segunda-feira, 27 de abril de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Não é ‘esculacho’, é a lei – Editorial | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro vê as investigações contra o filho Flávio como 'esculacho'. A Nação conta com a Justiça para impedir que 'esculachada' seja a igualdade de todos perante a lei

No início do mês passado, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) requereu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a suspensão das investigações sobre a prática de “rachadinha” em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Para relembrar o caso: em dezembro de 2018, o Estado revelou que um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou movimentação financeira “atípica” nas contas bancárias de Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro e ex-assessor do filho mais velho do presidente da República quando o chamado “01” era deputado estadual no Rio. Para o Ministério Público Estadual, Queiroz gerenciava um esquema urdido no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro para confiscar parte dos salários dos servidores, a tal “rachadinha”, espécie de pedágio a ser pago pelas nomeações.

Desde que o País tomou conhecimento da escandalosa prática, há quase um ano e meio, esta foi a nona vez que Flávio Bolsonaro tentou impedir o avanço das investigações do chamado Caso Queiroz, que, em última análise, o afetam diretamente. Não obstante algumas decisões que lhe foram favoráveis no período, para o bem do decoro parlamentar, da moralidade pública e do viço da democracia representativa, as investidas do senador para obstar o devido esclarecimento de tão graves suspeitas não têm encontrado guarida no Poder Judiciário.

No dia 17 passado, o ministro Félix Fischer, do STJ, rejeitou novo recurso impetrado pela defesa do senador Flávio Bolsonaro contra uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que reconhecera a legalidade da quebra de seus sigilos fiscal e bancário de janeiro de 2007 a dezembro de 2018. No entender do ministro Fischer, as investigações sobre o esquema da “rachadinha” devem prosseguir porque estão sustentadas por “fortes indícios de autoria e materialidade” na formação do que o magistrado chamou de “grande associação criminosa”. Não há mais dúvida de que houve a prática de “rachadinha”. No entanto, é de grande interesse público que as investigações sobre o Caso Queiroz avancem para que à sociedade seja dado conhecer quem foram os grandes beneficiários de um esquema fraudulento que a um só tempo subverteu o bom uso dos recursos públicos e amesquinhou a atividade parlamentar.

Segundo a defesa do senador Flávio Bolsonaro, as investigações deveriam ser sustadas porque “houve inobservância da formalidade exigida (na quebra dos sigilos do senador) por recente julgado do Supremo Tribunal Federal, em razão de uma suposta troca de e-mails entre o Coaf e o Ministério Público Estadual”, que teria tido acesso às informações fiscais e bancárias do senador por meio ilegal. Em parecer enviado ao STJ, o subprocurador-geral da República Roberto Luís Thomé alegou que “não houve qualquer devassa indiscriminada” na vida financeira de Flávio Bolsonaro, cuja análise se limitou ao período em que o agora senador exercia mandato de deputado estadual.

O ministro Félix Fischer acolheu os argumentos do Ministério Público Federal, julgando ser “distorcida a afirmação de que o Ministério Público requereu, sem autorização judicial, informações sobre todas transações bancárias dos investigados por uma década”. No entender do magistrado, “a pesquisa solicitada estava relacionada apenas às movimentações suspeitas, e não a todas movimentações financeiras e fiscais dos investigados”. Melhor assim.

O pai de Flávio Bolsonaro é uma das mais estridentes vozes a vituperar contra a chamada “velha política”. O filho, portanto, deveria ouvi-lo e torcer pelo pronto esclarecimento do Caso Queiroz, haja vista que poucas práticas caracterizam melhor a “velha política” do que a tal da “rachadinha”. Mas isso, evidentemente, não irá acontecer. O presidente Jair Bolsonaro vê as investigações não como ritos previstos em lei, mas como um “esculacho em cima” de seu filho. O senador, por sua vez, aferrou-se à tese do “complô” contra o pai por trás dessas investigações. A Nação conta com a Justiça para impedir que “esculachados” sejam a moralidade pública e o primado da igualdade de todos perante a lei.

• A prudência do TSE – Editorial | O Estado de S. Paulo

O enfrentamento da pandemia da covid-19 exige normalidade institucional

Em sessão administrativa realizada por videoconferência, o ministro Luís Roberto Barroso foi eleito presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sucedendo à ministra Rosa Weber. Neste biênio, o vice-presidente da Corte será o ministro Luiz Edson Fachin. Em seu discurso, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu o menor adiamento possível das eleições de 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus, descartando a possibilidade de levar as disputas municipais para 2022.

