Valor Econômico
Brasil pode e deve se posicionar como um
exemplo na abordagem de grandes questões globais, como extrema desigualdade e
emergência climática
É inegável: o comprometimento com a luta
contra a emergência climática e ambiental é um suspiro de alívio comparado aos
predadores ambientais que o antecederam. O desafio agora é transformar este
compromisso em algo que o Brasil tanto anseia: um novo ciclo de prosperidade e
desenvolvimento para todos os cidadãos, especialmente dos mais pobres. Isto
requer um significativo aumento dos investimentos em tempos de restrições ao
investimento público, e investidores privados ainda reticentes. Transmutar este
sonho verde em desenvolvimento sustentável exige, creio, inovar ao longo de
todo o ‘ciclo de investimentos’, dando especial atenção a pelo menos cinco
desafios críticos.
Vamos começar com o planejamento. Incorporar a questão ambiental na estrutura de vários ministérios é louvável. Mas houve excesso: além do Ministério do Meio Ambiente, 16 outros ministérios possuem departamentos voltados para questões ambientais. O primeiro desafio, portanto, é o de articular essas entidades, suas agências e bancos em um programa nacional de investimentos verdes. Isso parece estar nos planos do governo e, se bem executado, proporcionará maior racionalidade às ações, tornando mais claro horizonte de investimentos. Além disso, seria útil unificar e acelerar o esforço de desenvolvimento de taxonomias e metodologias de monitoramento, criando um 'esperanto' para a comunicação interna e, como veremos, para atrair parceiros internacionais, multilaterais e bilaterais.
Esses são elementos cruciais para lidar com
um segundo desafio: a suposta “falta de projetos”. É evidente que esta
afirmação, que escuto muito de atores privados e multilaterais, não reflete a
realidade de um país com um enorme déficit de infraestrutura, uma indústria que
necessita de investimentos para aumentar a competitividade, e cidades que
precisam de mobilidade mais sustentável. O que realmente está em falta são
“projetos de qualidade” que possam ser certificados e apresentados como
propostas atraentes para investidores e financiadores.
Aqui, esbarramos em dois problemas: no
setor público, a privatização de algumas estatais enfraqueceu a capacidade de
planejamento de projetos; no lado privado, o declínio de algumas grandes
empresas de construção comprometeu a habilidade de implementá-los. A solução
não passa necessariamente por aplicar fórmulas antigas ou reinventar a roda;
talvez seja o caso de estimular a relação entre setor privado, centros de
pesquisa e agências públicas para reconstituir urgentemente esse ecossistema de
desenvolvimento e implementação de projetos em níveis nacional, estadual e
municipal.
Mais uma vez, a experiência internacional
seria extremamente valiosa para entender as melhores práticas neste âmbito.
Vale a pena ler com atenção os programas de descarbonização norte-americano e
europeu - sem mencionar a China, onde o planejamento é um elemento intrínseco
ao regime.
Superar esses dois desafios simplificaria,
significativamente, a abordagem de um terceiro: a mobilização de recursos. Em
algumas partes do mundo, grande parte desses projetos é financiada por
orçamento público - como nos EUA - ou através de finanças fortemente
alavancadas com recursos públicos - como na Europa e na China. No entanto, pelo
que tudo indica, no Brasil os recursos públicos serão limitados por muitos
anos, uma vez que o piso atual de investimentos públicos é muito baixo em
comparação com as enormes necessidades de investimento em infraestrutura,
estimadas em mais de R$ 3.5 trilhões anualmente pelos próximos 10 anos.
Portanto, teremos que ser inovadores, com
um olhar sempre vigilante para oportunidades que atraiam capital privado,
nacional, internacional, multilateral e filantrópico, e que multipliquem em
muitas vezes o volume de financiamento especializado e de longo prazo.
Identifico aqui um quarto desafio, mais a
desconexão entre o debate nacional e as experiências internacionais. Apesar de
algumas críticas ao papel de instituições públicas como o BNDES, é comum em
economias desenvolvidas e em desenvolvimento o uso de bancos públicos para
alavancar recursos privados, como evidenciam diversos estudos - inclusive um
recente livro da Oxford University Press para o qual contribui. Estes bancos
atuam compartilhando riscos com parceiros multilaterais e privados, através de
mecanismos como ‘blended finance’ e fundos de garantias.
Atualmente, tais bancos desempenham um
papel crucial para ampliar o acesso a mercados de títulos lastreados por
investimentos sustentáveis, que movimentam sustentáveis de quase meio trilhão
de dólares anuais globalmente. Capacitar esses bancos pode ajudar governos
federais e estaduais na criação de ambientes adequados para investimentos de
longo prazo, no apoio ao desenvolvimento de projetos em diversos setores, e na
elaboração de instrumentos de administração e mitigação de riscos junto ao
setor financeiro privado. Eles podem atuar como pontes com parceiros nacionais
e internacionais, por compartilharem objetivos e métodos semelhantes aos de
seus pares multilaterais, como o NDB, o BID, e o Banco Mundial.
Isso nos leva ao quinto e último desafio:
como expandir e aplicar nossa liderança na agenda climática para promover nosso
próprio desenvolvimento? Aqui, as oportunidades são vastas. Por exemplo, no
próximo ano, o Brasil assumirá a liderança do G-20, e Belém do Pará sediará a
Conferência das Partes em 2025 (COP30). No processo de preparação para esses
eventos, o Brasil poderia repensar suas relações econômicas bilaterais,
especialmente as dos seus bancos públicos com instituições multilaterais, indo
além de doações e financiamentos diretos. Nesse sentido, poderíamos também nos
juntar a iniciativas como a Bridgetown, da primeira-ministra de Barbados, Mia
Motley, que busca reformar os bancos multilaterais, aproveitando inclusive a
conexão privilegiada com os brasileiros à frente de três instituições
financeiras de desenvolvimento e a nomeação de Ajay Banga, nascido e
parcialmente criado no 'Sul Global', como presidente do Banco Mundial.
Certamente, para transformar a visão
sustentável em sucesso tangível, outros progressos precisam ser alcançados -
como em educação, desenvolvimento tecnológico e inclusão digital. No entanto,
se conseguirmos superar os cinco desafios mencionados, o Brasil pode e deve se
posicionar como um exemplo na abordagem de grandes questões globais, como
extrema desigualdade, emergência climática e fragmentação geoeconômica e
multilateral. A janela de oportunidade é ampla, porém pode se fechar
rapidamente. O momento para agir é agora.
*Rogério Studart é economista e foi diretor executivo do Brasil no Banco Mundial e no BID.
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