sábado, 10 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula dificulta debate sobre meta de inflação

O Globo

Campanha contra autoridade monetária reduz confiança e impede discussão técnica serena

Os reiterados ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central (BC) têm dificultado uma discussão essencial que deverá ser travada em breve no Conselho Monetário Nacional (CMN): qual é a meta de inflação ideal para o Brasil? Ao afirmar que o BC deveria tolerar uma inflação mais alta que os 3,25% adotados como meta neste ano, infelizmente Lula contribui para reduzir a confiança do mercado e para a necessidade de metas mais rigorosas.

“Se o presidente não tivesse se envolvido na polêmica, daria para manter a meta de 3,25% até 2026 e aceitar que a desinflação se desse lentamente”, diz o economista Fabio Giambiagi, pesquisador do Ibre-FGV e colunista do GLOBO. “Todo mundo entenderia que a inflação de 2024 e 2025 seria ligeiramente maior.” Mas agora, diz ele, se a meta subir, isso será interpretado como vitória de Lula sobre o presidente do BC, Roberto Campos Neto, aumentando a desconfiança no cumprimento das metas. Ao falar demais, Lula agiu contra o próprio objetivo.

Longe da trapalhada política, o debate acadêmico tem reunido argumentos favoráveis ao aumento na meta. Seus principais defensores têm sido os economistas Ricardo Barboza, Bráulio Borges (ambos do Ibre-FGV) e Mauricio Furtado, do BNDES. Em artigo no jornal Valor Econômico, eles propõem a elevação de 3% para 4% em 2024. Argumentam que, em 23 anos de políticas de metas, o CMN jamais se baseou em estudos técnicos para fixá-las e que a inflação só baixou a 3% uma única vez, em 2017.

“Num contexto de mercado de trabalho pouco flexível, de grande rigidez para baixo de preços e salários nominais, de elevada fragilidade fiscal e diante de uma realidade em que diversas despesas fiscais não podem ser reduzidas nominalmente — dentre as quais salários e aposentadorias/pensões do funcionalismo —, uma meta de inflação algo mais elevada poderia trazer mais benefícios do que custos”, escreveram Barboza e Borges. Como a inflação média nos últimos anos foi de 6,4%, eles afirmam que a meta de 4% seria mais realista. Traria mais credibilidade ao BC, sem que ele tivesse de afrouxar o combate à alta de preços.

A meta atual de 3,25%, apenas 1 ponto percentual acima da fixada pela Zona do Euro, é muito difícil de atingir, afirma o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ. Mas o ambiente, diz ele, é de incerteza para qualquer mudança. Em vez de aumentar a meta, ele sugere que seria possível ampliar a tolerância de 1,5 para 2 pontos percentuais, de modo a tornar o esforço do BC mais compatível com a realidade. Outra ideia é deixar de adotar como critério para cumprimento da meta o ano calendário, de janeiro a dezembro. Para Cunha, o BC deveria ter entre um ano e meio a três para baixar a inflação, como outros bancos centrais. De 36 países analisados num estudo dos economistas Klaus Schmidt-Hebbel e Martín Carrasco, da Universidade Católica do Chile, 29 adotam prazos maiores que um ano para alcançar a meta.

Todas essas sugestões precisam ser debatidas com serenidade, com base em argumentos técnicos. Tristemente, é uma discussão impossível quando Lula eleva os decibéis em sua campanha contra Campos Neto, para esconder sua incapacidade de conduzir uma política econômica fiscalmente responsável. Tal verborragia recomenda que, por ora, se adie qualquer alteração na meta perseguida pelo BC.

Sinais das mudanças climáticas revelam urgência de reduzir emissões

O Globo

Alerta para El Niño, incêndios no Canadá e derretimento veloz do Ártico mostram como planeta está atrasado

O planeta não para de emitir sinais das mudanças climáticas: verões tórridos, invernos glaciais, tempestades intensas e cada vez mais eventos climáticos extremos. A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) afirmou que neste ano há 56% de chance de ocorrer uma versão forte do fenômeno El Niño de variação climática global.

Em março, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática das Nações Unidas (IPCC) reconheceu o esforço político, empresarial e social para manter a temperatura do planeta até o fim do século em no máximo 1,5 oC acima da registrada antes da Revolução Industrial, meta do Acordo de Paris. Mas já deixava claro que seria praticamente impossível. A redução das emissões de gases do efeito estufa, dependente da transição dos combustíveis fósseis para fontes limpas de energia, tem seguido ritmo muito aquém do necessário.

