Fundos da reforma tributária têm de ter prazo determinado
Valor Econômico
Fundos precisam de prazos determinados,
blindados juridicamente da melhor forma possível
O relatório da reforma tributária que vai à apreciação da Câmara dos Deputados é a segunda melhor opção, depois do projeto original, a PEC 45. Ele já é fruto de barganha política incontornável e a missão do governo e de sua base é evitar que seus contornos sejam diluídos nas negociações subsequentes em plenário. O relator Aguinaldo Ribeiro arbitrou uma alíquota intermediária de 50% para alguns serviços, como educação, saúde, transporte público urbano e interurbano, insumos e produtos agropecuários e a cesta básica, para a qual foi deixada em aberto, em projeto de lei complementar, a possibilidade de cashback, a devolução dos impostos pagos às famílias de baixa renda incluídas no Cadastro Único. As razões pelas quais uma reforma tributária abrangente não foi feita até hoje aparecem agora, com a disputa sobre a carga de impostos entre setores produtivos e, a mais acirrada, entre a União e os Estados da federação.
Os melhores estudos sobre a reforma indicam
que a solução ótima seria um imposto abrangente sobre o consumo, o IVA, com
alíquota única. Ela não conta com apoio político, e está praticamente decidido
que, se houver mudanças, elas passarão pelo IVA dual - um da União, a
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e outro, de Estados e municípios, o
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Há uma terceira categoria, o imposto
seletivo, que englobaria produtos dos quais se quer desestimular o consumo, por
motivos sanitários ou ambientais. No Brasil, dada a existência da imexível Zona
Franca de Manaus, para equalizar a isenção de impostos da ZDFM, as indústrias
de setores concorrentes no resto do país terão de pagar esse imposto.
A primeira grande disputa da reforma é a da
distribuição da carga entre indústria e serviços. Segundo um estudo da
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o aumento
da carga tributária pode ser de mais de 170% em atividades do setor de serviços
e chegar a 40% no caso do comércio. O relator tem defendido que a reforma não
prejudicará o setor de serviços. A divulgação do relatório de Ribeiro jogou o
setor varejista de alimentos contra qualquer imposto sobre a cesta básica, sob
o argumento de que os preços subirão.
As divergências entre os setores produtivos
sobre a distribuição da carga de tributos, no entanto, podem não ser o maior
empecilho a uma reforma modernizadora. O obstáculo maior são, e sempre foram,
os Estados, que reclamam perdas, mesmo depois de isentarem de impostos centenas
de grandes empresas, e que levantam, no limite, o princípio da autonomia
federativa, que supostamente lhes daria poder ilimitado de definir impostos
como bem entenderem - como se fossem países, ou ilhas, e não membros da
federação.
Estruturas onde o federalismo é levado a
sério, como os EUA, têm IVA consolidado. A resistência de Estados e municípios
decorre em parte da desigualdade regional, para a qual é preciso encontrar uma
solução sábia, e em parte de voluntárias exceções tributárias que permitiram a
guerra fiscal. Para que a reforma se torne viável, os Estados receberão
compensação por incentivos ilegais, concedidos sem a unanimidade exigida dos
demais entes federativos, que foram convalidados pelo Congresso até 2032. Como
as empresas beneficiárias têm direito a essas isenções, sua extinção pura e
simples levaria a custosas e longas batalhas judiciais. Aparentemente, há
consenso de que essa conta irá para a União como preço a pagar para que o
sistema tributário seja modernizado.
O valor total da conta entra como mais um
empecilho à reforma. O fundo de compensação contaria em princípio com R$ 160
bilhões, embora os Estados mencionem isenções da ordem de R$ 220 bilhões e não
exista um montante inequívoco e auditado - alguns Estados criaram um mistério
contábil sobre o destino desses recursos. Mas haverá ainda outro fundo, para
reduzir as disparidades regionais e compensar perdas com a mudança da tributação
para o destino, onde o bem é consumido. Esse fundo será constituído pela União,
que sugere dotação de R$ 40 bilhões, enquanto os Estados querem o dobro.
A discussão pode ser infinita, como mostra
a lei Kandir, de 1996. Ao isentar de ICMS as exportações, a compensação para os
Estados, que deveria ser temporária, acabou sendo perenizada. O STF, em 2020,
decidiu que a União tem de ressarcir os Estados em mais R$ 65,6 bilhões até
2037, mais de 40 anos depois.
