Piada de mau gosto – Editorial | O Estado de S. Paulo
Como pode ter êxito um governo cujo presidente trata questões sérias como piada?
O ministro da Economia, Paulo Guedes, reuniu-se na terça-feira passada com representantes do Vem Pra Rua e do Movimento Brasil Livre, grupos que ganharam projeção fazendo protestos contra o lulopetismo e se alinham à agenda econômica do governo de Jair Bolsonaro. No encontro, durante um almoço na casa do secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, Guedes pediu apoio dos movimentos às reformas. Disse que o governo tem “15 semanas para mudar o Brasil”, em provável referência ao fato de que, no segundo semestre, o Congresso estará desmobilizado em razão da campanha para as eleições municipais.
Que dois altos funcionários do governo tenham deixado de lado seus afazeres para pedir o apoio e a opinião de movimentos de rua acerca das reformas econômicas que o governo pretende aprovar já é bastante inusitado. Mais inusitado ainda foi o cronograma apresentado por Guedes: em 15 semanas, o governo Bolsonaro pretende fazer o que foi incapaz nas 61 semanas de seu mandato até agora.
E não foi capaz porque se recusou a estabelecer as necessárias pontes com o Congresso e porque o próprio governo parece não se entender sobre o teor de algumas reformas que diz pretender apresentar, como a tributária e a administrativa. Em vez de pedir apoio às ruas, o governo Bolsonaro deveria se dedicar mais a melhorar sua interlocução com os parlamentares. Mas essa é uma perspectiva cada vez mais remota.
O presidente tem demonstrado crescente desrespeito pelas instituições democráticas e pelo próprio cargo que ocupa. Ontem, em escancarado deboche, Bolsonaro acertou-se com um humorista para imitá-lo – com faixa presidencial e usando a estrutura da Presidência, inclusive carro oficial – e provocar jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada. Quando os repórteres fizeram perguntas ao presidente sobre o fraco desempenho do PIB e sobre as conturbadas negociações com o Congresso acerca do manejo do Orçamento, Bolsonaro pediu que o humorista respondesse em seu lugar. Com isso, mostrou que tem quem o substitua quando não fizer falta.
É ocioso esperar que um governo cujo chefe se conduz dessa maneira e que trata questões sérias como piada seja bem-sucedido na tarefa de convencer a opinião pública e os parlamentares da seriedade de seus propósitos. Assim, entende-se por que Paulo Guedes tenha sentido a necessidade de procurar o apoio de grupos supostamente capazes de mobilizar parte da sociedade em favor de suas pautas, pois, se depender do empenho do presidente, há enorme risco de ver naufragar importantes reformas que já deveriam estar encaminhadas.
O problema é grave e não se limita às provocações de Bolsonaro ao Congresso e à imprensa. O governo foi incapaz até agora de deixar claro qual reforma tributária pretende fazer – e não foram poucas as vezes em que Guedes foi desmentido pelo presidente a respeito de ideias nessa seara. Também não se sabe qual será o formato da reforma administrativa, mas Bolsonaro já deixou claro que quer mudanças apenas “suaves” na estrutura do serviço público.
Ou seja, entre o país de Bolsonaro, que faz do exercício da Presidência uma comédia pastelão, e o país de Paulo Guedes, em que reformas complexas podem ser aprovadas em apenas 15 semanas, desconsiderando todas as circunstâncias, encontra-se o Brasil real – onde cerca de 23 milhões de desempregados, desalentados e subempregados são obrigados a viver a dura realidade da crescente falta de perspectiva.
Ante a desconexão do governo com a realidade, resta esperar que o Congresso continue a agir com responsabilidade e acelere a aprovação das reformas, não por força de manifestações estimuladas pelo governo, mas porque sem essas mudanças o Brasil estará condenado à mediocridade, muito aquém de seu potencial e dos merecimentos de sua população, mas condizente com o espírito da atual administração.
Estagnação em 2019, vírus em 2020 – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil emperrou no primeiro ano do governo Bolsonaro, com crescimento econômico de apenas 1,1%. Foi um resultado inferior ao de qualquer dos dois anos anteriores, quando o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 1,3%. Sem reconhecer o fiasco, o Ministério da Economia aponta “melhora substancial” na atividade, com o setor privado puxando a produção e o investimento. É uma estranha comemoração. Um dos motores principais do setor privado nos grandes emergentes, a indústria de transformação, cresceu 0,1%, quase nada. O investimento produtivo, de fato puxado pelas empresas privadas, avançou 2%, bem menos que no ano anterior, quando havia crescido 3,9%, quase o dobro do verificado em 2019.