No momento, enquanto os termômetros sobem e a cobertura de gelo do Ártico encolhe, o fogo se alastra pelo Canadá. Nunca se viram incêndios como neste ano. O terreno fica mais inflamável entre junho e agosto, portanto a temporada de queimadas está apenas começando. Mesmo assim, o primeiro semestre já registrou o quarto maior número de incêndios da década, e a área atingida foi 14 vezes a média dos últimos dez anos. As chamas já destruíram mais de 15 vezes o projetado para esta época do ano, queimando uma área maior que Mato Grosso do Sul. A fumaça ultrapassou a fronteira com os Estados Unidos, chegando a Washington e Nova York, onde foi registrado um recorde de degradação na qualidade do ar. A prefeitura anunciou que distribuiria à população 1 milhão de máscaras de proteção facial.

A situação no Ártico também é preocupante. Um estudo de coreanos, canadenses e alemães publicado na revista científica Nature Communications estima, com base em imagens de satélites, que, entre 2030 e 2040, a região poderá ter um verão sem gelo, mesmo que as emissões de gases do efeito estufa fiquem em níveis baixos ou deixem de existir. O IPCC previa que isso aconteceria pela primeira vez apenas depois de 2050.

O derretimento do gelo realimentará o aquecimento, pois o Ártico deixará de refletir os raios solares. As temperaturas mais altas acelerarão o derretimento do permafrost — solo enrijecido há séculos pelo gelo na Sibéria —, liberando enormes quantidades de gases de efeito estufa. O mesmo poderá acontecer na Groenlândia. Estará então formado um ciclo vicioso: mais efeito estufa, mais descongelamento, mais efeito estufa, assim por diante. Não é preciso esperar a COP30, prevista para Belém em 2025, para que o poder público comece a se preparar e reagir.

Dúvidas no Desenrola

Folha de S. Paulo

Ainda é difícil estimar impacto do programa inédito de renegociação de dívidas

O recém-lançado Desenrola é uma iniciativa inédita de renegociação de pequenas dívidas de pessoas físicas patrocinada pelo governo federal. Na faixa 1 do programa, débitos de até R$ 5.000 —vencidos até 2022 e de indivíduos com renda mensal no limite de R$ 2.640— poderão ser refinanciados.

A operação se dará desde que credores se disponham a vender tais créditos, em leilão virtual e com desconto, para instituições financeiras. Aos bancos compradores caberá renegociar a dívida com os inadimplentes.

A taxa de juros mensal é até 1,99%, com prazo de pagamento de até 60 meses —no entanto ainda falta regulamentação do governo.

O interesse no negócio viria do fato de que um fundo público cobrirá eventuais perdas dos bancos, em caso de calote, com o principal da dívida renegociada.

Na faixa 2, para quem não se enquadra na faixa 1 e tem dívidas bancárias, haverá incentivo regulatório para que bancos refinanciem dívidas, mas sem garantia do Tesouro.

Note-se o caráter voluntário e de mercado do programa. Antigos e novos credores definirão em leilão o valor dos empréstimos não pagos. Nem todos vão se interessar por vender essas dívidas. Se o desconto não for bom, é possível que não haja interesse na transação.

O Fundo de Garantia de Operações (FGO) deve disponibilizar R$ 10 bilhões para as operações, mas só haverá gasto público no caso de cobertura de perdas com inadimplência da dívida renegociada.

O alcance da medida ainda é incerto. O governo estima que a faixa 1 permita a renegociação de R$ 50 bilhões em dívidas de 43 milhões de pessoas. Contudo o tamanho do programa será conhecido apenas quando ocorrerem os leilões.

A garantia do Tesouro cobre o valor descontado da dívida. Assim, os supostos R$ 10 bilhões do FGO podem cobrir a renegociação de dívidas vencidas de R$ 50 bilhões caso o desconto geral seja de 80%. Quanto maior o desconto, maior o alcance do Desenrola.

Aspectos operacionais e o valor da empreitada ainda dependem de regulamentação da Fazenda, ou mesmo de alterações que o Congresso venha a fazer na medida provisória que cria o programa. O impacto fiscal, na despesa pública, dependerá do tamanho efetivo do Desenrola e da possível inadimplência futura, que de resto pode vir a ser diluída em cinco anos.

É um paliativo com poder de impacto relevante para micronegócios e consumo dos mais pobres. Mas só com detalhes de implementação e os leilões será possível avaliar a eficácia. Melhoras mais duradouras dependerão da normalização dos juros, de mais competição bancária e, obviamente, de mais crescimento econômico.

