O Estado de S. Paulo
Caso a morte de Thiago não tenha sido acidental, não cabe à polícia decidir quem vive e quem morre
Thiago Menezes Flausino queria ser jogador
de futebol. Thiago não pode mais escolher seu caminho. Ele foi morto enquanto
passeava de moto com um amigo na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, no dia 6 de
agosto. A PM disse que trocava tiros com bandidos. Os moradores dizem que a
troca foi forjada. O Ministério Público está investigando.
Fiquei sabendo dos sonhos de Thiago quando li uma matéria no jornal que trazia relatos de amigos dele. Eles saíram às ruas pedindo justiça pela morte do amigo. A um jornalista, contaram o que Thiago havia respondido quando questionado pela professora: o que você quer ser, e não quer ser, quando crescer?
A matéria também dizia que Thiago não
queria ser traficante. Essa discussão acaba servindo como distração ao
fundamental. Implicitamente, assume-se que, caso alguém “queira” ser
traficante, sua morte seria menos trágica.
Caso a morte de Thiago não tenha sido
acidental, não caberia à polícia decidir quem vive e quem morre. Caso tenha
sido um acidente, fica a dúvida sobre que tipo de sociedade estamos
desenvolvendo quando um jovem pode ser acidentalmente baleado e isso ser tão
normalizado.
Quando decidi escrever esta coluna, fui
buscar taxas de mortalidade de jovens negros e brancos. A mortalidade de jovens
negros foi sete vezes maior do que a de jovens brancos na última década,
segundo um estudo do Instituto Sou da Paz. Além disso, um levantamento do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef mostra que, de quase 35 mil mortes
de jovens entre 2016 e 2020 no Brasil, 80% foram de negros.
Depois que coletei esses dados que compilam
a tragédia social e racial que vivemos, pensei que eles faziam talvez pouco
sentido. Os dados são alarmantes, claro. Mas eles acabam, de alguma forma,
reduzindo a discussão. Enquanto escrevo esta coluna, leio que Bryan dos Santos,
um garoto de 16 anos, foi morto durante confronto entre bandidos em São
Gonçalo, no Rio de Janeiro.
O Estado hoje falha em prover para que
jovens negros periféricos possam não apenas sonhar e ter meios para concretizar
esses sonhos. O Estado falha por não conseguir criar um ambiente em que esses
jovens possam manter-se vivos.
É ainda mais chocante ouvir que os sonhos
do jovem Thiago não existem mais como uma possibilidade. Como pode uma
sociedade prosperar minimamente se, mesmo quem consegue sonhar em meio a tantas
adversidades, é morto sob a tutela do próprio Estado?
*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA
PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK
Um comentário:
Sim! Sim! Sim!
Estão destruindo cada vez mais o Brasil, e quem mais sofre as consequências da destruição são os mais fracos.
■E os mais fracos têm alguma culpa no destino a que têm sido condenados?
▪Mesmo se tiverem, seus erros ocorrem principalmente como mais uma consequência dos erros que antes são cometidos contra eles.
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