Os dois novos fundos têm de ter prazo determinado, e serem blindados juridicamente da melhor forma possível. O período de transição para a implantação dos novos impostos, de 8 anos, com 2 de carência, parece inevitável. Mas a transição de 50 anos para a migração da tributação da origem para o destino é algo exótico em um país em que até a Constituição é emendada várias vezes ao ano. Esse prazo é séria ameaça à reforma por torná-la alvo de manobras jurídicas por meio século.
Brasil necessita de política nacional para
explorar lítio
O Globo
Mineral estratégico para fabricação de
baterias está na origem de disputa pela energia do futuro
A demanda por veículos elétricos,
essenciais para reduzir as emissões de carbono, tem feito explodir a procura
pelo lítio, componente básico para todo tipo de bateria. A América Latina detém
mais da metade do lítio já identificado, concentrado num triângulo formado por
salinas na Argentina, na Bolívia e no Chile. Os três países controlam pouco
mais de 60% dos 98 milhões de toneladas encontradas até agora no planeta.
Na produção de carbonato de lítio, o
mineral processado, o domínio é outro: a China responde por 61%, seguida de
Chile (30%) e Argentina (9%), segundo o Center for Strategic and International
Studies (CSIS). Com o controle que mantêm sobre os demais minerais necessários
para fabricar as baterias, os chineses produzirão em 2030 o dobro dos outros países
somados, segundo previsão publicada no jornal The New York Times.
Os Estados Unidos têm manifestado
preocupação a cada dia maior com as cadeias de suprimento de lítio e minerais
especiais, conhecidos como “terras raras”, também usados na indústria de
defesa. Não passou despercebida, no auge da guerra comercial com a China, uma
visita oficial do líder chinês, Xi Jinping, à província de Jiangxi, conhecida
pelas reservas desses minerais.
O que não encontra em seu território, a
China busca no exterior. Cerca de 60% do cobalto, outro mineral estratégico
para fabricar baterias, tem origem em fundições sob influência de chineses na
República Democrática do Congo, onde anos atrás capturaram dos americanos o
controle da maior mina de cobalto do mundo. Tudo somado, a China domina 72% da
capacidade mundial de refino de cobalto. E cerca de 75% desse cobalto é
destinado à fabricação de baterias de lítio.
É clara a estratégia chinesa de controlar
mercados de minérios e materiais especiais que tendem a ser cada vez mais
usados na transição do mundo para fontes limpas de energia. Os Estados Unidos
se movimentam para reduzir o domínio chinês pelo menos desde 2010, quando o
presidente Barack Obama criou um grupo de trabalho para mitigar os riscos da
dependência do fornecimento de “minerais críticos”. Em dezembro daquele ano, a
China embargou as exportações de terras raras ao Japão em razão de disputas
territoriais entre os dois países. Donald Trump chegou a declará formalmente
essa dependência um assunto de “emergência nacional”.
No mês passado, o governo de Minas Gerais
fez uma ação de marketing ao lançar na Nasdaq, Bolsa americana de empresas de
tecnologia, o “Vale do Lítio”, uma região de 14 municípios onde há reservas do
mineral. Na realidade, o Brasil mal sabe a extensão ou a localização de suas
reservas, mas, dado o exemplo dos vizinhos, é provável que sejam mais
abundantes que o conhecido. É necessário formular com urgência uma política de
exploração do lítio, com apoio de empresas privadas nacionais e internacionais.
O país não pode perder o salto tecnológico.
Combater atentados em escolas exige
serenidade e consistência
O Globo
Não adianta apenas demonstrar indignação ou
encarar tragédias como questão de segurança pública
Na última segunda-feira, no Colégio
Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, norte do Paraná, repetiu-se um
roteiro macabro: um ex-aluno entrou armado e atirou no casal de namorados
Karoline Verri Alves, 17, morta na hora, e Luan Augusto da Silva, 16, que
resistiu até a terça-feira. É o vigésimo quarto caso de massacre escolar nos
últimos 21 anos registrado nos levantamentos oficiais. De 2002 a 2019 houve
sete atentados do tipo. De lá para cá foram 17. Mais da metade ocorreu desde
fevereiro do ano passado. Ao todo, 47 das quase 140 vítimas perderam a vida de
repente, de modo absolutamente estúpido e sem sentido.
