Valor Econômico
Quase tudo o que a Fazenda quer economizar
com seu penoso arcabouço fiscal o Banco Central gasta com juros da dívida
Já foi dito aqui, meses atrás, que o Banco
Central é independente, mas não infalível. Na semana passada, o BC usou sua
independência, não a infalibilidade, para manter a taxa de juros básica em
13,75% ao ano.
Para um país que não consegue mais ser
líder mundial em nenhum esporte, eis um título quase permanente: o de campeão
global dos juros altos, hoje com uma taxa real (acima da inflação) de 7,5% ao
ano.
O mercado financeiro gostou da manutenção da taxa, já esperada. Mas torceu o nariz pelo excesso de “cautela e parcimônia” do BC, que não sinalizou para um possível corte da Selic em agosto, como estava escrito nas estrelas. E espera um possível sinal diferente na ata do Copom a ser divulgada hoje.
Ficou no ar a sensação de que a autoridade
monetária, até por arrogância, estaria cometendo um erro banal: deixa para
amanhã o que poderia fazer hoje. No caso, “para depois de amanhã”.
Foi destemperada aquela afirmação do
presidente Lula, em janeiro, de que o BC, comandado por Roberto Campos Neto,
nomeado por Jair Bolsonaro, age politicamente. O próprio Lula continua crítico,
mas deixou de usar esse argumento. A elevação dos juros em plena campanha
eleitoral do ano passado serviu para refutar a acusação de Lula, ainda que o
aperto monetário nunca tenha impacto imediato - leva uns 18 meses para começar
a esfriar a economia.
Há quem considere que o Brasil, para se
livrar dessa liderança mundial incômoda, teria de abandonar a cultura dos juros
altos dominante no país há 40 anos. Uma reportagem de Diego Viana, no Valor de 9 de junho,
mostrou várias facetas dessa cultura.
Para economistas de mercado, mais ouvidos
pela mídia, ela é apenas o reflexo da sucessão de crises fiscais que o país
enfrenta há décadas. Isso obriga o governo a manter juros sempre elevados para
captar recursos e cobrir seus déficits.
Para o economista Fernando de Holanda
Barbosa, essa situação também reflete uma “cultura de privilégios”. Os déficits
do governo seriam causados pela facilidade com que grupos de pressão se
apropriam de fatias do Orçamento público. Então, os juros no Brasil não seriam
“uma loucura” que ocorre por acaso. Seriam produzidos pela sociedade, à medida
que grupos de interesse conseguem garantir privilégios.
Economistas da academia, minoria entre os
comumente ouvidos pela mídia, consideram que os juros são sempre altos
simplesmente porque empresas e famílias se acostumaram a receber e pagar juros
altos, o normal brasileiro. Pessoas físicas pagam até 300% ou 400% ao ano, e
empresas, 25% em média, níveis impensáveis pelo mundo. Esse “normal” favorece o
“rentismo”, em detrimento de investimentos produtivos e inovações.
A discussão teórica vai longe. Há, porém,
fatos. E eles poderiam tranquilamente ter respaldado uma redução da Selic na
semana passada ou mesmo em maio. A inflação oficial caiu para 3,9% em 12 meses
e pode haver deflação em junho (hoje sai o IPCA-15); em 12 meses, o IGP-M já
mostra deflação de 4,47%, e o IPA-DI, de 8,89% - esses índices medem
principalmente variações de preços no atacado, que depois se refletem no varejo
(IPCA); o dólar está abaixo de R$ 5, não vindo do câmbio pressão inflacionária;
os juros futuros estão em queda; o novo arcabouço fiscal já foi aprovado na
Câmara e no Senado e a reforma tributária está encaminhada; a safra recorde
garante estabilidade de preços de alimentos.
Essa sequência de fatos atropelou o
pessimismo do mercado com a economia. A bolsa decolou. A agência S&P
melhorou a perspectiva de classificação do risco Brasil.
Se esse arsenal de boas notícias não
convenceu o BC a baixar a Selic, começa a parecer menos “destemperada” a
declaração de Lula sobre a atuação política do comando monetário. Porque os
juros campeões mundiais prejudicam a economia, quebram empresas e famílias - há
71 milhões de pessoas inadimplentes - e custam caro ao país.
O economista José Luis Oreiro, incansável
estudioso e defensor do novo desenvolvimentismo, tem as contas na ponta da
língua e estima perdas bilionárias considerando apenas o estoque da dívida
pública indexada à Selic - LFTs -, que estava em R$ 2,339 trilhões em abril. Se
a taxa fosse só 0,25 ponto menor desde maio, o Tesouro economizaria R$ 6
bilhões em 12 meses com juros da dívida. Se em vez de 13,75% estivesse em
12,75%, só um ponto a menos, a economia seria de R$ 24 bilhões. Se, por uma
dádiva divina, estivesse em 9,75%, ainda estupidamente alta, o ganho seria de
uns R$ 100 bilhões.
Ou seja, quase tudo o que a Fazenda quer
economizar com seu penoso arcabouço fiscal, o BC gasta com juros da dívida, sem
constrangimento e respaldado em seus batidos jargões como “ancoragem de
expectativas”, “horizonte relevante”, “convergência de inflação”, “apostas
assimétricas”, “cenário de referência” e assim por diante. Tristes trópicos,
diria Claude Lévi-Strauss.
Pedro Cafardo
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