Juros em queda, um dos poucos estímulos oferecidos à atividade econômica no ano passado, contribuíram para a expansão do consumo das famílias, mas tiveram pouco ou nenhum efeito no investimento em máquinas, equipamentos, construções e outros elementos do capital fixo. Esse conjunto, onde se incluem também as obras de infraestrutura, como estradas, centrais elétricas, portos e hospitais, é o parque produtivo de bens e serviços, considerado apenas em seu aspecto físico.
O total investido em 2019 ficou em 15,4% do PIB, pouco acima da proporção do ano anterior (15,2%) e abaixo da estimada para 2016 (15,5%), último ano da recessão. Investir em potencial produtivo é essencial para garantir crescimento econômico duradouro e sustentável, sem pressão inflacionária e com baixo risco de problemas nas contas externas.
O Brasil está longe disso. Neste século, a maior taxa de investimento bruto foi a de 2013, quando atingiu 20,9% do PIB. Essa proporção ainda ficou longe do nível mínimo considerado necessário a um país como o Brasil, de cerca de 24%. O baixo potencial produtivo explica as projeções modestas de crescimento econômico nos próximos anos. No mercado, essas projeções têm ficado em 2,5% ao ano, muito abaixo das possibilidades de outras economias emergentes.
O crescimento do PIB em 2019 poderia ter sido maior, segundo o Ministério da Economia, se o País tivesse ficado livre de alguns infortúnios, como a tensão comercial entre Estados Unidos e China, o baixo crescimento das trocas internacionais, a recessão argentina, intempéries no território nacional e, é claro, o desastre de Brumadinho. Mas outros países também foram afetados por vários desses problemas e ainda cresceram bem mais que o Brasil.
A indústria extrativa de fato foi prejudicada pela tragédia de Brumadinho e sua produção diminuiu 1,1%. Mas o fraco desempenho do setor de transformação é atribuível a outros fatores. A crise na Argentina, importante mercado importador de manufaturados brasileiros, é apenas um componente da explicação. A baixa demanda interna e o escasso poder de competição da maior parte da indústria são partes importantes da história. No ano passado, o governo pouco fez para atacar esses problemas. Além disso, uma atitude mais proativa neste ano parece pouco provável, por enquanto.
Um dos poucos sinais animadores, no balanço do ano passado, é o crescimento da construção. A atividade avançou 1,6%, depois de quatro anos de retração. Se a melhora persistir, o setor poderá proporcionar algum estímulo a outras áreas da indústria e também aos serviços, contribuindo para maior oferta de postos de trabalho. Em 2019, o desemprego caiu muito lentamente. No fim do ano os desocupados ainda eram 11% da força de trabalho e o subemprego era amplo, assim como a informalidade.
Para 2020 as projeções mais comuns indicam, por enquanto, crescimento na faixa de 2% a 2,2%. A epidemia de coronavírus pode justificar uma revisão para baixo. Em outros países, a preocupação tem sido acompanhada de ações para atenuar os danos econômicos do surto. Corte de juros é a medida mais evidente. Mas o governo deve examinar se há espaço para outros estímulos. É preciso evitar a tentação de usar o vírus como justificativa para mais um ano de estagnação.
Desemprego na América Latina – Editorial | O Estado de S. Paulo
No ano de seu centenário, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma em seu Panorama Laboral para a América Latina e Caribe que se deparou com uma incerteza básica: “A região se encontra em uma difícil encruzilhada entre o passado, o presente e o futuro do trabalho”. Entre as muitas incertezas que afetam a economia global, mais esta intensifica as inquietudes e priva a região da necessária serenidade para promover a recuperação econômica em ritmo satisfatório para reduzir gritantes diferenças sociais. Os índices de desocupação aumentam e há sinais de precarização dos empregos, afetando especialmente camadas mais vulneráveis, como os mais pobres e menos qualificados, mulheres e jovens.
As estimativas são de que no final de 2019 as taxas de desemprego tenham ficado em 8,1%, dois pontos porcentuais acima do registrado em 2014, quando se atingiu o nível mais baixo de desocupação neste século. Em 2020, a se confirmarem as projeções de crescimento econômico lento (1,4%), as taxas de desemprego devem se elevar para 8,4%. Serão 26 milhões de desempregados que podem aumentar para 27 milhões – sem contar cerca de 40 milhões de subutilizados, ou quase 20% da força de trabalho. A criação de empregos com registro se desacelerou, principalmente em relação aos empregos por conta própria, sinal de aumento de informalidade, enquanto a subocupação por insuficiência de horas aumentou, evidenciando a precarização do trabalho.