É assustador que, desde abril, quando
quatro crianças foram mortas numa creche em Santa Catarina, a Operação Escola
Segura — parceria do Ministério da Justiça com a Polícia Federal e 27 delegacias
especializadas em crimes cibernéticos — tenha detido 368 jovens que ameaçavam
ou planejavam atacar escolas. Quase 1.600 suspeitos de integrar grupos
extremistas com ação no meio estudantil via redes sociais foram levados a depor
na delegacia. Há pontos em comum nas tragédias: as armas costumam ser de
parentes, geralmente o pai, e os autores dos crimes, em 88% dos ataques, agem
sozinhos. A idade média é 16 anos, segundo levantamento do Instituto Sou da
Paz.
Os números mostram que passa da hora de
haver articulação entre estados, municípios e governo federal para definir uma
política pública ampla capaz de coibir esses atos de selvageria. A escola
precisa ganhar mais espaço nas políticas de precaução contra a violência. “A escola
pode ser o espaço privilegiado de prevenção de conflitos”, disse a professora
da Faculdade de Educação da Unicamp Telma Vinha ao podcast O Assunto, do portal
g1.
Não dá para encarar esse tipo de violência
meramente como questão de segurança pública que estaria resolvida se houvesse
mais policiais nas escolas, detectores de metal nas entradas e outras medidas
de vigilância. De acordo com Vinha, é possível promover assembleias de alunos
para conduzi-los a trabalhar pela agregação do grupo. O currículo escolar deve,
segundo ela, tratar das redes sociais e mostrar o seu extremismo. Os
professores também precisam ser preparados para abordar a questão da violência
— tarefa a ser entregue ao MEC, no papel de coordenador dessa reciclagem.
Com quase seis meses de governo, o Palácio do Planalto não pode esmorecer. De nada adianta ministros e demais autoridades aparecerem indignados nas entrevistas coletivas logo depois da tragédia se não houver serenidade e consistência no enfrentamento mais amplo, profundo e articulado da violência em escolas. Ou a barbárie perdurará.
Tamanho família
Folha de S. Paulo
Com verba recorde em transferência de
renda, país tem chance de eliminar miséria
Em sua nova versão recém-regulamentada, o
Bolsa Família começou a pagar neste junho um benefício
médio de R$ 705,40 mensais, o maior da história bem-sucedida,
ainda que acidentada, do programa federal de transferência direta de renda —que
agora se consolida em um patamar inaudito.
O Bolsa Família foi concebido como uma
iniciativa relativamente barata, mas de elevada eficiência no combate à
miséria. Os desembolsos médios, há quase duas décadas, rondavam R$ 220, em
valores corrigidos, e até 2019 os gastos totais ficavam abaixo de 0,5% do
Produto Interno Bruto.
Agora, o programa dispõe de R$ 175 bilhões
no Orçamento deste ano, o equivalente a 1,6% do PIB. Mesmo que a verba não
venha a ser integralmente utilizada, trata-se de montante que muda de patamar a
política social brasileira —e traz novas exigências de gestão para que a
oportunidade não seja desperdiçada.
A expansão vertiginosa das transferências
de renda, cumpre lembrar, não foi resultado de planejamento. Ela teve origem na
pandemia de Covid-19, quando a parada súbita da economia levou o Congresso a
aprovar às pressas o auxílio emergencial de R$ 600 mensais, cuja concessão não
se limitou aos extremamente pobres.
Também sem maiores estudos, embora tenha
havido tempo para tal, Jair Bolsonaro (PL) reeditou em 2022 o benefício, sob o
nome de Auxílio Brasil, em manobra tresloucada para alavancar sua campanha à
reeleição, por fim frustrada.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz o certo,
social e politicamente, em manter o Bolsa Família nas novas dimensões, embora
tenha errado ao expandir em demasia despesas em outras áreas. Algumas das
distorções herdadas do ano passado, ademais, têm sido corrigidas.
Os valores pagos voltaram a considerar o
número de filhos por família —sem isso, havia incentivo para que cada adulto se
apresentasse como uma família. A estimativa de dispêndio neste ano caiu de R$
175 bilhões para R$ 168 bilhões.
É fundamental
que seja continuamente aprimorado o cadastro dos beneficiários, de
modo a garantir que o programa chegue a quem de fato mais precisa. Os recursos
são suficientes para socorrer os extremamente pobres, mas nem sempre é simples
encontrá-los; do mesmo modo, é preciso detectar os que não precisam do
dinheiro.
