Valor Econômico
Os Brics têm os mesmos problemas do G-7 e
mais alguns. É notório que existe uma divisão geopolítica no grupo, e a
rivalidade estratégica entre a Índia e a China o enfraquece como um fórum para
o comércio e as políticas regulatórias.
Para comprovar que as reuniões de cúpula
dos Brics começaram a adotar características da rotina do circuito de
governança mundial, observe as pequenas e familiares disputas durante a reunião
desta semana na África do Sul para produzir uma declaração conjunta e passar a
impressão de que o grupo mantém seu ímpeto.
O mais próximo de algo “realizável”, para
usar a expressão irritante e comum, é um compromisso preliminar para expandir o
número de membros do grupo para além dos cinco atuais (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul). Mesmo isso é desconfortável para a Índia e o Brasil,
que estão preocupados com a ideia de aceitar mais membros que tenham um forte
alinhamento com a China.
As fraquezas dos Brics como fórum de elaboração de políticas são evidentes. O grupo não tem uma unidade de propósito suficiente nem muita capacidade para garantir que suas decisões sejam seguidas. Mas a dificuldade de manter a coerência dentro de um agrupamento informal não é nenhuma novidade. O organismo com que os Brics rivalizam - o G-7, o clube dos países mais ricos que há décadas é considerado como um comitê orientador da economia mundial - também tem frequentes dificuldades para chegar a consensos.
Instituições internacionais eficazes
cumprem várias funções, inclusive como repositório de conhecimentos ou poderes
especializados e como um meio de estabelecer e fazer cumprir regras. Se for
devidamente utilizado, o último destes significa que as decisões coletivas
podem ter um peso decisivo nos debates internos de seus membros sobre definição
de políticas.
Entre as instituições formais, estes
atributos são claros, embora limitados inevitavelmente pelos governos dos
países participantes. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo,
possui conhecimentos especializados sobre crises financeiras e a capacidade de
fazer empréstimos rapidamente para socorrer países em dificuldades. O Fundo
impõe condições para conceder esses empréstimos, tais como um aperto fiscal
rápido, cuja obrigatoriedade de execução ajuda os governos socorridos a
resistir à oposição interna a mudanças que muitas vezes são dolorosas.
É mais difícil disciplinar os membros de
grupos informais. O G-7 construiu uma reputação nos 1990 e 2000 como grupo
orientador de instituições do tipo do FMI. Mas, embora tenha conseguido chegar
a um consenso para a imposição de condições fiscais e de desregulamentação
rigorosas aos governos inadimplentes e agido rapidamente para resolver
problemas sistêmicos, como as crises financeiras asiática e russa de 1997 e
1998, o grupo teve mais problemas para obrigar os próprios membros a seguirem
diretrizes.
Mesmo no seu auge, o G-7 foi marcado por
conflitos constantes sobre política econômica estrutural e taxas de câmbio. A
França, cansada da cobrança incessante dos Estados Unidos para que se
comprometesse a fazer a desregulamentação econômica, em 2003 sabotou de forma
brilhante seus compromissos ao empregar uma tradução criativa de um comunicado
do G-7 para o francês, e prometer o termo mais suave “réactivité” (capacidade
para reagir) em vez do duro “flexibilité” (flexibilização) que Washington tinha
exigido.
O antecessor do G-7, o G-5, conseguiu
organizar com sucesso um enfraquecimento do dólar no Acordo de Plaza, de 1985,
mas provocou tensão entre Tóquio e Washington (particularmente o Capitólio) nos
anos 1990 e 2000 porque o Japão manteve o yen desvalorizado.
Washington também reclamou que sua campanha
mais geral contra os desalinhamentos cambiais e os desequilíbrios do balanço em
conta corrente nos anos 2000 e 2010 - que tinha a China como alvo principal -
foi minada pela obsessão da Alemanha com as exportações. Nos dois casos, a
solidariedade do G-7 foi menos importante para o Japão e a Alemanha do que
proteger seus modelos de crescimento. Além disso, o G-7 esteve praticamente
ausente durante a crise da dívida soberana da zona do euro, quando a União
Europeia insistiu em que os governos europeus elaborassem os pacotes de
resgate.
É verdade que o G-7 adquiriu um novo
sentido de propósito depois da invasão da Ucrânia pelo presidente da Rússia,
Vladimir Putin, ao coordenar sanções e estabelecer um teto para o preço do
petróleo russo. Mas o grupo já não é grande o suficiente, em termos econômicos,
para acabar com o esforço de guerra de Putin, nem está unido em torno das
propostas dos EUA de impor medidas mais agressivas contra a Rússia, como um
veto amplo a suas exportações.
Os Brics têm os mesmos problemas do G-7 e
mais alguns. É notório que existe uma divisão geopolítica no grupo, e a
rivalidade estratégica entre a Índia e a China o enfraquece como um fórum para
o comércio e as políticas regulatórias. A UE (cujas três maiores economias são
membros do G-7) e os EUA, mesmo com visões diferentes sobre a questão da
privacidade das informações, têm trabalhado de maneira diligente para
interligar suas economias digitais por meio de acordos de compartilhamento de
dados. Por outro lado, em 2020 a Índia proibiu unilateralmente o uso de 59
aplicativos que têm suas sedes na China, como o TikTok e o WeChat, entre
outros, com o argumento de que representavam uma ameaça à segurança.
Os resmungos genéricos dos Brics sobre a
hegemonia dos EUA, que incluem queixas sobre o controle que o mundo rico mantém
sobre as instituições financeiras internacionais, não se traduzem em um plano
coerente para substituí-los. Cada vez que um novo chefe foi escolhido para o
FMI ou para o Banco Mundial, a Europa e os EUA, respectivamente, mantiveram a
prerrogativa de nomear um dos seus, porque os países de renda baixa e média
nunca conseguiram se unir em torno de nomes alternativos.
Nem a Índia nem a China nunca pressionaram
por um candidato plausível para dirigir essas instituições: o atual chefe do
Banco Mundial, Ajay Banga, nasceu na Índia, mas é cidadão americano e foi
nomeado pelo presidente dos EUA, Joe Biden. Não existe confiança suficiente
entre Nova Déli e Pequim para que um país apoie a indicação de uma autoridade
do outro para um posto de comando. Ao mesmo tempo, as instituições coletivas de
financiamento do desenvolvimento dos Brics, como o Novo Banco de
Desenvolvimento, são minúsculas quando comparadas com os vastos programas de
empréstimos bilaterais da China.
Ampliar um agrupamento não o torna mais
poderoso automaticamente. O G-20, que substituiu em grande parte o G-7 como
principal fórum de política econômica do mundo em 2008, durante a crise
financeira mundial, está cercado por diferenças arraigadas. O consenso não pode
ser alcançado apenas com pequenas mudanças nas estruturas ou com a expansão do
número de membros. Um comitê de orientação mundial precisa começar com um
consenso interno. No caso dos Brics, até agora isso quase sempre esteve em
falta.
*Alan Beattie é colunista do Financial Times
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