A “encruzilhada” de que fala a OIT impõe às lideranças latino-americanas reestruturar suas políticas de emprego. O superciclo das commodities, do início dos anos 2000 até 2013, permitiu a vários países gerar programas que facilitaram a formalização do emprego por meio da ampliação da seguridade social e dos benefícios trabalhistas. Ainda que o resultado geral tenha sido positivo, a insuficiência destes programas e o imediatismo dos governos, que investiram mal em elementos capitais para um crescimento sustentável, como educação, infraestrutura e diversificação econômica, cobram o seu preço.
Às dificuldades de aplicar medidas contracíclicas que atenuariam os efeitos da desaceleração econômica desde 2014 somaram-se restrições fiscais. Após um período de expansão da classe média anabolizada por créditos e subsídios não sustentáveis, o acúmulo de frustrações, catalisado pela desconfiança em relação à classe política, rebentou nas ruas do Chile, Equador, Bolívia e Peru e pode se intensificar em 2020.
É um alerta para a necessidade de um amplo diálogo entre empregadores, trabalhadores e governos para identificar carências e prioridades na elaboração de políticas sociolaborais. Além de contemplar dinâmicas globais que estão impactando o mundo do trabalho, como as transições tecnológicas, demográficas e ambientais, as respostas institucionais precisam atender os grupos mais vulneráveis, como os das mulheres, que respondem pelo sustento de quase uma em cada três famílias na região, e especialmente os jovens.
A taxa de desemprego juvenil é três vezes maior que a da população adulta. Um em cada cinco jovens busca trabalho e não encontra. Os que encontram trabalham em condições precárias (informalidade, baixos salários, escassa estabilidade e pouco treinamento). Cerca de 22% dos jovens não estudam nem trabalham. Desde os anos 80, os modelos de intervenção baseados na combinação de formação e estágio em empresas melhoraram a empregabilidade dos jovens. Mas tais modelos precisam agora de uma atualização que capacite os jovens profissionais a enfrentar as transições que certamente virão. Além disso, é preciso explorar o potencial das novas ferramentas de computação e comunicação para dinamizar a provisão de competências, serviços de emprego e o empreendedorismo, além de um diálogo social que dê mais voz e protagonismo aos jovens. Caso contrário o trabalho das gerações passadas pode se perder, e com ele a prosperidade futura.
O que é PIB? – Editorial | Folha de S. Paulo
Bolsonaro deveria saber que número fraco da economia significa país empobrecido
O presidente Jair Bolsonaro preferiu mergulhar na desfaçatez a responder sobre o frágil desempenho da economia em seu primeiro ano de governo, esmiuçado em números divulgados nesta quarta (4).
“PIB? O que é PIB? Pergunta o que é PIB”, recomendou Bolsonaro a um humorista profissional recrutado para personificá-lo diante de jornalistas, em mais uma de suas exibições para a claque reunida em frente ao Palácio da Alvorada.
Em termos simples, o Produto Interno Bruto (PIB) é a renda do país —gerada a partir dos bens e serviços produzidos. Essa renda cresceu apenas 1,1% em 2019, no terceiro ano consecutivo de recuperação frustrada após a brutal recessão de 2014-16.
Isso significa que os brasileiros permanecem mais pobres do que no final da década passada. Em um país de extrema desigualdade social, os estratos mais carentes sofrem as piores consequências.
O crescimento econômico —vale dizer, do PIB— continua aquém do necessário para fazer diferença marcante nos indicadores sociais. Os decepcionantes resultados do final do ano passado, agora consolidados, já haviam contribuído para turvar o modesto otimismo que se ensaiava para este 2020.
A renda gerada no quarto trimestre ficou 3,1% abaixo do patamar pré-recessão, o que evidencia a recuperação mais lenta já medida no país desde o século passado.
Até se notou alguma robustez no consumo das famílias, novamente o motor principal da economia, com alta de 0,5% em outubro-dezembro e 1,8% em todo o ano. É pouco, porém, para compensar debilidades mais amplas.
Embora tenha fechado o ano com alta de 2,2%, os investimentos caíram 3,3% no último trimestre, em razão do declínio da demanda por máquinas e equipamentos e também da construção civil. Renovam-se, assim, as dúvidas quanto ao ânimo dos empresários em buscar o aumento da produção.