A pobreza e a miséria caíram no ano
passado, graças à combinação de ampliação da assistência social e queda do desemprego.
A continuidade dessa melhora dependerá de avanços no desenho do Bolsa Família,
de reformas na tributação e no gasto público e boa política econômica capaz de
permitir crescimento duradouro.
Militares x garimpo
Folha de S. Paulo
Decreto que amplia papel do Exército no
combate à atividade exige cautela
Após quatro anos de ameaça a povos
indígenas sob Jair Bolsonaro (PL), os números mostram que a atividade de
garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami quase triplicou em 2022 na comparação
com 2020, quando começou o monitoramento feito pela Polícia Federal.
Em 2020, a área de garimpo ocupava 14 km²;
dois anos depois, chegou a 41,83 km², um salto de 199%.
Reverter a crise humanitária e fundiária
que se instaurou nas terras indígenas yanomami não será fácil. Os principais
desafios do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) são reverter o crescimento
da atividade extrativa ilegal e evitar que as tensões na região sejam
acirradas.
A primeira tarefa, ao menos até o momento,
tem sido levada a cabo. Desde o início deste 2023, o último alerta para novos
garimpos das imagens de satélite foi registrado em 6 de maio —revelando um
possível resultado da operação contra o garimpo ilegal iniciada em fevereiro
deste ano.
Em janeiro, foi declarado estado
de emergência em saúde pública no território, com explosão de casos
de malária e desnutrição.
Em fevereiro, uma operação
interinstitucional foi implementada aliando PF, Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação dos Povos
Indígenas (Funai), Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e militares.
Na última quinta (22), foi anunciado
um decreto
federal que prevê alargamento da atuação do Exército, antes focado
em ações de inteligência e logística. A norma agora libera militares para o
combate direto às ações de garimpeiros.
A medida, contudo, exige cautela. Deve-se
evitar o agravamento da situação de insegurança no local. As polícias, em
particular as federais, e a Força Nacional possuem melhor treinamento para
combater organizações criminosas que comandam o garimpo ilegal.
Envolver diretamente o Exército, para além
do necessário apoio logístico, pode ser arriscado.
Para enfrentar a gravidade da situação, é
preciso considerar a forma como o garimpo se adaptou para escapar da
fiscalização —ao focar no trabalho noturno e montar acampamentos dentro da
mata.
Esse novo cenário requer inteligência estratégica e mais equipes das polícias e da Força Nacional atuando de modo contínuo, juntamente aos órgãos especializados. Ao Exército cabe permitir que esse trabalho ocorra, por meio de apoio logístico, não liderá-lo.
Alfabetização de todas as crianças
O Estado de S. Paulo
Analfabetismo infantil é intolerável para
um país que se quer civilizado, razão pela qual se espera que o compromisso
pela alfabetização anunciado pelo governo seja mesmo para valer
Com a edição do Decreto 11.556/2023, o
governo federal assumiu o compromisso pela alfabetização das crianças na idade
certa. O chamado Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada tem a
finalidade de “garantir o direito à alfabetização das crianças brasileiras”.
Por força do princípio federativo, a adesão dos Estados e municípios ao
compromisso é voluntária.
O esforço conjunto e articulado dos três
níveis da Federação é medida absolutamente necessária. A alfabetização das
crianças na idade certa deve ser prioridade de todo país que se pretenda
minimamente sério. Como reconhece o Decreto 11.556/2023, trata-se de “elemento
estruturante para a construção de trajetórias escolares bem-sucedidas”. Não há
como prover educação de qualidade se, no início do ensino fundamental, as
crianças se veem privadas da adequada alfabetização.
Ao mesmo tempo, sendo tão necessário, o
Decreto 11.556/2023 expõe – não há como ignorar – esse drama nacional que
persiste ao longo do tempo. Muitas crianças brasileiras ainda não são
adequadamente alfabetizadas. O direito constitucional à educação continua sem
ser devidamente respeitado. Tanto é assim que o governo federal vê a
necessidade de lançar um compromisso público pela alfabetização. Aquilo que
deveria ser habitual, que deveria estar de saída assegurado, exige ainda ações,
por assim dizer, excepcionais.
É urgente enfrentar esse déficit
educacional e civilizatório. É escandaloso que brasileiros nascidos no século
21 continuem sem acesso à educação, com suas vidas, seu futuro e seus sonhos
asfixiados pelo analfabetismo.
