Correio Braziliense
Lula está preenchendo a vaga de líder
mundial, ele tem a formação política, sensibilidade social e carisma
Ao optar por identificar-se com os
presidentes dos países ricos, o presidente Fernando Henrique Cardoso perdeu a
chance de ser um líder dos países pobres. Esse lugar estava vago desde a queda
do socialismo e do esgotamento do desenvolvimentismo, com a crise ecológica, a
permanência da pobreza, o acirramento da desigualdade, a migração em massa e o
desemprego estrutural. E também com a globalização, porque os líderes
continuavam na defesa dos interesses de seus países, não da humanidade e do
planeta.
Fernando Henrique não percebeu que o mundo virou imenso Terceiro Mundo, cada país cortado por uma "cortina de ouro", separando pobres e ricos, em um apartheid global, todos em marcha à catástrofe ecológica. Com a pobreza da África e a riqueza da Europa dentro do nosso território, o Brasil é retrato desse Terceiro Mundo Global. FHC preferiu imaginar que chegaríamos a ser parte do Primeiro Mundo, no lugar de liderar a reorientação do terceiro mundo global.
Lula está preenchendo a vaga de líder
mundial. Desde seus governos anteriores e neste início do mandato atual,
sobretudo com os discursos em Sharm el Sheikh e, em Paris, na semana passada.
Ele tem a formação política, sensibilidade social e carisma. Conta com o apoio
do nosso competente corpo diplomático, para consolidar seu papel de líder
mundial ao encampar quatro causas planetárias fundamentais deste momento: meio
ambiente, pobreza, desigualdade e migração.
Diferentemente dos antigos líderes mundiais
dos pobres, Lula não tem as amarras do passado. Não é nostálgico do socialismo
nem fica limitado por visão nacionalista. Entende os novos tempos globais, e
defende as novas classes espoliadas: gerações futuras, ameaçadas pela crise
ecológica; os pobres, os náufragos e refugiados e os jovens, inclusive, dos
países ricos. Fala em nome do Brasil, um dos 10 maiores países em território,
em população e em renda. Lula se tornou o porta-voz dos bilhões de descontentes
com o presente, e em busca de um novo rumo para o futuro. Líder do mundo
global, em um novo tempo, com uma nova esquerda pós-socialismo e
pós-nacionalismo. Para surpresa da esquerda tradicional, defende o livre
comércio e iguala a luta social à luta ecológica.
Antes, o mundo era a soma dos países,
agora, cada país é um pedaço do mundo. Os líderes anteriores falavam para cada
país, Lula propõe que o conjunto do mundo se reoriente para um desenvolvimento
sustentável, sem pobreza, com distribuição de renda, sem náufragos, nem guetos
para refugiados. Esta é sua força.
Mas, e agora? Em setembro deste ano, Lula
tem condições de consolidar sua liderança, no discurso de abertura da
Assembleia Geral das Nações Unidas. Será a oportunidade para ir além do
discurso crítico, apresentar propostas para o futuro e mostrar que o Brasil é
capaz de executar estratégia e ser exemplo de um novo desenvolvimento
sustentável e inclusivo. Deverá dar o exemplo interno de que suas propostas
para o mundo funcionam no Brasil.
Nas Nações Unidas, Lula pode propor um programa
Bolsa Família Mundial vinculado à educação que supere a pobreza, reduza a
concentração de renda, evite a necessidade de migração e proteja os refugiados.
Precisa indicar qual é nossa estratégia para que em um futuro próximo nenhum
brasileiro saudável necessite de bolsas e auxílios para sobreviver. Iniciar a
execução de um sistema escolar nacional com máxima qualidade igual para todos,
independentemente da renda e do endereço. Mostrar como o Brasil está
erradicando o analfabetismo que tortura 10 milhões de adultos. Sinalizar que
além de proteger florestas, tem plano e metas para o uso sustentável dos
recursos naturais, realizando um desenvolvimento que aumente e distribua a
renda nacional, sem degradar a natureza sob nossa responsabilidade, mas que reconhecemos
pertencer à humanidade inteira. Defender o direito universal a vacinas, como já
praticamos. Precisa mostrar que nossa democracia é sólida, com diálogo entre
todas as tendências políticas, e sem as corrupções, no comportamento dos
políticos, nas prioridades das políticas, nem na desvalorização da moeda.
Conclamar os presidentes de todos os países a construirmos um mundo melhor e
mais belo para todos.
Lembrando que não há líder mundial sem
sucesso local. O mundo espera que não desperdicemos o momento: que Lula e
Brasil apontem o rumo e mostremos como estamos fazendo internamente para
construir desenvolvimento sustentável, justo, democrático e pacífico para o
futuro.
*Cristovam Buarque Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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