Infelizmente, a situação já piorou desde então. O mais recente entrave à retomada é o coronavírus, que terá forte impacto negativo na atividade global, conforme já observado na China. Tudo considerado, vai se tornando menos provável que a economia brasileira possa crescer além de 2%.
Com ventos menos favoráveis no mundo e as persistentes incertezas domésticas, para as quais Bolsonaro decerto contribui, as projeções já se aproximam de 1,5%, e há risco de redução ainda maior.
Entende-se assim a reação do Banco Central, que já indicou que fará novos cortes em sua taxa de juros, num movimento que segue os de outros países. Pela primeira vez desde a crise financeira de 2008, o americano Fed baixou os juros fora de seu calendário normal de reuniões, num indicativo da gravidade do momento.
Tais medidas, porém, não passam de paliativos, incapazes de fomentar uma expansão mais sólida da economia. Bolsonaro faria bem em aprender o que é PIB —e melhor ainda em assumir as responsabilidades do cargo e empenhar-se politicamente na agenda de reformas destinadas a ampliar o potencial de crescimento do país.
Jogatina de volta – Editorial | Folha de S. Paulo
Com motivos e procedimentos tortuosos, governo ressuscita sorteios na televisão
Transformar emissoras de TV em cassinos decerto não é a resposta para o problema da queda de faturamento enfrentado pelo setor.
Numa sociedade aberta, de todo modo, se há empresários prontos a promover sorteios de prêmios em meio a programas de entretenimento e consumidores dispostos a adquirir o produto, não cabe ao poder público impedir a transação.
O que está dentro das atribuições do Estado é assegurar que o processo transcorra sem fraudes, com a divulgação de todas as informações relevantes —cumpre, também, tributar a operação.
Há, entretanto, grande diferença entre o que prevê a boa teoria e como o tema é conduzido pelo governo Jair Bolsonaro —não com o intuito de liberalizar a economia, mas para socorrer aliados.
O caminho legal escolhido, mais uma vez, foi a edição de medida provisória, quando um projeto de lei seria mais adequado. Não se veem, no caso, a relevância e a urgência que, pela Constituição, justificam o emprego de uma MP.
Ademais, se o Congresso deixar a norma caducar, o que tem ocorrido com frequência na atual legislatura, aqueles que tiverem feito investimentos para retomar os sorteios ficarão a ver navios. Segurança jurídica deveria ser uma prioridade em todas as ações de governo.
Cabem ainda críticas à redação da MP. O texto faz referência a “serviços de entretenimento”, que não têm definição legal. Isso muito provavelmente significa que a própria medida precisará ser objeto de regulamentação por outros órgãos.
Também faltou tratar dos filtros para evitar que jogadores compulsivos façam um número excessivo de apostas, o que abre portas para contestações judiciais. Foi isso, afinal, o que levou ao banimento dos sorteios no final dos anos 1990.
É duvidoso, por fim, o impacto da MP para os negócios dos empresários que pediram a ajuda ao presidente. Eles terão pela frente uma concorrência inglória com a internet, que é capaz de oferecer modalidades de aposta mais diversificadas e instantâneas.
BC é induzido a fazer mais um corte nos juros – Editorial | O Globo
Além do movimento de redução de taxas devido ao coronavírus, o PIB brasileiro de 2019 foi frustrante
O efeito global do fechamento, mesmo que temporário, de fábricas de componentes na China, que abastecem todo o mundo, é incomensurável. Mas sabe-se que deve ser grande, mesmo que voltem a produzir em breve. Há muitas notícias de paralisação de linhas de montagem, embora as empresas nunca informem ao certo a sua situação, por uma questão estratégica. Mas é claro que há problemas em eletroeletrônicos, no setor automobilístico, e assim por diante, devido à conversão da China na grande fábrica mundial de peças, principalmente eletrônicas.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) traçou cenários para o PIB mundial e, no melhor deles, reduziu a projeção de crescimento em meio ponto percentual, para 2,4%. Diante do risco de forte tempestade, o banco central americano, o Federal Reserve, Fed, realizou na terça reunião extraordinária e cortou os juros básicos em 0,5 ponto, fixando a taxa no intervalo entre 1% e 1,25%. Mercados caíram devido ao susto, por suspeitarem que os americanos saberiam que o problema seria mais grave do que parece.