Ideia vencida

Folha de S. Paulo

Perspectiva de bloco a unir Brasil, Rússia, Índia e China apagou-se com o tempo

Em 2001, um economista da finança global, Jim O’Neill, cunhou o acrônimo Bric com o intuito de alertar para a emergência de Brasil, Rússia, Índia e China. A ideia logo foi apropriada pelos governantes dessas nações. Sob os auspícios de Vladimir Putin, em 2006 eles fundaram uma associação, incorporando ao clube a África do Sul, e, sete anos depois, um banco conjunto.

O quarteto original àquela época já possuía poucos traços em comum, além de populações e territórios dilatados. A promessa de uma arrancada econômica centrada na China tornava-se a justificativa menos arbitrária para a aproximação dos países.

A primeira década do século 21 satisfez as expectativas otimistas. Todas as quatro economias cresceram a um ritmo relativamente forte, considerados os estágios de desenvolvimento de cada uma. O PIB brasileiro aumentou em média 3,7% ao ano, e o russo progrediu 4,8%. China e Índia, em rápida urbanização, cresceram 10,5% e 7,5% ao ano, respectivamente.

Esse quadro se alterou bruscamente a partir da segunda década do século. De 2011 a 2022, a produção brasileira mal superou o incremento populacional e cresceu em média apenas 0,9% ao ano; a russa, 1,4%. China (6,6%) e Índia (5,7%) mantiveram taxas robustas.

Concomitantemente, ocorreu uma deriva dos regimes de Moscou e Pequim rumo à concentração do poder nas mãos de seus chefes de governo. Voltou a reforçar-se a rivalidade econômica e geopolítica com as potências democráticas.

Frustrou-se a aposta econômica e complicou-se o quadro político que davam pretexto para a constituição dos Brics como associação capaz de proporcionar vantagens expressivas. Restou a conveniência idiossincrática dos governantes que passam pelo clube.

Conveniência idiossincrática é o que move o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na pressão sobre o banco dos Brics, dirigido pela correligionária Dilma Rousseff, para ajudar a salvar a Argentina de mais uma bancarrota externa às portas da eleição que porá à prova o governo Alberto Fernández, aliado ideológico do petismo.

Tão estropiada há 22 anos quanto agora nas contas domésticas e externas, a Argentina nunca deteve nem sequer a condição inicial de promessa econômica para integrar os Brics. A hipótese de oferecer um esparadrapo ao país sul-americano diz muito sobre a falta de propósito desse grupo.

O resultado dos erros da Lava Jato

O Estado de S. Paulo

Denúncia com base só na palavra de delatores expõe fragilidade de investigações. Ao rejeitar uma acusação sem provas contra Lira, seguindo o parecer da PGR, o STF apenas cumpriu a lei

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a denúncia contra o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, por suposta prática do crime de corrupção passiva por fatos relacionados à Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), denúncia esta que a própria Corte havia aceitado em 2019. Entre os que vivem a denunciar o “desmonte” da Operação Lava Jato, o recuo do STF foi tratado como mais uma vitória dos corruptos.

Ora, nem a Lava Jato é vítima de conluio de corruptos nem o Supremo é protagonista da impunidade. Foi o próprio órgão acusador – no caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) – que mudou de posicionamento e pediu a rejeição da denúncia. Ou seja, uma vez que o Ministério Público considerou não haver elementos mínimos para levar adiante a acusação, a Primeira Turma do Supremo não podia fazer outra coisa senão rejeitar a denúncia.

Mais do que criar teorias conspiratórias, é necessário entender o motivo pelo qual a PGR apresentou parecer pela rejeição da acusação. A razão é simples. Oferecida em 2018, a denúncia estava baseada apenas em depoimentos de delatores, como o do doleiro Alberto Youssef. Ao longo de toda a investigação, o Ministério Público não encontrou nada que pudesse corroborar minimamente que Arthur Lira teria sido beneficiário de uma suposta propina de R$ 106 mil do então presidente da CBTU.

Parece óbvio que o Estado não tem o direito de acusar uma pessoa de um crime, abrindo um processo judicial contra ela, tendo por base apenas a palavra de delatores. Uma ação penal precisa estar lastreada em elementos minimamente seguros. Caso contrário, o poder estatal de investigar e punir crimes converte-se facilmente em mecanismo de perseguição discricionária. Para que alguém se torne réu, deve haver um suporte probatório mínimo da materialidade e da autoria do crime em questão.