Se os desafios são grandes, é de justiça
reconhecer que o Decreto 11.556/2023 aponta para o caminho certo. Seus
princípios – como a colaboração entre os entes federativos, o pluralismo de
ideias e de concepções pedagógicas, o respeito à autonomia pedagógica do
professor e das instituições de ensino e a valorização dos profissionais da educação
infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental – são corretos e permitem
superar muitos dos obstáculos que foram criados nos últimos anos, com divisões
e preconceitos ideológicos prevalecendo em muitas das ações do poder público.
Segundo a distribuição das competências de
cada ente federativo feita pela Constituição de 1988, cabe aos municípios o
protagonismo na educação infantil e na primeira etapa do ensino fundamental. A
grande colaboração que o governo federal pode dar aos processos de alfabetização
é, portanto, respeitando a autonomia dos entes federativos, ser indutor,
articulador e coordenador de boas políticas públicas de educação básica. Não é
questão de substituir as prefeituras. A União tem o dever constitucional de
prestar assistência técnica e financeira aos Estados e municípios na educação.
O Compromisso Nacional pela Criança
Alfabetizada baseia-se em políticas públicas que têm funcionado em vários
Estados; em especial, no Ceará. Por exemplo, prevê avaliações periódicas de
leitura, de língua portuguesa e de matemática, bem como ações de reconhecimento
e de compartilhamento de boas práticas. São medidas importantes, muitas vezes
combatidas por setores da esquerda. O Decreto 11.556/2023 acerta, também, ao
incluir entre seus objetivos “promover medidas para a recomposição das
aprendizagens”. É preciso alfabetizar na idade certa, mas também não cabe
desistir de quem, por variadas razões – a pandemia entre elas –, foi privado
dessa aprendizagem.
Não se educa por decreto nem há passe de mágica. É preciso assegurar agora que o Decreto 11.556/2023 tenha efeitos práticos, chegando de fato até as partes mais importantes do processo de alfabetização – os professores e as crianças. Nesse sentido, é fundamental que a sociedade acompanhe e exija sua implementação, também nas esferas estadual e municipal. O desenvolvimento humano e social não cai do céu. Esse caminho é uma construção de todos e, como faz o decreto do governo federal, passa por um diagnóstico realista do problema e por um desenho, igualmente realista, de ações para enfrentá-lo.
Os rumos do Plano Diretor de SP
O Estado de S. Paulo
Pode-se divergir da revisão em trâmite, mas
ela segue o princípio original do Plano: promover adensamento equilibrado
concentrando construções próximas aos eixos de transporte
Desde 2020, a revisão do Plano Diretor de
São Paulo divide urbanistas. Após a primeira votação na Câmara, há três
semanas, a celeuma se espraiou pelo debate público paulistano. Isso é positivo.
Cidadãos se responsabilizando por sua cidade são, por definição, a base de uma
cidadania construtiva. Mas as emoções extremadas sugerem uma contaminação
desastrosa das políticas urbanas pela política partidária.
Planos Diretores são obrigações
constitucionais dos municípios reguladas pelo Estatuto da Cidade, que normatizam
o uso da propriedade urbana. O Plano vigente em São Paulo foi aprovado em 2014
para valer até 2029, com a meta de “reduzir as desigualdades socioterritoriais
para garantir, em todos os distritos da cidade, o acesso a equipamentos
sociais, a infraestrutura e a serviços urbanos”.
Como outras metrópoles nas Américas, o
crescimento de São Paulo foi rápido, desordenado e orientado ao transporte
individual. O resultado são as chamadas cidades 3D: distantes, desordenadas e
desconectadas. Ao contrário da expansão típica dos EUA em subúrbios de classe
média e baixa densidade, no Brasil prevaleceu a aglomeração de pessoas pobres
nas periferias, de onde realizam longos deslocamentos em transportes públicos
parcos e precários atrás de emprego, serviços e lazer no centro.
Para dar uma ideia desse espraiamento, o
distrito mais denso de São Paulo, a República, tem a densidade média de Paris,
que é mais que o dobro da média de São Paulo. Afora o centro, as zonas mais
densas – como Sapopemba, Cidade Ademar ou Aricanduva – são periféricas,
horizontalizadas e pobres.
O Plano reverte a dinâmica do espraiamento
desordenado às periferias, mas não pela lógica da concentração indiscriminada
no centro, e sim por um “adensamento inteligente”. A ideia é estimular
construções próximas aos corredores e núcleos de transporte, ou seja, conectar
a edificação imobiliária privada com a estrutura mobiliária pública, como as
partes de um corpo conectadas por ossos, artérias e neurônios. São zonas
vocacionadas a ser 3C, compactas, conectadas e coordenadas.
O Plano previu mais potencial construtivo e
incentivos à construção para que espaços num raio de 600 metros das estações de
metrô e numa margem de 300 metros dos corredores de ônibus sejam mais densos,
verticalizados e de uso misto. A revisão propõe ampliar essas áreas,
respectivamente, para 800 e 450 metros.
É legítima a preocupação de moradores com a
descaracterização ou o congestionamento de seus bairros por excesso de
construções. Mas, primeiro, essas zonas, qualitativamente cruciais, quantitativamente
cobrem só 6% da área urbana. De resto, a verticalização em eixos de transporte
público pode não só dinamizar a mobilidade, como preservar os “miolos de
bairro” menos verticalizados, com mais comércio familiar, residências e espaços
verdes. Há controles regionais de potenciais construtivos e, quanto à memória
da cidade, há ferramentas, como os inventários, para preservar espaços e
edifícios de valor histórico.
Assim, a revisão segue a proposta de
“adensamento inteligente”. Longe de fazer terra arrasada do Plano, ela o
amplia. Pode-se divergir se essa ampliação é mais ou menos inteligente, mas é
estranho os críticos denunciarem o “caos” e a “destruição” a serviço da
“voracidade” das incorporadoras. Se há essa voracidade, ela reflete o desejo dos
cidadãos de morarem, trabalharem e se divertirem próximos uns aos outros,
anseio que é a essência da cidade. A de São Paulo continua crescendo em
população e renda. Construtores procuram atender a essa demanda onde for
permitido, e, quanto maior a oferta, menor será o custo para viver na cidade.
É legítimo questionar a ideia do Plano de
concentrar as ofertas nos eixos de transporte e, também, a ideia da revisão de
ampliar essa concentração. Mas parece exagero, politicamente motivado, prever o
“caos” se elas forem aprovadas. Pode-se discutir se 100 metros a mais ou a
menos farão alguma diferença, mas o Plano, no seu conjunto, busca aproximar as
pessoas da infraestrutura, dos serviços urbanos e dos equipamentos sociais, de
modo a cumprir sua promessa de “reduzir as desigualdades socioterritoriais”.
Militantes em Itaipu
O Estado de S. Paulo
Lula confunde esferas pública e privada ao
nomear tesoureira do PT para conselho da estatal
O presidente Lula da Silva novamente nomeou
um integrante de seu partido, o PT, para o Conselho de Administração da Itaipu
Binacional. Gleide Andrade de Oliveira, secretária nacional de
Finanças e Planejamento do PT, teve sua
indicação efetivada em decreto publicado no Diário Oficial da União no dia 19.
A decisão nada tem de republicana. Sem a menor cerimônia, Lula ignorou
critérios técnicos para o preenchimento de um cargo dessa envergadura,
norteando sua escolha pelo imperativo de premiar a lealdade partidária e de
atender a conveniências políticas.
São conhecidos, de longa data, os riscos
dessas escolhas. O histórico da indicação de João Vaccari Neto, outro
ex-tesoureiro do PT, para o Conselho de Itaipu encerrou-se em 2015, quando ele
foi citado na Operação Lava Jato. Vaccari fora nomeado em 2003, na versão Lula
1. Condenado e preso por corrupção, acabou beneficiado por indulto concedido em
2019 pelo então presidente Michel Temer.
Não há elementos que desabonem a carreira
de Gleide Andrade na estrutura administrativa do PT. A militante, graduada em
Filosofia, assumiu cargos na prefeitura de Belo Horizonte durante as gestões do
partido. Porém, tampouco há evidência de seu conhecimento sobre os tópicos
corriqueiros e excepcionais tratados pelos conselheiros da Itaipu Binacional.
Ao contrário do que acontece com cinco dos sete integrantes da parte brasileira
do Conselho, falta-lhe familiaridade com as questões da maior hidrelétrica do País.
Lula já havia transformado o Conselho da
Itaipu Binacional em cabide para seus arranjos políticos em abril, ao nomear o
ex-deputado estadual paranaense Michele Caputo, do PSDB. A escolha, nesse caso,
deveu-se ao empenho paroquial da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, em
aproximar seu partido dos tucanos de seu Estado.
