BC inicia ciclo de queda dos juros com corte de 0,5 ponto
Valor Econômico
Voto de Campos Neto normaliza a nova
realidade: os diretores, afinal, divergem e isso não é ruim
O Banco Central deu início ontem ao ciclo de baixa dos juros com um corte significativo de 0,5 ponto percentual e sinal de nova redução da mesma magnitude na próxima reunião. O tamanho do corte, de 0,25 ou 0,50 ponto, não era a única dúvida dos investidores. A outra, igualmente delicada, era sobre como os novos indicados para a diretoria de Política Monetária, Gabriel Galípolo e de Fiscalização, Ailton Aquino, abririam divergência com a ala mais ortodoxa do Banco Central, como seria expressa no comunicado do Copom suas posições e qual seria a atitude do colegiado. Galípolo e Aquino defenderam o corte de 0,5%, mas foram apoiados pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto e mais os diretores Carolina Barros e Otávio Damaso. A decisão foi apertada: 5 a 4. O diretor de Política Econômica, Diego Guillen, a diretora de Assuntos Internacionais, Fernanda Guardado e mais dois diretores votaram por ajuste mais moderado, de 0,25 ponto percentual.
O Copom começou nesta reunião a mirar 2025
como parte do horizonte relevante para a política monetária. No cenário de
referência do Banco Central, a inflação de 2025 já se encontra no centro da
meta, e é menor do que os 3,5% registrados no último boletim Focus. A diferença
em relação a 2024 não é pequena: o BC vê um IPCA de 3,4% e o Focus, de 3,9%. “O
Comitê avalia que a melhora do quadro inflacionário, refletindo em parte os
impactos defasados da política monetária, aliada à queda das expectativas de
inflação para prazos mais longos, após decisão recente do Conselho Monetário
Nacional sobre a meta para a inflação, permitiram acumular a confiança necessária
para iniciar um ciclo gradual de flexibilização monetária”, afirma o
comunicado.
Os fatores do balanço de riscos mudaram.
Agora são dois de alta e dois de baixa, ante três do comunicado anterior.
Saíram de cena duas cogitações altistas relevantes para o IPCA. A primeira
delas, mencionada no comunicado anterior, foi a incerteza “residual” sobre o
desenho do novo regime fiscal e seu impacto sobre as expectativas
inflacionárias. A segunda, igualmente relevante, foi a “desancoragem maior ou
mais duradoura” dessas expectativas. Entre os fatores de baixa, sumiu do
comunicado a queda adicional das commodities em moeda local, que ainda continua
a agir diante da valorização do real e sua persistência na faixa dos R$ 4,70 a
R$ 4,80.
Na nova configuração do balanço de riscos
são citadas, como altista para a inflação a maior persistência das pressões
inflacionárias globais. Ela, no entanto, pode infletir, como sugerem a deflação
observada em julho na zona do euro e a recente queda importante da inflação nos
Estados Unidos. O segundo risco de alta é doméstico: a maior resistência na
inflação de serviços “em função de um hiato do produto mais apertado”.
O BC já havia se debruçado sobre o hiato do
produto em reuniões anteriores. O Fundo Monetário Internacional, em sua revisão
anual da economia brasileira, acredita que ela já cresce acima de seu potencial
há algum tempo. Para o Fundo, o balanço de risco doméstico tende, por isso, a
ser negativo para a inflação. A pesquisa que o Copom faz com consultorias e
bancos aponta um resultado na mesma linha, com variação de 0,2% a 1% além do
potencial. O FMI prevê 0,9% para o ano (Valor, 1 de agosto).
Os elementos de risco de baixa da inflação,
por outro lado, são externos. Foi mantida a possibilidade de uma desaceleração
da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em função de
condições adversas no sistema financeiro global. Porém, as últimas projeções do
FMI e os dados de atividade da zona do euro e dos EUA mostram que haverá
redução do crescimento, mas não imprevista. As “condições adversas” do sistema
financeiro, que entraram no cenário após a quebra de bancos regionais
americanos, arrefeceram e uma crise de grandes proporções no setor parecem
remotas.
Outro fator baixista seria um impacto mais
contundente do que o antevisto da alta de juros sobre a desinflação global,
hipótese que deve perder força diante da possível pausa que tanto o Banco
Central Europeu como o Federal Reserve sinalizaram após suas mais recentes
reuniões, indicando a proximidade do fim do ciclo de alta dos juros.
A atitude de Campos Neto, de votar com os
dois novos diretores que defenderam cortes maiores, em primeiro lugar preserva
formalmente a instituição de uma divisão em alas contrárias e irredutíveis.
Insinua também que os argumentos favoráveis a um corte maior eram convincentes
diante de uma taxa Selic que torna-se cada vez mais asfixiante à medida que a
inflação declina - essa divisão reflete a do próprio mercado sobre o tamanho do
corte. Além disso, o voto de Campos Neto normaliza a nova realidade, comum em
bancos centrais independentes: os diretores, afinal, divergem e isso não é
ruim.
O comunicado explicita a conciliação: ressalta a “melhora do quadro inflacionário” e, ao mesmo tempo, reforça o “firme objetivo de manter uma política monetária contracionista para a reancoragem das expectativas”.
