O Globo
A terça-feira sangrenta que deixou mortos
no Rio e no Texas tem eventos de natureza diferente e um ponto em comum: o uso
descontrolado de armas. Os Estados Unidos têm tradição de facilitar o acesso à
posse e ao porte de armas e há anos colhem tragédias como a desta semana em que
morreram 21 pessoas numa escola, quase todas crianças. No Rio, a Polícia
Militar foi à Vila Cruzeiro e deixou 25 mortos. Alega que são criminosos, como
se isso justificasse a execução. Mas a própria PM admite que eles estão com armas
cada vez mais pesadas. E por que estão? Porque está cada vez mais fácil comprar
armas, munições e acessórios que antes tinham uso restrito e eram controlados
pelo Exército.
No programa desta quarta-feira na Globonews o assunto foi a violência política e a política de liberação das armas. Entrevistei a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), que vive desde 2019 sob escolta policial depois de ataques e ameaças de morte. Entrevistei também Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé nessa questão.
Talíria disse que nunca teve paz desde que
entrou para a política. Enfrentou de xingamentos nas redes sociais a
telefonemas para o partido, dirigidos a ela, hostilidade na rua e ameaças de
morte. A pior foi revelada em uma investigação na rede subterrânea de
computadores.
— Quando a Polícia Federal interceptou um
possível plano na deep web para me executar, foi um susto. Mas a gente tem que
entender, no contexto do crescimento dos grupos de ódio, o que é ser uma mulher
negra num espaço em que o nosso corpo é estranho. Isso gera incômodo. Há mais
de 500 grupos de extrema-direita, supremacistas brancos, organizados pelo ódio
e legitimados pela atual política — disse.
Michele, especialista no tema da violência
e das armas, vê o agravamento do problema.
— A gente chega a 2022 com o Brasil muito
mais armado. Ao longo desses anos foram mais de 30 medidas do governo federal
que ampliaram o acesso à grande quantidade de armas e munições. E não houve
aumento do controle do Estado sobre esse arsenal. Pelo contrário. O que dá uma
combinação explosiva são as sucessivas declarações de lideranças apontando o
armamento da população como uma solução para os problemas da democracia. Isso
vai na contramão. A democracia não é a lei do mais forte, muito menos do mais
armado — disse Michele dos Ramos.
Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden,
diante das crianças mortas, se perguntou até quando o país vai aceitar o lobby
das armas. Aqui o governo está cada vez mais unindo-se ao lobby das armas para
atemorizar adversários políticos. A história dos Estados Unidos é trágica. A
nossa, também. O Brasil, em vez de uma política de segurança, tem colecionado
massacres e chacinas. O tenente-coronel Ivan Bláz, porta-voz da Polícia
Militar, lamentou o que chamou de “uso indiscriminado de fuzis por parte dos marginais”.
Mas esse é o ponto. Ficou muito mais fácil
para grupos criminosos o acesso a armamento pesado após as liberações
promovidas por Bolsonaro. O GLOBO tem publicado várias reportagens sobre o
assunto. Domingo contou que criminosos condenados tiveram suas penas reduzidas
em casos de contrabando de acessórios antes controlados pelo Exército. Na
terça, o repórter Rafael Soares contou que a juíza paranaense Vera Lúcia Feil
desafiou o Exército e liberou a compra de silenciadores por uma loja cujo nome
de fantasia é AR15 Brasil.
— A gente tem que caminhar na contramão do
que está sendo feito. Foram quase 40 chacinas em um ano. Quando não se tem o
controle efetivo de armas e munições elas vão parar nas mãos de quem não é para
chegar. De onde veio a bala que matou Marielle Franco? — perguntou Talíria
Petrone.
Michele argumenta que a marcação das
munições é parte essencial de uma política de combate ao crime:
— Hoje só as munições vendidas para as
forças de segurança são marcadas. Um atirador esportivo pode ter 60 armas,
inclusive 30 de uso restrito, como fuzil.
Este é um ano eleitoral e o Brasil tem que
parar e refletir sobre o perigoso caminho que está tomando. Não faz sentido que
uma jovem política tenha que deixar sua família e seu reduto eleitoral para
fugir de riscos à própria vida. Não faz sentido que o presidente da República
passe o tempo todo fazendo apologia das armas. É espantoso o grau de tolerância
das instituições com as aberrações deste momento e deste governo.
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