“Ainda é cedo para termos uma definição se a pandemia vai impor um adiamento da eleição, mas é uma possibilidade”, disse o novo presidente da Corte eleitoral. “Se não tivermos condições de segurança, teremos que considerar o adiamento pelo prazo mínimo. Vamos nos empenhar para evitar qualquer tipo de prorrogação na medida do possível.”

Trata-se de uma atitude prudente. Se, no momento, as incertezas da pandemia não permitem assegurar com total certeza a realização das eleições nas datas inicialmente previstas – primeiro turno no dia 4 de outubro e segundo turno no dia 25 de outubro –, não faz sentido adiantar problemas e, menos ainda, agravá-los.

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a Corte estará em constante contato com o Congresso Nacional, para articular possíveis mudanças no calendário eleitoral. As datas do primeiro e do segundo turnos, primeiro e último domingo de outubro do ano correspondente, estão fixadas na Constituição. Eventual alteração, se for necessária por causa da pandemia do novo coronavírus, exige aprovação de emenda constitucional pelo Congresso.

De toda forma, ainda é cedo para definir alterações. A campanha eleitoral começa apenas em agosto. “A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição”, diz o art. 36 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97). Questionado no mês passado sobre eventual atraso do calendário eleitoral, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que “o problema da eleição tem de ser tratado em agosto, não agora”. Além disso, Rodrigo Maia lembrou que, segundo as projeções do Ministério da Saúde, a pandemia deve começar a declinar em agosto. “Se a curva (do comportamento da epidemia) estiver certa, quando a gente chegar em agosto teremos condições de organizar esse assunto”, disse Maia.

O enfrentamento da pandemia do novo coronavírus exige normalidade institucional, permitindo que o poder público atue com máxima eficiência. Especular sobre o adiamento das eleições, sem dispor de dados precisos sobre a situação sanitária do País no segundo semestre, é alimentar ruídos não apenas inúteis, mas perigosos. A realização periódica das eleições, em data certa e com regras conhecidas pelo menos um ano antes do pleito, é um dos elementos fundamentais da democracia representativa tal como dispõe a Constituição de 1988.

Em sua fala, o ministro Luís Roberto Barroso também mencionou outro assunto, que esteve insistentemente presente no período em que a ministra Rosa Weber foi presidente do TSE: a forte polarização e a massiva presença de fake news. “O Brasil precisa encontrar denominadores comuns, viver certa pacificação, diminuir intolerâncias e suprimir qualquer questão relacionada a ódio”, disse Luís Roberto Barroso.

No biênio à frente do TSE, a ministra Rosa Weber tratou, com especial prudência, do tema das fake news. Não alimentou falsas expectativas a respeito da capacidade de a Justiça eleitoral eliminar a desinformação. “Se tiverem a solução para que se evitem ou se coíbam fake news, nos apresentem. Nós ainda não descobrimos o milagre”, reconheceu em 2018 a ministra Rosa Weber. Além disso, nas eleições passadas, o TSE teve de enfrentar uma avassaladora campanha de desinformação contra o próprio tribunal. Assegurar a credibilidade da urna eletrônica foi sem dúvida “um dos maiores desafios do TSE nas eleições de 2018”, disse Rosa Weber na ocasião.

Em tempos de pandemia e de desinformação, é fundamental que o TSE atue com extrema prudência. Com eleições não se brinca.

• Entre a politicagem e a técnica – Editorial | O Estado de S. Paulo

Trump, sempre pronto a suscitar campanhas eleitorais, é capaz ainda de se resignar aos fatos

No último dia 16, o presidente americano Donald Trump e sua equipe de saúde anunciaram as diretrizes federais para a condução da crise epidêmica. Embora a falta de detalhes abra margem a questionamentos, em linhas gerais a proposta está no compasso dos protocolos da OMS e das melhores práticas internacionais. Tanto que o fato nem sequer chamaria a atenção, não fosse o contraste com o histrionismo do presidente.

Trump se comparou a um médico e declarou que a política partidária deveria ficar de lado. “Eu não ligo para a campanha”, disse. Mas, na mesma semana, exigiu que os cheques do Tesouro à população de baixa renda chegassem com seu nome. Logo após suspender o financiamento à OMS – “alinhada à China” –, ele se viu isolado numa reunião do G-7, enquanto os outros líderes vocalizaram seu apoio à organização. Com efeito, Trump vem subindo recorrentemente o tom contra a China em insinuações nunca bem explicadas.

