- Valor Econômico
Não há mais tempo de debater se a política pode ser heterodoxa
A taxa de desemprego da Noruega sempre foi um não assunto para quem acompanha o desempenho da economia mundial. Foi assim até ontem, quando ficamos sabendo que a taxa de desempeego do país nórdico chegou a impensáveis 10,9%, a mais alta em 80 anos. A última vez em que o desemprego chegou perto disso na Noruega foi durante a Grande Depressão, na década de 1930, quando o capitalismo sofreu sua primeira crise global.
A notícia de ontem assombrou analistas, investidores e autoridades mundo afora pelas seguintes razões: apenas uma semana atrás, a taxa de desocupação na Noruega estava em 5,3%, menos da metade do que está agora. Ter 5,3% de sua força de trabalho procurando emprego também não é comum naquele país.
A queda acentuada do preço do petróleo, principal produto exportado pela Noruega, já vinha motivando demissões nos dois primeiros meses do ano. Ainda assim, no fim de fevereiro, a taxa de desemprego, que é apurada semanalmente, era de 2,3%, muito provavelmente uma situação de pleno emprego. Portanto, em apenas três semanas, o número de desempregados de um dos países mais ricos do planeta quase quintuplicou.
Ao divulgar os números, a Agência do Trabalho e do Bem-Estar do governo norueguês informou que o Leviatã, a bestafera que emerge das consequências da pandemia do covid-19, o novo coronavírus, varreu o país nórdico nas últimas duas semanas. Nesse período, tudo ou quase tudo fechou no país, principal estratégia que governantes responsáveis têm adotado para conter o avanço do maldito vírus.
A Noruega é o primeiro país a revelar os impactos catastóficos do covid-19 na economia. Os outros virão em angustiante sequência e é impossível prever a dimensão do tombo que todos, obrigatoriamente, tomaremos. "Esta ncrise é muito mais aguda e impactará a todos indistintamente", diz Mário Torós, ex-diretor do Banco Central, hoje sócio da Ibiúna Investimentos. Em 2008, o vendaval que todos julgavam o mais severo desde 1929, ele estava na cabine de comando do BC, tendo enfrentado, inclusive, um ataque especulativo que poderia ter levado nossa moeda à breca.
O cidadão norueguês entrega ao governo, em forma de tributos, mais de 40% de sua renda. O imposto sobre a renda dos viventes equivalia, em 2018, a 9,9% do Produto Interno Bruto (PIB), a mesma proporção registrada pelos Estados Unidos no ano passado. Na Noruega, vejam só, se o contribuinte achar justo pagar mais imposto do que se cobra dele, tudo bem, ele pode fazer isso. Por aqui, filantropia é feita com o chapéu alheio - por meio de dedução de imposto devido -, sendo que o chapéu, no caso, não é do doador, mas de todos os que respiram o ar do Gigante Adormecido (que há seis anos não consegue sair de seu pior pesadelo), principlmente dos pobres.
A experiência mostra que as nações que tributam mais a renda e menos o consumo _ o oposto do que se faz no Gigante do Atlântico Sul (editoriais da imprensa venezuelana costumavam nos chamar assim) - são as que prestam os melhores serviços a seus habitantes - há exceções que não desmentem a tendência, como Japão e Israel.
Não é difícil comprovar a correlação: enquanto os estudantes noruegueses têm nota ligeiramente superior à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) no exame PISA (sigla em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), considerando os exames de matemática, leitura e ciências, os brasileiros, devido ao nosso secular descaso com educação, ocupam a penúltima colocação nos três itens _ podia ser pior porque participam do PISA apenas 40 países. Trata-se de uma nódoa que nos envergonha perante a humanidade e que não se apagou nem com a vinculação de receitas (esta, aliás, é uma das causas da tragédia) nem muito menos por meio de planos mirabolantes de políticos que passaram pela Educação. Mais de um deles imaginou que, mesmo submetendo nossos jovens ao vexame do PISA, encurtaria o caminho para chegar ao Palácio do Planalto a partir do Mnistério da Educação (MEC).
Na Noruega, o governo prevê queda da ativide econômica privada entre 10% e 15% neste semestre. Depois de decretar quarentena para tentar conter o surto do covid-19, o governo aprovou rapidamente uma série de medidas com o objetivo de amenizar os efeitos econômicos da crise para empresas e trabalhadores e o banco central jogou a taxa básica de juros a zero (0,25% ao ano, a menor da história).
O Coisa Ruim acelerou sua marcha no Brasil nos últimos cinco dias. O país da falta de urgência se assustou com as declarações do ministro da Saúde, Luiz Mandetta, prevendo colapso do sistema de saúde em abril. No rastro do capeta em forma de vírus, o Leviatã já começou a avistar suas vítimas, não por causa da saúde, mas do apocalipse econômico que se anuncia na Ilha de Vera Cruz.
Quem e quantas são? Na linha de frente, 100 milhões de brasileiros, segundo estimativa do economista Arminio Fraga. É quase metade da população. Menos da metade recebe uns trocados do elogiadíssimo programa Bolsa Família. O restante está no cadastro único, onde estão inscritos brasileiros pobres, um pouquinho menos pobres que os elegíveis do Bolsa Família, mas ainda pobres. A maioria dessas pessoas trabalha como ambulante, empregado de pequena empresa etc. Desde o último fim de semana, eles estão sem renda alguma.
A Noruega recebeu o novo coronavírus e o Leviatã com um Produto Interno Bruto (PIB) per capita que, em dezembro, era de US$ 78,33 mil. Na Ilha de Vera Cruz, somava US$ 8,9 mil em outubro de 2019, bem inferior ao seu pico (US$ 13,3 mil em 2011). Esta é sua estatística porque a maioria absoluta dos brasileiros adoraria ter renda annual de US$ 8,9 mil.
O Leviatã vai nos pegar de calça curta.
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