Os BCs são culturalmente cautelosos, mas não podem deixar de reagir a uma probabilidade dessas. A epidemia do coronavírus na China está retrocedendo — há mais pacientes curados do que novos doentes. As perspectivas parecem boas. Mas levará algum tempo até as cadeias globais de suprimento e de comércio voltarem a operar a plena carga.
O anúncio do corte dos juros pelo Fed — Austrália e Malásia já haviam feito o mesmo — coincide com a divulgação pelo IBGE do frustrante crescimento do PIB brasileiro em 2019, de apenas 1,1%, o mais fraco em três anos, todos na mesma faixa. Que a economia não ganhava tração, já havia sido detectado. Por isso, ainda há uma população de quase 12 milhões sem emprego.
Se já existiriam pressões para o Banco Central fazer mais um corte na Selic de 4,25% na próxima reunião do Copom, nos dias 17 e 18, a iniciativa do Fed torna quase inevitável o BC seguir em frente no afrouxamento da política monetária. Não só pela China, mas pela lerdeza na reação do setor produtivo interno.
Após o fechamento do mercado na terça, dia em que o Fed reduziu os juros, o BC emitiu nota para informar que a autoridade monetária “monitora atentamente os impactos do surto de coronavírus nas condições financeiras e na economia brasileira”. Tradução feita por analistas: vem mais um corte na Selic.
Há um problema de queda de produção, por falta de componentes chineses, que nenhum corte de juros resolve. Mas, no caso da economia brasileira, mesmo sem coronavírus, a lentidão com que a produção reage aos estímulos monetários merece de fato uma atenção especial do BC.
Democratas parecem praticar o voto útil para Joe Biden enfrentar Trump – Editorial | O Globo
Ex-vice-presidente renasce nas primárias e se consolida como opção moderada contra republicano
A metralhadora verbal de Trump já chamou Biden de “Joe Dorminhoco”, referência a sonecas que o ainda vice-presidente de Obama tirou em uma ou outra solenidade quando era o segundo da Casa Branca. Contra Joe Biden, o presidente que tenta a reeleição foi muito além: usou o poder do cargo para reter US$ 400 milhões de ajuda militar à Ucrânia e assim pressionar o colega Volodymyr Zelensky a abrir investigações sobre a passagem do filho de Biden, Robert Hunter, pela direção de uma empresa ucraniana de gás. A ação nada convencional de Trump foi detectada por funcionários da Casa Branca e denunciada, mas o pedido de impeachment, aprovado pelos democratas na Câmara, foi arquivado pelo Senado republicano.
Anteontem, na Superterça, em que houve eleições primárias em 14 estados, Biden, com grande apoio do voto afroamericano, renasceu na disputa para enfrentar Trump em novembro. As expectativas eram que Bernie Sanders, combativo representante da ala esquerda do Partido Democrata, consolidasse sua arrancada na disputa por delegados à convenção da legenda que, em julho, sacramentará um nome para tentar impedir Trump de continuar na Casa Branca por mais quatro anos. Mas Joe Biden venceu a briga: até ontem de manhã, segundo o “New York Times”, Biden conquistara 390 delegados, e Sanders, muito apoiado por jovens, 330.
O ex-prefeito de Nova York Michel Bloomberg reduziu um pouco sua fortuna de US$ 60 bilhões desembolsando meio bilhão em anúncios na TV, para entrar formalmente na corrida democrata na primária de Nevada, antes da Superterça. Foi um fiasco em ambas. Havia conseguido apenas 12 delegados na Superterça, menos que os 36 de Elizabeth Warren, outra decepção. Bloomberg desistiu e apoiou Biden. Todos buscam obter a maioria absoluta dos 3.979 delegados, o que não deverá acontecer.
Trump já disse preferir Sanders para adversário. Afinal, não é difícil para ele apresentar o democrata como perigoso comunista, embora Sanders possa ser enquadrado na social-democracia. Tem propostas cativantes, mas de execução muito difícil: por exemplo, ensino superior gratuito e a instituição de uma espécie de SUS. Mesmo economistas democratas se preocupam com o custo dos projetos. Parece ter havido na Superterça um movimento de voto útil em favor de Biden. Talvez com alguma ajuda da cúpula democrata que estaria preparada para impedir a candidatura de Bernie Sanders por meio dos chamados superdelegados, que detêm 771 votos para decidirem uma votação extra na convenção, caso ninguém chegue à maioria absoluta. Sem contar as manobras de bastidores.
