segunda-feira, 26 de junho de 2023

Fernando Gabeira - O velho tema das drogas de novo nas mãos do STF

O Globo

Abordagem de jovens negros sob suspeita de ter maconha é disfarce do racismo, que perderia força com decisão positiva do Supremo

As drogas estão na pauta do Supremo. Embora sejam muitas, a mais popular é a maconha. O que os ministros decidirão agora, nós tentamos resolver no Congresso, durante o governo FH. Chegamos muito perto de impedir que o portador de droga para consumo pessoal fosse preso.

As resistências se concentravam em alguns delegados na Câmara. Diziam: tudo bem, não são presos, mas precisam ir à delegacia. Era exatamente isso que queríamos evitar. Infelizmente, em alguns lugares do Brasil, a prisão por porte de drogas tornou-se fonte de renda extra para policiais. Outra objeção era que o tráfico de drogas usaria a medida para ser feito em pequena escala, com milhares de pessoas circulando com doses mínimas. Isso é apenas uma projeção, uma vez que a viabilidade econômica é reduzida.

O que conseguimos naqueles anos foi resultado de longos debates. Ao lado do deputado Elias Murad, um convicto proibicionista, fiz centenas de conversas. Tornamo-nos amigos e conhecíamos os argumentos um do outro de cor e salteado. Nas mesas de debate, sempre havia um delegado, um pastor e um pai, mostrando que o tema teria de passar pelo crivo da polícia, da igreja e da família.

Depois disso, não toquei tanto no assunto, embora tenha mantido por alguns anos o site Legalize. Minha posição sobre a maconha sempre foi muito clara: é uma droga letal se um pacote de 10 quilos cair na sua cabeça, lançada do alto de um edifício. Países como Estados Unidos, Canadá, Israel, México, Portugal já legalizaram. Aqui perto o Uruguai seguiu o caminho, e tive a oportunidade de documentar a experiência para a GloboNews, ouvindo algumas autoridades de lá.

A decisão do Supremo ainda é uma etapa muito anterior: apenas evitar a prisão do portador. De qualquer forma, qualquer abrandamento na lei terá inúmeras consequências positivas. A primeira é evitar que as pessoas comuns sejam presas e convivam com criminosos na cadeia.

Indiretamente, aumentariam as possibilidades de plantar o cânhamo, uma Cannabis sem THC, a substância que altera a consciência. O cânhamo tem mais de mil utilidades: de corda a roupa, revestimentos. Lembro-me de ter ido ao Congresso com um tênis de cânhamo, e os deputados o olhavam como se vissem algo mágico. Nos Estados Unidos é um produto considerado estratégico, desses que é preciso ter em tempos de guerra. O fim do preconceito abriria um campo econômico versátil num país que precisa crescer e, às vezes, esbarra na sua própria mentalidade.

Há uma consequência social importante: jovens negros são constantemente abordados sob suspeita de ter maconha. É apenas um disfarce do racismo que, com uma decisão positiva do STF, perderia força.

Ela pode, indiretamente, facilitar o uso medicinal da Cannabis. Quando começamos a debater o tema, no fim do século passado, ela servia para combater o glaucoma. Hoje as pesquisas já indicam efeito positivo para um leque bem mais amplo de doenças.

Se o Supremo agora der um passo à frente, ainda restará intacto o mercado clandestino, onde se geram os principais problemas, dos crimes por controle de áreas de venda à própria manipulação da maconha. Num mundo em que as principais pandemias se originam em vírus respiratórios, é importante que as pessoas protejam seus pulmões. Sob produção controlada, como em alguns estados americanos, pelo menos o risco de impurezas seria neutralizado.

Enfim, é um tema que abrandaria a tensão social, aliviaria as prisões e impulsionaria a economia legal. Tudo depende da cabeça. No entanto, se há uma virtude necessária para trabalhar com mudanças culturais no Brasil, sem dúvida é a paciência.

 

 

 

 

 

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu sou pela legalização,mas é uma droga pavorosa,como a cerveja,outra tragédia mundial.