No entanto, apesar da exigência, para o exercício da ação penal, da chamada justa causa, nos últimos anos, passou a ser comum a apresentação de denúncias baseadas apenas em delações – isto é, em informações obtidas em contexto sem isenção, onde o delator é incentivado a falar em troca de benefícios. Além de criar o risco de perseguições penais arbitrárias, a prática desvirtua a própria função da colaboração premiada, que é auxiliar a investigação, e não substituí-la e, menos ainda, dispensá-la. Delação não é bengala de inquérito mal feito.

A bem da verdade, a introdução do instrumento da delação premiada no direito brasileiro deveria ter proporcionado uma melhora da qualidade dos procedimentos investigatórios. Afinal, passava a haver mais meios disponíveis para apurar os fatos. Porém, não poucas vezes, ocorreu justamente o contrário. Depois do advento das colaborações premiadas, frequentemente investigações contentaram-se com a palavra dos delatores. Em vez de mais robusto, o conteúdo das denúncias ficou mais frágil.

Perante esse quadro, que colocava em risco direitos e liberdades fundamentais e enfraquecia a própria atividade de persecução criminal do Estado, o Congresso prudentemente atuou, fixando expressamente na lei o que, a rigor, não precisava nem sequer ser dito. A Lei 13.964/2019 dispôs que nenhuma denúncia deveria ser recebida, como também nenhuma sentença condenatória deveria ser proferida, “com fundamento apenas nas declarações do colaborador”. Trata-se de requisito para um mínimo de objetividade e seriedade epistêmica no processo.

No Estado Democrático de Direito, denúncias só com a palavra de delatores não merecem ser recebidas. Fez bem, portanto, o STF em rejeitar, seguindo o parecer da PGR, uma acusação sem provas contra o presidente da Câmara.

Se há algo a suscitar indignação é a baixa qualidade de muitas investigações após o advento da delação premiada. Não é que a cúpula do Judiciário esteja desmontando a Lava Jato. É apenas que, para alegria de muitos corruptos, o trabalho da operação deixou muito a desejar.

Conservação ambiental rima com evolução social

O Estado de S. Paulo

Desenvolvimento sustentável não é utopia. Suas sementes estão à mão. Exemplos compilados pelo ‘Estadão’ mostram que preservação e prosperidade podem se retroalimentar

Preservação ambiental e desenvolvimento social são imperativos morais. Mas, mais do que satisfazê-los separadamente, uma noção madura de sustentabilidade implica a busca de uma sinergia em que um fortalece o outro. Inversamente, a miséria incentiva práticas ambientalmente predatórias. Por trás dos crimes ambientais na Amazônia, por exemplo, há poderosos grupos de interesse e organizações criminosas. Mas as legiões de garimpeiros, madeireiros ou traficantes de animais na linha de frente são, em geral, pessoas pobres lutando pela subsistência de suas famílias. A devastação que promovem, por sua vez, exaure os recursos necessários para garantir a prosperidade de suas comunidades a médio e longo prazos.

Partindo do princípio de que a integração entre biomas e comunidades humanas é não só possível, mas desejável, o Estadão publicou no Dia Internacional do Meio Ambiente (5 de junho) uma série de reportagens que apontam caminhos a serem trilhados.

A essência da chamada “bioeconomia” é a compreensão de que é possível, a um tempo, manter a floresta em pé e viabilizar processos produtivos que gerem renda às comunidades locais, tornando-as aliadas na missão de conservar os biomas. Na Amazônia, em especial, “temos florestas, áreas desmatadas que podem ser recuperadas, comunidades com conhecimentos tradicionais, produtos relevantes, empresas que querem investir e interesse internacional por produtos da nossa bioeconomia”, disse Salo Coslovsky, do Projeto Amazônia 2030. “Todas as peças necessárias já estão sobre a mesa. Só falta montar o quebra-cabeça.” Isso depende da superação de alguns gargalos, em especial a falta de infraestrutura – transporte, energia, internet –, e de um arcabouço legal que garanta segurança jurídica e padrões de governança.

Há vários exemplos de extrativismo sustentável e rentável, notadamente o açaí, que podem servir de modelo para outros, como a castanha do baru, no Cerrado. Na Amazônia, o pirarucu quase foi extinto pela exploração desmedida da pesca. Desde os anos 90, regras de manejo elaboradas por institutos ambientais com comunidades do Médio Solimões fizeram com que os manejadores na região saltassem de 42 para 1.500, ao mesmo tempo que a população de pirarucus cresceu de 2,5 mil para 155 mil.

