sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Laura Karpuska* - Cidade de Deus

O Estado de S. Paulo

Caso a morte de Thiago não tenha sido acidental, não cabe à polícia decidir quem vive e quem morre

Thiago Menezes Flausino queria ser jogador de futebol. Thiago não pode mais escolher seu caminho. Ele foi morto enquanto passeava de moto com um amigo na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, no dia 6 de agosto. A PM disse que trocava tiros com bandidos. Os moradores dizem que a troca foi forjada. O Ministério Público está investigando.

Fiquei sabendo dos sonhos de Thiago quando li uma matéria no jornal que trazia relatos de amigos dele. Eles saíram às ruas pedindo justiça pela morte do amigo. A um jornalista, contaram o que Thiago havia respondido quando questionado pela professora: o que você quer ser, e não quer ser, quando crescer?

A matéria também dizia que Thiago não queria ser traficante. Essa discussão acaba servindo como distração ao fundamental. Implicitamente, assume-se que, caso alguém “queira” ser traficante, sua morte seria menos trágica.

Caso a morte de Thiago não tenha sido acidental, não caberia à polícia decidir quem vive e quem morre. Caso tenha sido um acidente, fica a dúvida sobre que tipo de sociedade estamos desenvolvendo quando um jovem pode ser acidentalmente baleado e isso ser tão normalizado.

Quando decidi escrever esta coluna, fui buscar taxas de mortalidade de jovens negros e brancos. A mortalidade de jovens negros foi sete vezes maior do que a de jovens brancos na última década, segundo um estudo do Instituto Sou da Paz. Além disso, um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef mostra que, de quase 35 mil mortes de jovens entre 2016 e 2020 no Brasil, 80% foram de negros.

Depois que coletei esses dados que compilam a tragédia social e racial que vivemos, pensei que eles faziam talvez pouco sentido. Os dados são alarmantes, claro. Mas eles acabam, de alguma forma, reduzindo a discussão. Enquanto escrevo esta coluna, leio que Bryan dos Santos, um garoto de 16 anos, foi morto durante confronto entre bandidos em São Gonçalo, no Rio de Janeiro.

O Estado hoje falha em prover para que jovens negros periféricos possam não apenas sonhar e ter meios para concretizar esses sonhos. O Estado falha por não conseguir criar um ambiente em que esses jovens possam manter-se vivos.

É ainda mais chocante ouvir que os sonhos do jovem Thiago não existem mais como uma possibilidade. Como pode uma sociedade prosperar minimamente se, mesmo quem consegue sonhar em meio a tantas adversidades, é morto sob a tutela do próprio Estado?

*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK

 

Um comentário:

EdsonLuiz disse...

Sim! Sim! Sim!

Estão destruindo cada vez mais o Brasil, e quem mais sofre as consequências da destruição são os mais fracos.

■E os mais fracos têm alguma culpa no destino a que têm sido condenados?
▪Mesmo se tiverem, seus erros ocorrem principalmente como mais uma consequência dos erros que antes são cometidos contra eles.