O Estado de S. Paulo
Economias emergentes minimamente industrializadas
têm papel vital ante o risco da instabilidade da economia chinesa.
A fragilidade de nossa segurança econômica
é uma ameaça que vem somar-se às crises que já afligem nosso país.
Infelizmente, essa insegurança ainda não é bem compreendida pelos responsáveis
por nossas relações externas. A noção de segurança econômica é hoje empregada
por governos e grandes investidores que procuram se defender da instabilidade
econômica da China. Dado seu papel central na economia mundial, os efeitos
combinados da guerra na Ucrânia e da pandemia sobre a China agravaram as
rupturas nas cadeias globais de produção e de valor.
Os eventos adversos que atingem a economia chinesa afetam o equilíbrio de fornecedores e consumidores de insumos que dependem desse país. Desde o início da pandemia, os chineses enfrentam os efeitos mútuos de uma política autoritária e controversa de combate ao vírus, da insatisfação social e política da população mais jovem e mais educada e de efeitos disruptivos no setor produtivo, que limitam sua capacidade para continuar ocupando o espaço central de sua indústria na economia global.
Esses efeitos se fazem sentir pela falta de
insumos de toda natureza, que afeta e pode paralisar todo um setor industrial,
agropecuário ou de serviços. Soma-se a isso a desorganização do setor de
combustíveis fósseis, que provoca escassez e aumento de custos e dá margem a
chantagens e boicotes. Assim sendo, as economias mais avançadas – que sofrem
mais diretamente os efeitos da crise chinesa – reagem em busca de melhor
entender a natureza dos problemas por ela colocados e de encontrar alternativas
para sua dependência da economia chinesa.
Desde que os primeiros efeitos da
globalização provocaram disrupções no sistema de comércio internacional, os
países mais rapidamente afetados começaram a estudar a natureza do novo
fenômeno, seu impacto sobre o comércio exterior e as políticas de defesa
comercial capazes de evitar ou limitar seus efeitos. No governo Bill Clinton,
os resultados desses estudos, ainda de natureza acadêmica, acabaram levando à
criação de uma outra forma de assessoramento econômico da Casa Branca. Clinton
criou um Conselho Nacional de Economia, paralelamente ao Conselho de Segurança
Nacional – o principal órgão de assessoramento do presidente em questões de
política externa e de segurança estratégica.
As principais economias do mundo seguiram
um modelo semelhante de assessoramento direto do presidente ou do
primeiro-ministro, que não somente propõe a adoção de políticas, mas,
sobretudo, monitora ameaças à segurança externa e sugere, ao chefe do
Executivo, decisões específicas em casos emergenciais. Não se trata do modelo
brasileiro do “Conselhão” que permita ao presidente sentir o pulso da elite ou
cooptar o empresariado, mas sim de think
tanks governamentais, que reúnem especialistas com alto nível
de experiência acadêmica, profissional e política, não necessariamente ligados
ao partido do governo.
Agora, assistimos à criação de novos
arranjos de assessoramento do Executivo em resposta às sequelas cruzadas da
pandemia e da guerra na Ucrânia, sobretudo quanto a seu impacto sobre a
estabilidade da economia chinesa e suas consequências sobre as cadeias globais
de produção e de valor. Trata-se de novas forças-tarefa, da adoção de
legislações específicas e, no caso do Japão, até de um novo cargo de ministro
da Segurança Econômica – basicamente criados para exercer mecanismos de triagem
do investimento em inovação nas cadeias de exportação e importação.
Parte-se do pressuposto de que qualquer
país ou grupo de países que controle um punhado de inovações tecnológicas
emergentes poderá obter imensas vantagens nas cadeias de comércio e
investimento global. O papel das economias emergentes minimamente
industrializadas, capazes de substituir parte relevante das funções de
suprimento global, torna-se vital diante do risco decorrente da instabilidade
da economia chinesa.
Relatório recente do Centro de Estudos
Estratégicos e Internacionais (CSIS) mostra que países como a Índia, a
Indonésia ou o Vietnã, cujo desenvolvimento industrial vem-se firmando, estão
se tornando altamente atraentes para o investimento proveniente de países de
economia mais avançada, cujas posições nas cadeias de valor são mais
relevantes. Não é o caso do Brasil. Teríamos muito a ganhar se pudéssemos tirar
partido desta oportunidade para reverter o processo de desindustrialização ao
qual nossa economia vem sendo relegada desde os governos petistas.
Embora a economia brasileira possa se
beneficiar de sua posição na cadeia de segurança alimentar, nosso lugar, como
fornecedores de commodities, nos deixa em posição subordinada nas cadeias de
valor, que são controladas pelos países consumidores. A oportunidade para a
indústria existe, mas dependeria de uma política de segurança econômica, que
propiciasse a estabilização da economia e desse prioridade aos investimentos e
à predominância de gastos em políticas comprovadamente eficientes, enfim, tudo
o que se deve esperar de um próximo governo em real sincronia com as
expectativas dos eleitores.
*Senador (PSDB-SP)
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