Superada a atitude inicial de minimizar a ameaça do vírus, Trump tem oscilado entre forçar a reabertura da economia e endossar a cautela de sua equipe sanitária, provocando confusão e tensão com os governos regionais, sobre os quais, no dia 13 de abril, reclamou “autoridade total”. Mas o plano federal usa explicitamente o termo “linhas mestras”, e reconhece a autoridade dos governos subnacionais para ditar o ritmo da reabertura. “Vocês decidirão”, disse aos governadores. “Nós estaremos ao seu lado.”

O plano propõe uma progressão em três fases, mas nota que o território americano é vasto e heterogêneo, recomendando a cada Estado que só passe à Fase 1 após assegurados 14 dias de trajetória descendente de infecções. O plano também sugere um “programa robusto de testagem”; vigilância redobrada no ingresso de estrangeiros; maximização do distanciamento social; e o máximo de teletrabalho possível. A Fase 2 propõe a remoção de restrições a escolas, mantendo limites de aglomerações. A Fase 3 remove a maior parte das restrições, mas recomenda que as pessoas do grupo de risco mantenham o isolamento e que se evitem grandes aglomerações até que se encontre uma vacina.

O presidente anunciou ainda a formação de um grupo consultivo que, com congressistas republicanos e democratas, contará com mais de 200 líderes de 16 áreas estratégicas, como Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Elon Musk.

No início do mês, Trump chegou a dizer que abriria a economia como um “big bang”. Já no lançamento do plano, embora tenha insinuado que a maioria dos Estados estaria apta a iniciar a reabertura no dia 1.º de maio, não contradisse o líder da força-tarefa contra o vírus, o dr. Anthony Fauci, quando este declarou que a data talvez fosse “otimista demais”. “Convenhamos, são águas não mapeadas”, disse Fauci. “Talvez haja alguns reveses e tenhamos de dar passos para trás. E depois para a frente.”

No dia em que a Casa Branca anunciou seu plano, os EUA contavam quase 668 mil infectados e 33 mil mortos – de longe as maiores cifras mundiais. No início de março, Trump chegou a dizer que todo americano seria testado. Mas a testagem está empacada em 140 mil testes semanais – 10 vezes abaixo do ideal – e só 1% da população foi testado. Mais de 22 milhões de americanos já entraram na fila do desemprego. Mas atribuir estes percalços exclusivamente a Trump seria um equívoco tão grande quanto se deixar seduzir por suas panaceias triunfalistas, atribuindo-lhe mais poder do que a federação americana efetivamente lhe confere.

Assim como o presidente Jair Bolsonaro, Trump está sempre pronto a suscitar minicampanhas eleitorais. Mas o seu plano mostra que também é capaz de descer do palanque e se resignar, se não com humildade, com um mínimo de disciplina à verdade dos fatos apurados por sua equipe científica. Na falta de melhores paradigmas de estadistas, Bolsonaro, sempre ansioso por emular seu ícone, poderia adotar algo deste comportamento bipolar. Ainda estaria longe do “meio virtuoso”. Mas qualquer passo além do círculo cerrado de sua obsessão eleitoreira já seria um passo rumo à sanidade.

• Crise impõe cortes nos privilégios da alta burocracia – Editorial | O Globo

Empresas fecham, população perde renda, mas não há menção aos supersalários do serviço público

Governo e Congresso travam dura batalha sobre como compensar a abrupta queda de arrecadação tributária dos estados. A maioria dos governos estaduais já se encontrava em insolvência, mas a situação foi agravada pela confluência das crises provocadas pela pandemia do novo coronavírus e pelo colapso dos preços do petróleo no mercado mundial. O impasse está na definição dos limites do socorro financeiro da União.

O governo federal vê riscos em atender aos estados, sem garantias efetivas sobre o uso dos recursos na emergência sanitária. Equivaleria a um “cheque em branco” aos governadores. Por isso, quer impedir alterações na legislação tributária estadual (no caso, ICMS) durante a etapa de socorro e congelar os gastos com efeito continuado, como reajustes salariais, por dois anos, ou seja até final do ano eleitoral de 2022.

Os governadores, naturalmente, insistem em que a União compense os estados na proporção do desastre tributário, como prevê o regime federativo, sem imposições exageradas nessa aguda crise. Argumentam com a queda significativa na receita própria (na média, 20% em abril) quando há necessidade de preservar serviços essenciais, como os de saúde e segurança pública.

É preciso reconhecer: os dois lados têm razão. Se é necessário gastar, também, não é admissível uma política fiscal isenta de contrapartidas de eficácia no controle dos gastos. Existe, de fato, potencial risco de explosão da dívida pública.

Na realidade, essa crise está demonstrando que o custo operacional do setor público brasileiro já havia chegado a um ponto muito além da capacidade de pagamento da sociedade. O quadro das principais despesas da União, dos estados e dos municípios é revelador. Elas se concentram no pagamento de juros da dívida do setor público (juros em queda, pelo menos), na folha salarial civil e militar e na previdência do funcionalismo. Têm sido crescentes e impeditivas aos investimentos eficientes em áreas críticas como a rede pública de saúde.

Inverteu-se, na prática, o princípio de que o Estado serve ao povo. A catástrofe da pandemia empobrece a todos. A população perde renda, empresas fecham, mas o que ainda não se viu é disposição política para desmontar a trama de privilégios tecida nas folhas de pagamentos do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Por semanas discutiu-se o auxílio de R$ 600 aos mais vulneráveis. Porém, em momento algum se mencionaram os 35 tipos de parcelas remuneratórias (além do salário, vencimentos, subsídio, soldo, 13º e indenizações) que transformaram alta burocracia em casta. Também não se ouviu menção aos supersalários no serviço público, como os de juízes e procuradores que recebem até 720 salários mínimos num único mês, a título de “vantagens eventuais”, rubrica para verbas indenizatórias. Falta aos líderes do três Poderes dar a sua necessária contrapartida à sociedade.

• Argentina enfrenta confluência de crises na saúde e na economia – Editorial | O Globo

Situação é agravada pelo embate político entre o presidente Alberto Fernández e a vice, Cristina Kirchner

A imagem de um tsunami em câmera lenta parece ser apropriada para se descrever a atual situação da Argentina. A pandemia avança sobre o país, que perdeu a noção de valor da própria moeda, há tempos não tem acesso ao crédito internacional e tenta convencer os credores a aceitarem títulos no valor de US$ 65 bilhões — cerca de 40% da dívida externa não paga, levando-os a uma redução de 62% nos juros e encargos, com um período de carência de três anos. Os credores rejeitaram.

A pandemia e a crise da dívida deixam a Argentina em vulnerabilidade ímpar. No melhor cenário, haverá queda de 5,7% na economia neste ano. Como observou Kristalina Georgieva, diretora do Fundo Monetário Internacional, “da mesma maneira que o vírus afeta as pessoas com comorbidades, as mais vulneráveis, golpeia mais duramente as economias com dificuldades preexistentes.” As perspectivas ficaram mais turvas, no curto prazo, com a saída das negociações comerciais do Mercosul.

Antes da Covid-19 o país se encontrava em “terapia intensiva”, admitia o presidente Alberto Fernández, cuja popularidade aumentou (para 80%) com medidas de prevenção sanitária. Na confluência da pandemia com o calote, assiste-se a uma crise agravada por um duelo pelo poder entre o presidente e sua vice, Cristina Kirchner. Ela acumula a presidência do Senado com a liderança do agrupamento peronista mais radical dentro do governo, La Cámpora, cuja premissa é a confrontação com os Estados Unidos, com as empresas privadas e com os credores do Estado argentino.

“Alberto Fernández nos governa, Cristina nos conduz”, definiu o senador Oscar Isidro José Parrilli, atualmente o principal porta-voz da vice-presidente, em cujo governo (2007-2015) serviu como chefe do serviço de espionagem. O embate Fernández-Kirchner já é perceptível nas decisões estratégicas, como a que levou ao impasse nos contratos privados de suprimento de gás, com subsídios, que há dias quase levou metade do país a um desabastecimento energético.

A ambiguidade no poder aumenta o custo da crise para os 44 milhões de argentinos, dos quais 16 milhões (40% da população urbana) são pobres. Desses, metade está há mais de um ano submetida a uma dieta involuntária por escassez absoluta de dinheiro para comprar comida. O drama se agrava num país que só conheceu a vida na estabilidade econômica, matematicamente expressa pela inflação de um dígito, durante um curto intervalo de 12 anos das últimas nove décadas.

• Dados na pandemia – Editorial | Folha de S. Paulo

MP que dá ao IBGE informações de teles deve mudar para viabilizar pesquisas

As medidas de distanciamento social, ora necessárias em razão da pandemia de Covid-19, produzem efeitos que vão além da paralisação das aulas, da limitação do funcionamento do comércio e da restrição à aglomeração de pessoas.