Democratas tendem ao centro para enfrentar Trump – Editorial | Valor Econômico
Biden recisará de grandes surpresas e muita sorte para superar Trump
As primárias do Partido Democrata americano marcaram uma volta do pêndulo da esquerda para o centro. Dado como carta fora do baralho após o péssimo início, Joe Biden, vice-presidente de Barack Obama, ressuscitou com força na Super-Terça, ao capturar a maioria dos delegados em 9 dos 14 Estados em disputa. Venceu no Texas e vários bastiões conservadores, além de Massachussetts e Minnesota, no Meio-Oeste. A esquerda, de Bernie Sanders, ganhou a Califórnia, onde o maior número de delegados (271) estava em jogo, assim como no Colorado em Utah. Tão importante quanto a ressurreição de Biden foi o fracasso retumbante, seguido da desistência, de Michael Bloomberg. Ele obteve vitória só na Samoa americana, que não é um Estado, e talvez tenha batido o recorde da maior quantia de dinheiro gasta por voto até hoje nos Estados Unidos.
Depois de mais de duas dezenas de contendores na largada, os democratas fazem um movimento em direção à moderação tradicional no partido. O centrismo teve mais dois candidatos, além de Biden: a promessa do prefeito Pete Buttigieg, de pequena cidade em Indiana, South Bend, e Amy Klobuchar, a primeira mulher a ser eleita para o Senado por Minnesota. Ambos começaram bem, mas suas chances minguaram após o teste das primárias da Carolina do Sul, aonde o eleitorado era menos homogêneo e mais semelhante à composição étnica e social do país. Joe Biden demonstrou que tem apoio do eleitorado negro e seus rivais, não. Diante da perspectiva de vitória do senador Bernie Sanders, ambos correram para engrossar as fileiras de Biden.
A novidade potencial da corrida democrata, o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, revelou-se um memorável fiasco. Sua estratégia foi ousada: deixar os concorrentes queimarem a largada nos primeiros quatro Estados e entrar para valer na Super-Terça, em busca da consagração em 14 Estados e de 1.119 delegados - pouco menos de um terço dos 3.979 que definirão o escolhido na convenção de 6 de junho, em Milwaukee.
Bloomberg gastou cerca de meio bilhão de dólares e nada ganhou. Não que o dinheiro tenha sido superado pelas ideias na campanha americana, onde ainda é a grande barreira a ser vencida. É que na estreia nos debates ele se revelou simplesmente um péssimo candidato, sem carisma e sem interesse. Foi alvo fácil de todos seus rivais, que disseram que o bilionário não poderia comprar uma eleição - apesar de Donald Trump ter feito justamente isso com os republicanos em 2016 - e recebeu críticas pelo fato de Bloomberg sequer ser um democrata convicto. De resto, denúncias do tratamento que a polícia de Nova York deu aos negros em sua gestão e a discriminação de mulheres em suas empresas contribuíram para aniquilar de vez suas pretensões.
A disputa presidencial mal está começando e a ação está toda no campo dos democratas. Mas a fase de surpresas pode estar perto do fim. O establishment democrata, que apoiou Hillary Clinton contra Obama em 2008, foi derrotado na ocasião e em 2016, depois que Trump venceu a candidata no colégio eleitoral, apesar de perder por mais de 3 milhões de votos nas urnas. Joe Biden, que conta com o recall de Obama no eleitorado, é o ungido pela máquina diretiva democrata, mas ainda precisa se provar eficiente para eliminar Sanders e sua popular coadjuvante na esquerda da legenda, a senadora Elisabeth Warren. O próximo teste será no dia 10, onde disputarão 355 candidatos em seis Estados.
Sanders, auto-denominado socialista democrático, é o adversário preferido do presidente Donald Trump. Trump acha fácil demonizá-lo como comunista e não acredita - como boa parte dos democratas - em sua capacidade de empolgar a maioria dos eleitores americanos. Francamente contrariado pelas vitórias de Biden, Trump tuitou várias intrigas sugerindo manobras indecentes da máquina do partido contra Sanders.
Trump tem contra si as manobras, sua conduta rude e inescrupulosa no manejo do poder e sua absoluta falta de lealdade com os aliados tradicionais americanos. A seu favor conta o fato de estar na Presidência - raras vezes o incumbente não é reeleito - e de, apesar de tudo, ter a aprovação de mais de 40% do eleitorado. Biden estampa a velha face conhecida dos democratas. Carrega consigo o legado de Obama, que já não foi suficiente para evitar que o inominável Trump chegasse ao poder. Precisará de grandes surpresas e muita sorte para evitar que Trump repita a façanha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário