A mesma confusão ocorreu no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a maior corte do País em número de magistrados e processos. Apesar de a Corte ter divulgado regras para o período de quarentena e anunciado uma escala de plantão presencial, os desembargadores pediram esclarecimentos alegando que parte das providências tomadas colidia com os procedimentos impostos pela resolução do CNJ. Em nota, o presidente do TJSP, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, alegou que as normas da Corte foram editadas antes de o CNJ baixar sua resolução. Informou que gastou sete dias para encontrar uma solução para o problema que envolve 3 mil juízes, 40 mil servidores e 15 mil funcionários terceirizados. E, apesar de ter classificado como “ácidas” as críticas que recebeu de seus subordinados, reconheceu que o Tribunal não estava preparado para enfrentar uma situação tão complexa como a causada pela pandemia do novo coronavírus. “Erramos e nos enganamos. É fato. É da vida. Não me envergonho. Procuramos ajustar as coisas”, concluiu.

A morosidade e as dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário para preservar a saúde de seus membros mostram as limitações da instituição no campo administrativo. Apesar de eles estarem entre os profissionais mais bem remunerados da administração pública, ficou evidente nesse episódio o quanto a Justiça ainda tem de investir em qualificação e gestão.

O Mercosul e o ensino superior – Editorial | O Estado de S. Paulo

Firmado em julho de 2008 na 35.ª reunião do conselho do Mercosul e aprovado em 2011 pelo Congresso brasileiro, o acordo sobre a criação e implementação de um sistema de credenciamento de cursos de graduação para o reconhecimento regional de sua qualidade acadêmica foi finalmente promulgado pelo governo brasileiro. O decreto foi assinado no dia 20 de março e engloba um conjunto de medidas previsto desde a criação do Mercosul, há 30 anos, para a área educacional.

Uma dessas medidas foi a concepção de uma base curricular transnacional para todos os países-membros. O objetivo era fortalecer uma identidade cultural regional e disseminar entre os alunos uma cultura de solidariedade, paz, diálogo e respeito aos direitos humanos e à democracia. A ideia era que a formação de um espaço educacional comum, por meio da coordenação de políticas que articulassem a educação com o processo de integração do Mercosul, contribuiria para estimular o aumento da mobilidade e o intercâmbio regional.

Balizado por orientações dos conselhos nacionais de educação dos países-membros, esse é um trabalho difícil, complexo e moroso, pois envolve padronização de abordagens pedagógicas, linguagens e material escolar sem, contudo, desprezar as especificidades culturais locais. Outra medida foi o alinhamento das séries do ensino fundamental para efeitos de reconhecimento de diplomas na região, uma vez que em alguns países do Mercosul esse ciclo tinha oito anos e em outros, nove anos.

A criação de um sistema de credenciamento de cursos de graduação com reconhecimento regional de qualidade acadêmica foi outro desafio complexo. Em primeiro lugar, porque ele pressupõe a definição do perfil da mão de obra e dos recursos humanos que têm de ser formados para os setores industrial e de serviços da economia latino-americana. Em segundo lugar, porque em alguns países o ensino superior tem expressiva carga horária de aulas a distância, enquanto outros só trabalham com aulas presenciais. Em terceiro lugar, porque os cursos de graduação na região sempre foram desiguais, em matéria de currículo, de foco e de avaliação da competência no desempenho escolar. Diante da disputa acirrada por vagas e das exigências impostas pelas faculdades brasileiras de medicina, muitos estudantes optam por estudar em instituições argentinas e bolivianas, tendo de enfrentar, quando se concluem graduação e residência, os complexos procedimentos para reconhecimento de seus diplomas no Brasil. Por isso, fez-se o acordo para criar um sistema de credenciamento de cursos de graduação e de reconhecimento regional da qualidade acadêmica, envolvendo, além dos países do Mercosul, o Chile e a Bolívia.

Para facilitar o reconhecimento de diplomas universitários e títulos acadêmicos, na elaboração do acordo os representantes de cada país discutiram a necessidade de impor uma espécie de ciclo básico comum no ensino superior, constituído por seis matérias relacionadas aos cursos desejados nas áreas de ciências humanas, exatas e bioquímicas. Acertaram que os cursos de graduação terão o prazo máximo de seis anos para expedir um diploma. Debateram formas de intercâmbio entre as respectivas comunidades acadêmico-profissionais. Estudaram formas de desenvolvimento progressivo de uma cultura comum de avaliação da qualidade das universidades da região, uma vez que algumas seguem critérios europeus e outras se inspiram no modelo americano. Estabeleceram as diretrizes para a criação de um mecanismo de informações para a área educacional do Mercosul.

Diante de uma economia cada vez mais globalizada e marcada pela velocidade do processo de mudanças tecnológicas, se o Mercosul não adotasse medidas como essas para uniformizar e assegurar um mínimo de qualidade em seu ensino superior seus países-membros se isolariam economicamente, comprometendo o futuro intelectual e profissional de seus jovens.

Governo tropeça no apoio ao mercado de trabalho – Editorial | Valor Econômico

Calcula-se que o custo potencial é de R$ 11 bilhões se 18 milhões de pessoas forem beneficiadas. Mas o universo total de informais chega a 38 milhões de pessoas

Nos últimos dias uma enxurrada de negociações entre empresas e empregados foram desencadeadas para rever convenções coletivas de trabalho. A intenção é tentar preservar o emprego, diante do impacto da pandemia de coronavírus na economia. O governo já reduziu a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano de crescimento de 2,1% para 0,02%, considerada otimista.

O Valor apurou que alguns acordos prevendo redução de jornada e salários já foram fechados por trabalhadores das indústrias mecânicas e metalúrgicas de Blumenau, em Santa Catarina, e da construção e de bares e restaurantes da cidade do Rio de Janeiro (20/3). Esses setores se anteciparam a uma das propostas do governo para enfrentar a crise da pandemia, que é permitir a redução de até 50% da jornada de trabalho, com corte do salário na mesma proporção, sem diminuir os valores recebidos por hora pelo empregado. Nos casos registrados, a redução é de 25% tanto da jornada quanto dos salários, respeitando as regras atuais e o valor do salário mínimo.

Os acordos também admitem a suspensão de contratos e a instituição de férias coletivas, como forma de preservar os postos de trabalho e ainda o parcelamento de verbas rescisórias, em caso de demissões.

Governos do mundo todo receiam as inevitáveis consequências negativas do coronavírus na economia e no mercado de trabalho. Alguns com disponibilidade de recursos já anunciaram medidas de exceção. A Alemanha prometeu compensar os que tiverem a jornada reduzida para meio período. O Reino Unido vai pagar até 80% do salário dos trabalhadores nos próximos meses. Os EUA incluíram no pacote emergencial a distribuição de US$ 1 mil para cada americano.

Com muito menos recursos, o governo brasileiro protagoniza mais confusão. Na semana passada, anunciou que iria autorizar a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses, período em que o empregador manteria benefícios como plano de saúde e ofereceria cursos de qualificação. O governo, de seu lado, estenderia alguma compensação. Mas a Medida Provisória (MP) a respeito do assunto, a 927, que saiu na madrugada da segunda-feira, não trouxe as contrapartidas prometidas e deixou o trabalhador no ar. Bolsonaro teve que voltar atrás, sob o risco de ser chamado de “exterminador de emprego”, acusação que havia dirigido a governadores que implementaram a quarentena.

Mas ficarão valendo outros pontos da MP, como o que criou o trabalho a distância, como home office; o regime especial de compensação de horas no futuro em caso de eventual interrupção da jornada de trabalho durante calamidade pública; a suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais; a antecipação de férias individuais, com aviso ao trabalhador até 48 horas antes; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e antecipação de feriados; a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; e o adiamento do recolhimento do FGTS.

Não foram ainda abordadas, porém, outras promessas feitas na semana passada, que tinham como justificativa a preservação do emprego. Uma delas é a possibilidade de redução da jornada em 50% com diminuição proporcional do salário e apoio da parte do governo. O governo havia prometido que compensaria o trabalhador que ganha até dois salários mínimos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O governo calcula que 11 milhões de trabalhadores poderão ser beneficiados ao custo de R$ 10 bilhões, bancados pelo Tesouro porque o FAT é deficitário.

A MP também não abordou a situação do trabalhador informal, totalmente desprotegido. Até o presidente Jair Bolsonaro percebeu que ambulantes e trabalhadores informais serão os mais afetados: “Da nossa parte, criamos um voucher. É pequeno? É pequeno: R$ 200. É o que nós podemos fazer, pra 20 milhões de pessoas”. O auxílio, previsto para durar três meses também precisará ser criado legalmente e deverá beneficiar quem não recebe algum outro tipo de ajuda, como Bolsa Família. Calcula-se que o custo potencial é de R$ 11 bilhões se 18 milhões de pessoas forem beneficiadas. Mas o universo total de informais chega a 38 milhões de pessoas.

Enquanto o governo tropeça na criação das novas regras, o noticiário já traz a paralisação de indústrias e empresas de varejo, e a previsão de demissões acima de 5 milhões de pessoas.

Nenhum comentário: