quinta-feira, 5 de março de 2020

Ascânio Seleme - A quem o Congresso assusta

- O Globo

Brasil superaria muito mais rapidamente suas crises sob regime parlamentarista

Um grande número de brasileiros odeia o Congresso Nacional ou dele tem pavor. Estas pessoas enxergam no Parlamento um poço por onde escorrem todas as economias nacionais ou boa parte delas. Olham para deputados e senadores e só conseguem ver larápios, usurpadores das riquezas nacionais. Dizem sem se constranger que são eles que destroem o Brasil impedindo que gente digna e honesta, como Jair Bolsonaro, trabalhe. As convocações para o ato do dia 15 de março carregam esse vício de nascença, já que todos os problemas do Brasil têm origem no Congresso. Por esta ótica, enfrentar, atacar, desonrar o Congresso significa dar uma chance ao Brasil.

Vejo exatamente o contrário. Pelo ritmo alucinado com que se escala a intolerância política no Brasil, onde até a primeira-dama do país é vilipendiada pelo radicalismo, o Parlamento pode ser a única saída. Já testamos uma vez a alternativa parlamentarista. Funcionou provisoriamente para que João Goulart pudesse assumir o cargo aberto pela renúncia de Jânio Quadros. Como os militares não aceitavam Jango, achou-se a opção parlamentar.

Fabricada às pressas para resolver um impasse, não durou. Como também não durou o governo de Jango, derrubado pelo golpe de 1964, menos de dois anos depois.

O parlamentarismo é discutido nas redes sociais como uma armação que está sendo tramada no Congresso para tirar poder de Bolsonaro. Um golpe contra o presidente eleito democraticamente, denunciam. Bobagem. O tema não está na pauta da Câmara ou do Senado. Depois, para se fazer uma mudança de sistema de governo é obrigatório que todo o país participe do debate. Além disso, para aprovar uma emenda constitucional nesse sentido seriam necessários dois terços dos votos do Congresso, impossível de se alcançar nas circunstâncias atuais.

Claro que o modo beligerante de governar de Bolsonaro, o tumultuador da República, acaba gerando especulações. Certamente o Brasil superaria muito mais rapidamente suas crises sob um regime parlamentarista. E sem os traumas que geram no país, como o que resultou do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Se fosse primeira-ministra, Dilma deixaria o palácio mais cedo, e o país seguiria tranquilamente sua rotina com novo governo formado pelo Parlamento. Poderia ser até com o PT.

Se Bolsonaro fosse primeiro-ministro, com certeza não causaria esses tormentos quase diários que angustiam até mesmo os seus mais fiéis seguidores. Seria mais cauteloso. Ou cairia antes de completar a obra para a qual foi eleito. Nenhum problema em mudar de governo. Nos regimes parlamentaristas muitas vezes se muda a administração sem que se altere a orientação política ou mesmo o partido ou a coalizão que a sustenta. Mudanças passam a ser naturais e viram regra para se manter a estabilidade do país e a própria governabilidade.

Outra vantagem do parlamentarismo é que o servidor público passa a ser mais exigido, porque permanece na função enquanto as lideranças se alternam no governo. As políticas em andamento e a memória dessas políticas não mudam ou desaparecem a cada quatro ou oito anos. Isso dá sentido de seguimento e continuidade a diretrizes que são nacionais, suprapartidárias e não pertencem a um setor ou outro do espectro político. E é bom também porque governar fica mais fácil e barato.

Alguém pode dizer que com este Congresso que está aí não dá para contar. Meia verdade. Primeiro, porque há excelentes deputados e senadores trabalhando seriamente pelo Brasil. Depois, não tenham dúvida, a qualidade da representação parlamentar brasileira melhoraria muito. Os eleitores saberiam que o seu voto teria novo significado. Os parlamentares eleitos seriam os responsáveis pela formação do governo.

Pena que a discussão sobre a mudança de sistema só prospere em tempos de crise, quando um presidente vai mal. Ocorreu na gestão de Michel Temer, depois do escândalo da JBS. E pode vir à tona agora, com temem os bolsonaristas, em contraponto ao permanente embate do chefe do Executivo contra o Congresso, o Judiciário, a imprensa e quem quer que se mova em direção contrária à sua.

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