O Globo
Qualquer um pode ser Arthur. Lindo nome,
aliás. Zico, o maior ser já nascido, é Arthur. Qualquer um pode ser Arthur. Até
Deus. Qualquer Arthur — menos Zico — pode ser o Arthur que aparece nas listas
do assessor e do motorista do assessor de Arthur Lira como beneficiário de
pagamentos que a Polícia Federal investiga no bojo da operação sobre fraudes e
desvios em contratos para compra de kits de robótica por municípios alagoanos.
O caso foi revelado pela Folha.
Qualquer um pode ser o Arthur. O Lira,
presidente da Câmara, não tardaria a declarar — sobre todos os Arthures:
— Cada um é responsável pelo seu CPF nesta
terra e neste país.
Está correto. O assessor é conhecido. Luciano Cavalcante. E é de Lira (“Sou da Lira/Não posso negar...”), muito embora qualquer um possa ser o Arthur. (A filha de Cavalcante é sócia do filho de Lira.) Qualquer um pode ser o Arthur. Somente o auxiliar era “pastinha” do hoje presidente da Câmara — um outro cronista, maldoso, o chamaria de espécie de queiroz. Não seria justo. Cavalcante tinha lugar na mesa.
Esteve na sede do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação, então sob controle de Ciro Nogueira. Era fevereiro
de 2021. Com ele na visita, Edmundo Catunda, um dos sócios da Megalic, maior
vencedora das licitações para fornecer os kits de robótica, agente
intermediadora no esquema de superfaturamento e lavagem de dinheiro — empresa
que, segundo a PF, repassava dinheiros para pessoas jurídicas de fachada em
Brasília.
A aquisição dos equipamentos foi custeada
pelo FNDE, via emendas do relator — o orçamento secreto, sistema que ganharia
corpo sob a gestão de Lira no Parlamento. A investigação flagrou o motorista de
Luciano Cavalcante recebendo, em maio deste 2023, grana na garagem de um hotel,
na capital federal, em que Luciano Cavalcante estava hospedado.
Qualquer um pode ser o Arthur da quebrada,
mas Catunda, da maceioense Megalic, que foi ao FNDE com o principal auxiliar de
Lira, era próximo de Lira. Qualquer um pode ser o Arthur da parada, mas
Cavalcante era o faz-tudo de Lira quando a operação foi deflagrada.
A operação se chama Hefesto, partiu em 1º
de junho e, sob busca e apreensão, encontrou com Cavalcante uma relação que
associava pagamentos variados, da ordem de R$ 650 mil, a um Arthur — operações
feitas entre dezembro de 2022 e março de 2023.
São ao menos 30 pagamentos com a referência
Arthur nos registros de Cavalcante. E outros 11, assinalados como sendo do
período entre abril e maio de 2023 (cerca de R$ 250 mil), no caderno-caixa do
motorista de Cavalcante. Wanderson de Jesus, o motorista do assessor de Arthur
Lira. Qualquer um pode ser o Arthur. Luciano Cavalcante, auxiliar de Lira, é
Luciano Cavalcante — a mando de quem Wanderson, conforme depoimento à PF, fazia
os pagamentos. (A polícia apreendeu mais de R$ 150 mil com o motorista, R$ 110
mil dos quais numa mochila dentro do carro — automóvel e montante que, de
acordo com Wanderson, eram de Cavalcante.)
Qualquer um pode ser o Arthur beneficiado
pelos pagamentos, ainda que entre as despesas cobertas esteja a fisioterapia de
Bill. Não se deve precipitar. Luciano Cavalcante, assessor de Lira, com uma
lista de gastos — associados a um Arthur — que incluía cuidados para com Bill,
apelido do pai de Lira. Qualquer um pode ser o Arthur. E Bill não é apelido
incomum nem no Brasil nem nas Alagoas. Coincidências ocorrem. Por exemplo: a
anotação, pega com Wanderson, de pouco mais de R$ 29 mil em favor de “Djair =
Arthur”.
Lira emprega — revelou a Piauí — um
secretário parlamentar chamado Djair Marcelino, outrora denunciado como
integrante de esquema milionário de rachadinha que o MPF acusa o atual
presidente da Câmara de ter comandado na Assembleia alagoana. Qualquer um pode
ser o Arthur. E quantos Arthures não terão um Djair em prol de quem se movem
quase R$ 30 mil? Qualquer um pode ser o Djair de um Arthur qualquer.
Qualquer um pode ser o Arthur, mesmo sendo
Arthur Lira um dos padrinhos de emendas para a aquisição de kits de robótica
por cidades de Alagoas. Qualquer um pode ser o Arthur; mas a PF preferiu mandar
ao Supremo a investigação. Talvez seja precipitação e preconceito. Registre-se,
contra a maledicência, que não será somente um o Arthur com foro no STF. Lira
não é investigado pela operação.
Precipitados certamente foram os que
bradaram que a engenharia do orçamento secreto — mecanismo para exercício do
poder desde o Congresso — não consistia também num poderoso sistema de
corrupção. Gestão e distribuição de bilhões de reais públicos de forma
autoritária e obscura, a própria definição de fiscalização impossível — um
convite para que a grana, afinal, encontrasse meios de retornar. Estamos só no
começo das descobertas. (E o orçamento secreto, em modo camuflado, não acabou.)
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