Elas acarretam também inevitável impacto sobre a coleta de dados que o Estado realiza de maneira regular —e normalmente de forma presencial. O censo populacional programado para ocorrer neste ano, por exemplo, encontra-se suspenso por tempo indeterminado.

Outros levantamentos, no entanto, não podem ser postergados, sob o risco de levar o país a um trágico apagão estatístico. Destaca-se, nesse rol, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, conduzida pelo IBGE para apurar taxas de desemprego e informalidade, entre outras.

São dados cruciais para dimensionar as dificuldades que os trabalhadores do país enfrentarão nas próximas semanas e meses, em que a estagnação da atividade econômica vai gerar demissões em diversos setores, bem como para amparar políticas públicas destinadas a enfrentar esse quadro.

A fim de contornar essa dificuldade, o governo federal editou a medida provisória 954, cujo texto determina que as operadoras de telefonia forneçam nome, endereço e telefone de clientes pessoas físicas e jurídicas para que o IBGE realize suas pesquisas a distância.

Trata-se, sem dúvida, de informações sensíveis. Por constituírem uma espécie de chave de acesso individual a milhões de brasileiros, elas possuem valor não apenas para a esfera pública mas também para atividades comerciais e, mais grave, até criminosas.

Assim, não deveriam ser repassadas sem que os cidadãos tenham garantias de que seus dados pessoais não serão utilizados para outros fins, algo que a MP deixa de contemplar de modo satisfatório.

Ela não estipula, por exemplo, nenhum mecanismo de controle, seja da sociedade civil, seja do Judiciário ou do Ministério Público, a fim de minimizar o risco de uso indevido das informações.

Tampouco especifica quem estará autorizado a acessar os dados ou como se dará o monitoramento desse acesso. Ignora, por fim, questões tecnológicas básicas, por exemplo a forma de armazenamento dessa base —se estará criptografada e como será descartada posteriormente.

Diante de tantas incógnitas, agiu bem a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, ao suspender a medida provisória de forma liminar. Cabe agora a Executivo e Legislativo reescrever o diploma, que gera resistência política.

O país precisa de dados confiáveis, mas sem negligenciar a segurança e a privacidade dos cidadãos.

• Sangue bom – Editorial | Folha de S. Paulo

Supremo deve reverter veto à doação por parte de homens gays, hoje já obsoleto

A partir de 1º de maio, o Supremo Tribunal Federal dará seguimento ao julgamento em que se discute se homens que fizeram sexo com homens, nos últimos 12 meses, podem doar sangue. A proibição atual, adotada por força de normas do Ministério da Saúde e Anvisa, vigora desde 2002. O bom senso recomenda revertê-la.

A imprescindível segurança dos bancos de sangue, direito dos pacientes, pode ser garantida por caminhos alternativos, menos danosos.

Desde 2013, bolsas de sangue coletadas passam pelo teste NAT, capaz de detectar a presença de vírus com eficácia. No caso do HIV, o procedimento reduz a janela imunológica a cerca de dez dias.

Ao centrar atenção sobre um grupo, e não em fatores de risco, o veto à doação por homens gays se tornou obsoleto por não averiguar de fato segurança do sangue —na prática, só impõe discriminação.

Nesse sentido, os questionários aplicados devem ser revistos para diferenciar entre práticas seguras e arriscadas, qualquer que seja a orientação sexual do doador.

As autoridades sanitárias reconhecem como fatores de risco, por exemplo, ter feito tatuagem sem os cuidados necessários ou uso de drogas ilícitas injetáveis.

Internacionalmente, cumpre apontar, a proibição aos gays prevalece. Ventos de mudança, no entanto, se anunciam. Dois países com regulações semelhantes às do Brasil, França e EUA, alteraram recentemente suas políticas com vistas a diminuir o período de 12 meses considerado nesses casos.

Outras nações aboliram por completo o impedimento. Em 2015, a Argentina retirou a menção à orientação sexual do doador no questionário. Portugal e Espanha tampouco adotam tal critério.

Não se espera que o julgamento do STF se dê sem controvérsia, mesmo que preconceitos fiquem de fora. A maior ocorrência de HIV entre jovens gays de 15 a 29 anos —segundo os dados de 2018 do governo paulista, 70,3% dos portadores do vírus nesse estrato da população do estado eram homossexuais— tende a ter peso no debate.

As razões já apresentadas aqui, entretanto, deveriam prevalecer.