A ausência de elementos que antecipem a
contribuição de um novo conselheiro pode ser aceita por segmentos da iniciativa
privada. Em empresas de natureza pública, como é a parcela brasileira da Itaipu
Binacional, não se justifica nem fortalece sua máxima estrutura decisória.
Antes, fragiliza-a.
É fato que governos anteriores – não
petistas – se valeram de indicações políticas escudados na brecha que tornou
Itaipu imune à aplicação da Lei das Estatais, de 2016. Para a maioria das
demais empresas públicas, o artigo 17 daquela lei impõe como requisitos para a
nomeação a “reputação ilibada” e o “notório conhecimento”. Exige também a
confirmação de “formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi
indicado”.
A bem do interesse nacional, a adoção
dessas mesmas condições para Itaipu e as demais empresas públicas que escapam
ao alcance lei atestaria o espírito republicano do governo – além de seu real
propósito de fortalecê-las, em vez de aparelhá-las. Daria um ansiado sinal de
rompimento com o patrimonialismo que, pelo visto, continuará a turvar os
limites de onde começam e onde terminam as esferas do público e do privado na
gestão do Estado.
Correio Braziliense
As redes sociais foram criadas para
conectar pessoas e grupos que não podem, por algum motivo, estar juntas ou não
ter, até então, contato direto. Infelizmente, sabemos que o uso depende das
intenções de cada um dos indivíduos ou setores sociais representados. Facebook,
Twitter e outras redes foram invadidas nos últimos anos por agentes do ódio,
que fazem questão de espalhar mensagens de desagregação. Outra rede muito
utilizada em todo o planeta, o LinkedIn, também começa a enfrentar esse tipo de
situação.
Originalmente criado como um espaço para
conectar profissionais e compartilhar conquistas e conhecimentos do mundo do
trabalho, o LinkedIn tem sido desvirtuado. Por lá, tragédias, problemas e
dificuldades pessoais acabam se tornando material para textos motivacionais e
corporativos vazios de empatia e respeito, embalados em um discurso
pretensamente positivo. O exemplo mais recente ocorreu na semana passada,
quando as buscas pelo submarino Titan — que havia desaparecido com cinco
pessoas a bordo, que tentavam chegar aos destroços do Titanic — dominaram o
noticiário.
Não tardou para que alguns usuários da rede
vissem nisso uma oportunidade de capitalizar em cima da tragédia alheia. A
publicação de postagens se intensificou ainda mais a partir de quinta-feira,
quando partes do veículo foram localizadas no fundo do mar, confirmando a morte
dos seus passageiros, no que se acredita ter sido uma implosão causada pela
pressão da água.
O teor dos textos criados varia entre
supostas lições que empresas e gestores podem aprender a partir do desastre do
Titan e usuários que citam o acidente do submarino para falar de si mesmos,
vendendo e divulgando uma imagem de profissionais bem-sucedidos tendo a tragédia
como pano de fundo.
Quem utiliza as redes para explorar eventos
trágicos para promover uma suposta mensagem motivacional revela uma falta de
empatia e sensibilidade impressionante. Parece óbvio — e é — dizer que é
profundamente desrespeitoso se aproveitar da morte de indivíduos para fins de
autopromoção e ganho pessoal, ignorando a dor e o sofrimento que suas famílias
estão enfrentando.
Além disso, a manipulação de tragédias para
promover uma imagem corporativa positiva é uma prática, no mínimo, questionável
e, obviamente, antiética. Ao vincular a morte de pessoas ao sucesso
profissional, posts motivacionais deturpam a realidade e criam uma cultura
tóxica, em que a busca incessante por conquistas é colocada acima do bem-estar
humano.
É importante resgatar a essência do LinkedIn como uma plataforma profissional que promove a conexão e o compartilhamento de conhecimentos relevantes. Assim, é possível vislumbrar duas soluções para esse problema, infelizmente, nenhuma de fácil aplicação. A primeira, que seria a mais óbvia, é claramente a mais difícil: apelar para o bom senso dos usuários, para que evitem a exploração de tragédias como material para as publicações motivacionais e adotem uma postura ética, promovendo valores de respeito, compaixão e empatia. A outra saída é esperar que todo o universo corporativo presente no LinkedIn — empresas, marcas e recrutadores — se posicionem contra esse tipo de texto nocivo e pernicioso.
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