terça-feira, 27 de junho de 2023

Pedro Cafardo - BC deixa para ‘depois de amanhã’ o que poderia fazer hoje

Valor Econômico

Quase tudo o que a Fazenda quer economizar com seu penoso arcabouço fiscal o Banco Central gasta com juros da dívida

Já foi dito aqui, meses atrás, que o Banco Central é independente, mas não infalível. Na semana passada, o BC usou sua independência, não a infalibilidade, para manter a taxa de juros básica em 13,75% ao ano.

Para um país que não consegue mais ser líder mundial em nenhum esporte, eis um título quase permanente: o de campeão global dos juros altos, hoje com uma taxa real (acima da inflação) de 7,5% ao ano.

O mercado financeiro gostou da manutenção da taxa, já esperada. Mas torceu o nariz pelo excesso de “cautela e parcimônia” do BC, que não sinalizou para um possível corte da Selic em agosto, como estava escrito nas estrelas. E espera um possível sinal diferente na ata do Copom a ser divulgada hoje.

Ficou no ar a sensação de que a autoridade monetária, até por arrogância, estaria cometendo um erro banal: deixa para amanhã o que poderia fazer hoje. No caso, “para depois de amanhã”.

Foi destemperada aquela afirmação do presidente Lula, em janeiro, de que o BC, comandado por Roberto Campos Neto, nomeado por Jair Bolsonaro, age politicamente. O próprio Lula continua crítico, mas deixou de usar esse argumento. A elevação dos juros em plena campanha eleitoral do ano passado serviu para refutar a acusação de Lula, ainda que o aperto monetário nunca tenha impacto imediato - leva uns 18 meses para começar a esfriar a economia.

Há quem considere que o Brasil, para se livrar dessa liderança mundial incômoda, teria de abandonar a cultura dos juros altos dominante no país há 40 anos. Uma reportagem de Diego Viana, no Valor de 9 de junho, mostrou várias facetas dessa cultura.

Para economistas de mercado, mais ouvidos pela mídia, ela é apenas o reflexo da sucessão de crises fiscais que o país enfrenta há décadas. Isso obriga o governo a manter juros sempre elevados para captar recursos e cobrir seus déficits.

Para o economista Fernando de Holanda Barbosa, essa situação também reflete uma “cultura de privilégios”. Os déficits do governo seriam causados pela facilidade com que grupos de pressão se apropriam de fatias do Orçamento público. Então, os juros no Brasil não seriam “uma loucura” que ocorre por acaso. Seriam produzidos pela sociedade, à medida que grupos de interesse conseguem garantir privilégios.

Economistas da academia, minoria entre os comumente ouvidos pela mídia, consideram que os juros são sempre altos simplesmente porque empresas e famílias se acostumaram a receber e pagar juros altos, o normal brasileiro. Pessoas físicas pagam até 300% ou 400% ao ano, e empresas, 25% em média, níveis impensáveis pelo mundo. Esse “normal” favorece o “rentismo”, em detrimento de investimentos produtivos e inovações.

A discussão teórica vai longe. Há, porém, fatos. E eles poderiam tranquilamente ter respaldado uma redução da Selic na semana passada ou mesmo em maio. A inflação oficial caiu para 3,9% em 12 meses e pode haver deflação em junho (hoje sai o IPCA-15); em 12 meses, o IGP-M já mostra deflação de 4,47%, e o IPA-DI, de 8,89% - esses índices medem principalmente variações de preços no atacado, que depois se refletem no varejo (IPCA); o dólar está abaixo de R$ 5, não vindo do câmbio pressão inflacionária; os juros futuros estão em queda; o novo arcabouço fiscal já foi aprovado na Câmara e no Senado e a reforma tributária está encaminhada; a safra recorde garante estabilidade de preços de alimentos.

Essa sequência de fatos atropelou o pessimismo do mercado com a economia. A bolsa decolou. A agência S&P melhorou a perspectiva de classificação do risco Brasil.

Se esse arsenal de boas notícias não convenceu o BC a baixar a Selic, começa a parecer menos “destemperada” a declaração de Lula sobre a atuação política do comando monetário. Porque os juros campeões mundiais prejudicam a economia, quebram empresas e famílias - há 71 milhões de pessoas inadimplentes - e custam caro ao país.

O economista José Luis Oreiro, incansável estudioso e defensor do novo desenvolvimentismo, tem as contas na ponta da língua e estima perdas bilionárias considerando apenas o estoque da dívida pública indexada à Selic - LFTs -, que estava em R$ 2,339 trilhões em abril. Se a taxa fosse só 0,25 ponto menor desde maio, o Tesouro economizaria R$ 6 bilhões em 12 meses com juros da dívida. Se em vez de 13,75% estivesse em 12,75%, só um ponto a menos, a economia seria de R$ 24 bilhões. Se, por uma dádiva divina, estivesse em 9,75%, ainda estupidamente alta, o ganho seria de uns R$ 100 bilhões.

Ou seja, quase tudo o que a Fazenda quer economizar com seu penoso arcabouço fiscal, o BC gasta com juros da dívida, sem constrangimento e respaldado em seus batidos jargões como “ancoragem de expectativas”, “horizonte relevante”, “convergência de inflação”, “apostas assimétricas”, “cenário de referência” e assim por diante. Tristes trópicos, diria Claude Lévi-Strauss.

Pedro Cafardo 

 

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