Além de fiscalização para impedir que produtos ilegais concorram com os legais, é preciso criar condições para agregar valor à produção local. Em comunidades cacaueiras no Pará, o Instituto Amazônia 4.0 ajudou a criar biofábricas para que, ao invés de enviarem o cacau para ser processado nas metrópoles, o chocolate saísse pronto para o consumo.

Um exemplo de ativação de um círculo virtuoso onde clima, comunidade e biodiversidade se reforçam mutuamente foi o amadurecimento do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), surgido no Pontal do Paranapanema, na Mata Atlântica, inicialmente para evitar a extinção do mico-leão-preto. Como relata um dos fundadores, Lauren Cullen Jr., a chegada dos assentados da reforma agrária nos anos 80 deflagrou um pânico ambiental. “Que tontos, que ingênuos éramos! Muito da transformação que aconteceu desde então, incluindo quase todos os serviços de restauração que temos hoje, veio dos empreendedores da agricultura familiar.” Hoje, “fala-se muito em nature-based-solutions, soluções baseadas na natureza, mas eu defendo mudar esse termo para people-based-solutions, soluções baseadas nas pessoas”, disse Cullen, que hoje coordena projetos de integração na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.

No Brasil, velhas oportunidades subaproveitadas – como as concessões para a exploração sustentável de florestas – convivem com novas – como o uso da Inteligência Artificial para monitorar o desmatamento e o comércio ilegal de espécies selvagens ou otimizar o consumo de energia. Crucial para viabilizá-las é desconstruir o antagonismo que frequentemente impera no imaginário das elites urbanas entre conservação ambiental e prosperidade humana. Exemplos como os reportados pelo Estadão mostram que ambos não só podem, como devem se retroalimentar.

Petrobras na ilusão da Unasul

O Estado de S. Paulo

Com o anúncio de investimentos futuros na Bolívia e na Venezuela, empresa adere à geopolítica de Lula

A disposição revelada pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, de “revisitar” investimentos em países da América do Sul, como Bolívia, Venezuela e Guiana, demonstra o quão atrelada ficará a estratégia comercial da empresa aos anseios geopolíticos do governo Lula da Silva. Não à toa o recente encontro de líderes sul-americanos em Brasília foi o palco escolhido por Prates para anunciar a intenção do retorno à internacionalização sul-americana.

Na malfadada tentativa de ressurreição da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) – acompanhada pela vergonhosa defesa de Lula ao ditador venezuelano Nicolás Maduro –, a ação da Petrobras surgiu como única proposição concreta ao bloco, embora a ideia ainda não passe de uma vontade de Prates. Espera-se que, no mínimo, seja submetida ao crivo dos acionistas e à avaliação de viabilidade econômica. Mas é um aperitivo do que a atual direção da companhia oferece acerca do plano estratégico em andamento.

Em encontro com o presidente da Bolívia, Luis Arce, Prates manifestou a intenção de retomar investimentos em exploração de petróleo, gás e refino. A Petrobras já respondeu por 18% do PIB boliviano e 24% da arrecadação de impostos do país até ser atropelada, em 2006, pelo decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos do então presidente Evo Morales, que ordenou a ocupação das refinarias da Petrobras pelo Exército boliviano.

O desembarque forçado foi seguido de desinvestimentos contínuos na América do Sul a partir de 2015, depois do escândalo da Lava Jato, que deixou como saldo um endividamento brutal, além de uma imagem profundamente manchada pela corrupção. Para reduzir a dívida foram vendidas subsidiárias no continente, como a Petrobras Argentina, responsável também por operações no Equador e na Venezuela, e a Petrobras Chile, além de ativos no Paraguai.

Projetos de internacionalização empresarial geralmente são um bom sinal, desde que referendados por parâmetros que observem o crescimento da empresa e oportunidades de novos e promissores negócios. Além disso, devem ser guiados sob a perspectiva de retorno do investimento. Atualmente, na América do Sul a Petrobras mantém negócios de exploração e distribuição de combustíveis na Colômbia. Também conseguiu permanecer em campos na Bolívia.

A partir de 2018, como parte da política de redução de custos, a companhia desativou uma dúzia de escritórios no exterior. A presença internacional ficou reduzida, além das já citadas, ao Golfo do México, nos Estados Unidos, onde é reconhecida pela expertise em águas ultraprofundas; à base europeia em Roterdã, na Holanda; e a Cingapura, de onde controla o comércio com a Ásia.

