O Globo
Enquanto Haddad tenta convencer Congresso e
sociedade a eliminar incentivos, o governo cria mais um para a velha indústria
automobilística
Um governo de coalizão funciona bem se
atendidas duas condições.
Primeira: o governo precisa de um núcleo
duro no Congresso, formado por um, dois, três partidos, não importa, mas que
tenham uma identidade programática. Ok, identidade programática é demais. Mas
algum programa comum em torno de temas nacionais é indispensável. Por exemplo:
razoável entendimento sobre reforma tributária, controle das contas públicas,
meio ambiente, exploração de petróleo, para citar os temas mais quentes no
momento.
Esse núcleo partidário governista não precisa ter a maioria no Congresso. Mas, segunda condição, deve ser forte o suficiente para atrair outros partidos e formar maiorias, ainda que caso a caso. A maioria para votar uma reforma tributária não será a mesma para definir um programa de meio ambiente.
Partindo desses parâmetros, o governo Lula está
bem perdido. Primeiro, porque não tem esse núcleo duro, nem no grupo de partidos
que supostamente estão no governo, nem no próprio PT. Há divergências
importantes em questões essenciais.
A Petrobras, controlada pelo PT, quer
porque quer explorar o petróleo da Margem Equatorial, área do litoral que vai
do Amapá até o Rio Grande do Norte, onde se estima haver uma fortuna de 15
bilhões de barris, um novo pré-sal.
O Ibama, controlado pela ministra Marina
Silva, da Rede, aliada do PT, negou licença para a exploração inicial de um
poço no litoral do Amapá. A Petrobras pediu reconsideração e manifestou
confiança na obtenção da licença não em tempo curto, mas também não infinito.
Resposta do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho: o pedido da petrolífera vai
para o fim da fila. Está alinhado com Marina, que, a julgar pelo que tem dito,
considera simplesmente inaceitável a exploração do óleo ao largo da foz do
Amazonas.
Desconfia-se que o presidente Lula, ao
contrário, mostra olho gordo para os novos dólares do petróleo, que podem
abarrotar cofres públicos e abrir espaço a investimentos na indústria de
navios, sondas e até refinarias — algo que marcou seu primeiro governo.
Houve enormes fracassos nessa política — as
refinarias do Rio e de Pernambuco ficaram muito mais caras e nem estão
concluídas, as do Ceará e Maranhão foram simplesmente canceladas, por
inviáveis, depois de muito gasto em projeto e terraplenagem. Mas essa não é a
interpretação de Lula. Ele acha que a política foi sabotada e já cansou de
dizer que sonha em refazer a indústria petrolífera ampla. Para isso, o óleo da
Margem Equatorial é essencial.
Ao mesmo tempo, Lula tem de mostrar ao
mundo credenciais ambientalistas e está empenhado nisso. Pensando bem, tem um
jeito de conciliar isso tudo. Muitos países compromissados com políticas
ambientais continuam explorando e usando petróleo, como a Noruega. Mas usam o
dinheiro para subsidiar programas de novas energias sustentáveis e carbono
zero. Exemplo: subsidiar a troca de veículos a combustão (carros, ônibus,
caminhões) por elétricos. Ou ainda: subsidiar transporte público sustentável.
Ora, na sua desorientação, o governo Lula
lança um programa de subsídio a veículos a gasolina, etanol e diesel. Ficamos
assim: num momento em que o ministro Fernando
Haddad tenta convencer o Congresso e a sociedade a eliminar
incentivos e renúncias tributárias, o governo cria mais um incentivo para a
velha indústria automobilística.
Não é coisa pequena. Neste momento, o
Congresso se prepara para votar a reforma tributária — e um dos temas mais sensíveis
é justamente definir que setores e empresas terão regimes especiais.
Já sabemos, nesse caso, o discurso do
governo. O programa está trocando veículos velhos por novos, menos poluentes.
Mas a combustão. Nem uma palavra, nem um programa para os elétricos? (A
propósito, Elon Musk andou procurando país para uma nova fábrica da Tesla. Não
entrou nos radares de Brasília.) Também disseram que o programa apoia a
indústria nacional. Mas o subsídio vale para carros importados da Argentina e
do México.
Não estranha que, assim, a formação de
maiorias no Congresso se dê pela pior maneira: venda de cargos e de emendas.
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