Valor Econômico
Com uma redução fundamentada da Selic, os
preços dos ativos brasileiros poderão seguir uma trajetória mais consistente de
melhora
As tensões entre o governo Lula e o Banco
Central (BC) voltaram a aumentar na semana passada, com a decisão do Comitê de
Política Monetária (Copom) de manter a Selic em 13,75% ao ano e não indicar
claramente que a taxa poderá ser reduzida no encontro de agosto. Nesse cenário,
o presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi duramente criticado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora a autoridade monetária não tenha
fechado a porta para o início de um ciclo de queda dos juros na próxima reunião
do Copom.
A ansiedade de integrantes do governo não vai ajudar a derrubar a Selic, podendo inclusive atrapalhar, a depender do nível de ruído produzido, e especialmente se levar a alguma mudança mais drástica nas metas de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) nesta semana. Na quinta-feira, o CMN vai definir a meta de 2026 e ratificar ou não os alvos para 2024 e 2025, atualmente em 3%, com banda de tolerância de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos. A expectativa dominante é que a meta será mantida em 3%, com o abandono da obrigação de cumprimento no ano-calendário e a adoção de um alvo contínuo nesse nível. Além de Campos Neto, compõem o CMN o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Para o economista-chefe do Bradesco,
Fernando Honorato, a reunião do CMN é “disparado o evento mais importante de
política monetária” deste ano. Se a meta for mantida em 3%, a distância entre
as expectativas de inflação coletadas no Boletim Focus e o alvo deverá
diminuir, dando mais conforto para o BC cortar os juros, avalia ele. A troca do
horizonte do ano-calendário para a meta contínua não causaria problemas. “Com
24 anos de regime de metas de inflação, acho que o Brasil já tem maturidade
para trabalhar com uma meta contínua e absorver choques.”
Uma má ideia seria promover uma mudança na
meta percebida como uma desculpa para cortar juros, segundo ele. O Brasil ter
uma meta de 3,5% com uma banda de 1,5 ponto não seria nada de outro mundo, diz
Honorato, avaliando, porém, que o momento não é apropriado para a discussão,
podendo soar como oportunismo.
Além da decisão do CMN, a semana terá
vários outros sinais relevantes para a política monetária. Amanhã sai a ata da
reunião do Copom da semana passada, que fornecerá mais detalhes sobre os motivos
que embasaram a decisão do colegiado. Também será conhecido na terça-feira o
IPCA-15 de junho. Com a possibilidade de registrar deflação, o indicador poderá
amplificar as reclamações do governo em relação à atitude do BC. Na
quinta-feira, o BC divulgará o Relatório Trimestral de Inflação.
Honorato diz que, pelo tom do comunicado, a
chance de um corte da Selic em agosto é baixa. Ainda assim, ele considera que a
porta “não está trancada”. Daqui até a próxima reunião, a evolução do cenário
pode abrir espaço para o começo do ciclo de queda da Selic, se houver a
continuidade da perda de fôlego da inflação e das expectativas, avalia ele. Se
o primeiro corte for em agosto, a tendência é de uma queda de 0,25 ponto
percentual; se for em setembro, de 0,5 ponto, diz Honorato, que vê a Selic em
12,25% ou um pouco menos no fim do ano.
No comunicado, o BC justificou a manutenção
da taxa pela necessidade de seguir com “cautela e parcimônia”, devido a um
cenário caracterizado por um processo desinflacionário mais lento e por
expectativas de inflação desancoradas. Os próximos indicadores, como o IPCA-15
e o IPCA de junho, além de novos números dos Índices Gerais de Preços (IGPs),
poderão confirmar o quadro mais benigno para a inflação. Já a ratificação de
uma meta de 3% na reunião do CMN tende a ajudar a controlar as estimativas para
os índices de preços, num momento em que o dólar se consolida abaixo de R$ 5.
Se esse ambiente mais positivo se
concretizar, o BC vai se sentir confortável para começar a reduzir os juros. A
instituição poderá baixar a Selic por mais tempo e levar a taxa para níveis
menores se as expectativas estiverem sob controle. Honorato acredita que o IPCA
deste ano poderá terminar o ano em 5% ou até menos, um número bastante inferior
ao que já foi projetado pelos analistas, considerando o consenso de mercado do
Boletim Focus. “Era uma inflação que ia para 6% e vai para 5% ou um pouco menos
de 5%”, afirma ele. Com isso, existe a possibilidade de o IPCA terminar o ano
abaixo do teto da banda de tolerância deste ano, de 4,75%.
Uma inflação menor neste ano contribuirá
para um número menor no ano que vem, dado que a inércia será mais fraca - a
inércia é o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a futura. Isso
colaboraria para reduzir as expectativas para o IPCA de 2024. Com cautela e
parcimônia agora, o processo de redução dos juros poderá eventualmente ser mais
longo e mais intenso, se partir de um quadro com menores pressões sobre os
preços e projeções mais baixas para a inflação. A Selic, assim, poderia cair
mais e por mais tempo, diminuindo de modo mais significativo o custo de
empréstimos, estimulando mais a economia e reduzindo mais os gastos financeiros
do governo.
Esse quadro positivo depende também da
redução de incertezas sobre as contas públicas. Aprovado pelo Senado, o projeto
do novo arcabouço fiscal será novamente apreciado pela Câmara no começo de
julho, após algumas mudanças promovidas pelos senadores. A nova regra
contribuiu para diminuir os riscos mais extremos, mas não é suficiente para eliminar
as dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública, uma vez que o marco
fiscal exigirá aumentos expressivos e constantes de receitas para bancar o
crescimento contínuo de despesas. De qualquer modo, o arcabouço tem reduzido a
percepção de risco do Brasil, auxiliando o câmbio a seguir mais valorizado, os
juros futuros a ficarem em níveis mais baixos e a sustentar os preços das
ações, o que é positivo para a inflação e para atividade.
Reunindo indicadores de juros, câmbio,
risco, commodities e ações, o Índice de Condições Financeiras do Bradesco está
em nível ainda restritivo, mas tem se aproximado cada vez mais do nível neutro,
aquele que não estimula nem contrai a economia, o que não ocorre desde julho de
2022. Com uma queda fundamentada da Selic, os preços dos ativos poderão seguir
uma trajetória mais consistente de melhora, levando as condições financeiras ao
campo expansionista.
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