Não se justifica o veto a um contingente inteiro quando há condições de avaliar casos individuais e zelar pela segurança a partir de testes e questionários. A exclusão de doadores se torna particularmente insensata no atual cenário de escassez de estoques de sangue em meio à pandemia de Covid-19.

• Troca de Moro põe país mais perto de crise institucional – Editorial | Valor Econômico

Choque entre desenvolvimentistas e ortodoxos prejudica a previsibilidade econômica

No dia primeiro de janeiro de 2019, recém-empossado no cargo de presidente da República e já com a faixa presidencial sobre os ombros, Jair Bolsonaro dirigiu-se à nação do alto da rampa do Palácio do Planalto. “Graças a vocês conseguimos montar um governo sem conchavos ou acertos políticos, formamos um time de ministros técnicos e capazes para transformar o nosso Brasil. Mas ainda há muitos desafios pela frente”, afirmou aos apoiadores que o ouviam em pé na Praça dos Três Poderes e aos milhões de brasileiros que assistiam ao pronunciamento pela televisão. Muito mudou desde então, mas os desafios do país não só não deixaram de existir como crescem a cada dia.

A pandemia de covid-19 leva diariamente centenas de brasileiros à morte ou a centros de terapia intensiva. Uma severa recessão ameaça a economia, que já tentava se recuperar de uma insistente crise responsável por colocar milhões no desemprego e por frear investimentos públicos e privados. Mas, como se não bastasse, o próprio governo parece determinado a produzir crises em escala industrial.

A mais recente foi provocada pela demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em um embate cujo desfecho ainda é incerto. Pode-se afirmar, por outro lado, que a saída do governo do ex-juiz da Operação Lava-Jato deve resultar em bom desgaste político ao presidente e provocar questionamentos de pelo menos parte da sua base eleitoral.

O agora ex-ministro da Justiça deixou o cargo fazendo graves revelações, as quais já passaram a ser objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso. Moro confirmou que a insistência de Bolsonaro na troca do diretor-geral da Polícia Federal foi o estopim da crise e acusou o presidente da República de querer interferir na autonomia da PF. Revelou, também, que Bolsonaro estava preocupado com inquéritos em curso no STF e insistia em um nome à frente da Polícia Federal que lhe desse acesso a "relatórios de inteligência".

Horas depois, Bolsonaro fez um pronunciamento em que rechaçou as acusações do auxiliar e aproveitou para se vangloriar por ter mandado desligar o aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada como forma de reduzir os gastos públicos. Talvez não esperasse que Moro estivesse disposto a apresentar provas das pressões que sofria, como logo fez ao Jornal Nacional.
Isso não é a primeira vez que ocorre. Conforme detalhou o Valor em sua edição do dia 22 de abril, Bolsonaro coleciona um amplo catálogo de episódios em que decisões políticas se sobrepuseram às recomendações técnicas.

Sempre usando bordões com apelo popular, como “taxa do sol” e “indústria da multa”, o presidente mudou o rumo, por exemplo, das discussões em curso na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre a revisão das subvenções à geração de energia por placas fotovoltaicas ou a instalação de radares.
Em meio aos debates sobre o combate ao coronavírus, outro caso de interferência política na área técnica ocorreu. O chefe do Poder Executivo entrou em conflito aberto com o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que resistia à flexibilização do isolamento social e a recomendar o uso indiscriminado da cloroquina.

Diante do histórico do governo, é difícil acreditar que a atual crise política seja contornada rapidamente. O risco, portanto, é que outros ministros acabem entrando em processo de fritura e até deixem o cargo.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, já começa a ver sua autoridade colocada à prova, diante dos desafios impostos à atividade econômica. Há uma clara tentativa do governo de tentar demonstrar unicidade no discurso, mas o desconforto existente entre Guedes e seus auxiliares de corte mais liberal com uma ala desenvolvimentista do Executivo é ainda mais cristalino.

Ambos os grupos parecem concordar com a necessidade de o Estado atuar ativamente para combater os efeitos da crise, mesmo as contas públicas já estando em uma situação de extrema fragilidade. Há divergências, contudo, em relação à duração e a sustentabilidade a longo prazo de determinadas medidas, como o plano Pró-Brasil.

Vale lembrar que, passada a etapa mais aguda da crise, o governo se confrontará com o dilema de adotar um plano desenvolvimentista, de investimentos públicos, ou retomar o programa econômico mais ortodoxo legitimado pelas urnas na eleição de 2018. Um eventual choque entre essas duas alas em nada contribuirá para a estabilidade política e a previsibilidade econômica do Brasil.

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