Planos de cunho político não devem nortear decisões empresariais, como mostram as experiências do passado recente da própria Petrobras. Com a Venezuela, a parceria que tentou firmar na construção da Refinaria Abreu e Lima rendeu uma obra bilionária que teve de ser reestruturada porque a Venezuela não colocou ali um tostão. Vale lembrar que o governo venezuelano acumulou uma dívida com o Brasil que passa dos R$ 6 bilhões, montante que o ditador venezuelano ainda está pensando se deve pagar ou não.

Vacinar é um ato de amor

Correio Braziliense

"O Sistema Único de Saúde (SUS) tem 20 vacinas à disposição da sociedade, que atendem crianças recém-nascidas, adolescentes, jovens, adultos e idosos"

Vacinar-se é um ato de amor próprio e de responsabilidade com os filhos e os familiares. Mas milhões de brasileiros têm desprezado a campanha nacional de vacinação. A meta do Ministério da Saúde de imunizar 90% ou mais da população adulta e infantil contra doenças preveníveis está longe de ser alcançada. Até agora, segundo o DataSus, nenhuma região do Brasil ultrapassou metade da meta. O Distrito Federal, apesar de não ter alcançado os objetivos da campanha, imunizou 47%, o melhor desempenho no ranking da Região Centro-Oeste. Minas Gerais, com 43% de vacinados, é o estado com o maior resultado no Sudeste.

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem 20 vacinas à disposição da sociedade, que atendem crianças recém-nascidas, adolescentes, jovens, adultos e idosos. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é um dos mais bem reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nem sempre funciona a contento pela centralização em unidades de saúde, quando poderia pulverizar os postos em locais de maior circulação de pessoas. Mas não é isso que explica a baixa adesão dos brasileiros à campanha deste ano. Bem antes da trágica pandemia do novo coronavírus, tanto o Brasil quanto a maioria das nações sofreram um ataque de fake news para desmoralizar os efeitos positivos da vacina.

O negacionismo, as informações falsas e os discursos que subestimaram os danos da covid-19 levaram muitos brasileiros a rejeitar a vacinação contra o novo coronavírus, responsável pela maior crise sanitária dos últimos 100 anos. Resultado: mais de 700 mil mortos entre 2020 e o primeiro trimestre deste ano. Ficou comprovado que a maioria dos mortos havia rejeitado a vacina e sequer deu importância às medidas protetivas,sugeridas pelos médicos e especialistas.

Não há dúvida de que a vacina é o melhor escudo contra as doenças infectocontagiosas. Tanto é verdade que, à medida que a vacinação contra a covid-19 imunizou milhões de brasileiros, o vírus perdeu força. Menos pessoas doentes. Menos mortes. A campanha de imunização trouxe a vacina bivalente, para conter a expansão das cepas do coronavírus que circulam na sociedade. Até agora — em três meses de campanha — pouco mais de 11% dos brasileiros receberam a dose de reforço contra a covid-19.

Entre todas as unidades da Federação, São Paulo surge com mais de 16% de vacinados contra a influenza (gripe). Ou seja, no restante do Brasil, os brasileiros não estão dando atenção às recomendações dos médicos. Quem rejeita a imunização se expõe e pode contrair a doença e, ainda, contagiar outras pessoas que lhe são próximas. Em Minas Gerais, só 45% dos idosos com 60 anos ou mais haviam se vacinado. Entre os jovens e adultos, na faixa de 18 a 59 anos, a taxa era de 10%. No universo de idosos do Distrito Federal, 69,9% foram vacinados.Quando considerada a população total da capital da República, só 35,1% dos brasilienses foram imunizados contra a influenza.

Hoje, há resistência na sociedade até mesmo de vacinar seus filhos contra doenças evitáveis na infância e na adolescência, como catapora, poliomielite, sarampo, rubéola, tétano, coqueluche, entre outras doenças. A recusa dos adultos de imunizar as crianças pode resultar na volta, por exemplo, do vírus que causa a paralisia infantil, até então tido como erradicado. Não há como responsabilizar só o poder público pelas doenças que podem ser contidas com a vacinação. Neste caso, ficar doente, ou deixar que um familiar adoeça, passa a ser uma escolha do indivíduo, com todas as suas consequências. A melhor opção é, sem dúvida, prevenir, levando em conta orientação dos médicos. Vida boa é vida com saúde.

 

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