Ação policial na Baixada Santista deve ser
investigada
O Globo
Por mais que seja necessário combater crime
organizado, não dá para julgar operação com tantos mortos um sucesso
É inaceitável o que aconteceu com dois
policiais da Rota, grupo de elite da PM paulista, atacados covardemente quando
faziam patrulhamento numa comunidade do Guarujá, na Baixada Santista. O soldado
Patrick Bastos Reis, de 30 anos, morreu depois de levar um tiro no peito,
disparado por um atirador do tráfico a mais de 50 metros. O cabo Fabiano
Oliveira Marin Alfaya se recupera de um disparo na mão esquerda. Compreende-se
a indignação que tomou conta não só da corporação policial, mas de toda a
sociedade, diante de mais uma afronta do crime organizado. Nos últimos dias,
outros policiais foram baleados no exercício de sua profissão. A reação à
barbárie não pode, contudo, ser contaminada pelo sentimento de vingança.
É dever da polícia e da Justiça investigar
o que aconteceu, identificar os criminosos e puni-los (o suspeito de ter matado
o soldado da PM está preso). Mas a resposta precisa ser dada dentro dos limites
estritos da lei. As operações de repressão ao tráfico e ao crime organizado na
Baixada Santista deflagradas depois do ataque já deixaram ao menos 16 mortos —
número que pode subir.
O governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas, disse estar “extremamente satisfeito com a ação da polícia” e
“extremamente triste com o que aconteceu, porque nada vai trazer um pai de
família de volta”. Primeiro negou que tenha havido qualquer ação desmedida dos
policiais, para depois afirmar que “excessos” serão apurados. É bom que sejam.
Por mais que a polícia tenha detido suspeitos e apreendido quantidades
consideráveis de drogas e armas, não se pode considerar satisfatória uma ação
com tantos mortos. “Não é uma operação que satisfaça ninguém”, disse ao Jornal
Nacional a presidente da OAB-SP, Patricia Vanzolini. “É possível que ela seja
justificada, é possível até que estivesse dentro da legalidade. Agora, não é
possível que seja considerada algo cotidiano, algo normal, muito menos algo
satisfatório. Não dá para dizer que é um êxito de segurança pública.” Existem,
diz ela, mecanismos de inteligência não letais para atingir os objetivos de
segurança pública.
A ouvidoria policial paulista apura
denúncias de violações nas ações, e entidades de defesa dos direitos humanos
têm pedido transparência na investigação. É importante lembrar que os policiais
paulistas trabalham com câmeras nas fardas. Só uma investigação exaustiva e
transparente — com divulgação das imagens gravadas — será capaz de dirimir
dúvidas que pairem sobre a legalidade de seus atos.
São Paulo tem apresentado há anos os
melhores indicadores de segurança do país — 8,4 mortes violentas por 100 mil
habitantes, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Obteve
tal resultado com um dos mais baixos índices de letalidade policial (0,9 morte
por 100 mil habitantes, atrás apenas de Distrito Federal, Santa Catarina e
Minas Gerais). Para efeito de comparação, a taxa no Rio de Janeiro é 8,3; na
Bahia, 10,4. Seria um retrocesso se o combate ao crime organizado trouxesse de
volta ao estado os tempos em que a polícia era conhecida pela truculência, e
não pela eficiência.
As ações no Guarujá precisam ser apuradas
sem paixões nem corporativismo. Mesmo tendo saído em defesa da polícia, o
próprio governador prometeu isso. É a postura correta. Por enquanto, é
prematura qualquer conclusão. Se ficar comprovado que houve abusos, que os
responsáveis sejam punidos com rigor, como manda a lei.
Nova denúncia é caso jurídico mais grave
enfrentado por Donald Trump
O Globo
Paradoxalmente, o efeito nas intenções de
voto tem sido nulo, ou mesmo favorável ao ex-presidente
A denúncia apresentada em Washington pelo
procurador especial Jack Smith contra Donald Trump na
terça-feira — a terceira que o tem como alvo desde o início do ano — é até
agora o caso legal mais grave enfrentado pelo ex-presidente e pré-candidato
republicano ao pleito de 2024. Paradoxalmente, o efeito nas intenções de voto
dos americanos tem sido nulo, quando não favorável a Trump.
De acordo com as pesquisas mais recentes,
ele ampliou nos últimos meses seu apoio entre os republicanos: foi de 49% para
54% dos eleitores prováveis das primárias na sondagem Siena publicada pelo New
York Times. Seu principal rival, o governador da Flórida, Ron DeSantis, caiu de
26% para 17%. Enquanto isso, na disputa presidencial contra o presidente Joe
Biden, provável candidato democrata, Trump continua há meses empatado, num
embate que, se confirmada a candidatura de ambos, promete ser decidido cabeça a
cabeça.
Em tempos normais, qualquer político na
situação de Trump não teria a menor chance de concorrer à Presidência outra
vez. Pois ele não apenas deverá sair candidato, como tem chance de vencer. É uma
incógnita o que acontecerá se for eleito e estiver condenado, já que não há
nos Estados
Unidos uma lei como a da Ficha Limpa. Apenas se for julgado por
violar a 14ª Emenda da Constituição, que pune quem se envolver em rebelião ou
insurreição contra autoridades e leis federais, estará impedido de concorrer. É
uma acusação rara, até agora não levantada contra Trump. Segundo algumas
interpretações, porém, ela poderia derivar de uma condenação pela denúncia
apresentada por Smith nesta semana.
Para o procurador, Trump participou de
conspiração para fraudar os Estados Unidos, obstruir a homologação oficial dos
resultados da eleição de 2020 e privar os cidadãos de direitos civis previstos
em lei. É a primeira denúncia relativa ao período em que Trump estava na
Presidência, mais especificamente entre a eleição, em 3 de novembro de 2020, e
a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Nas duas denúncias anteriores,
ele é acusado de falsificar registros relativos ao suborno à atriz pornô Stormy
Daniels na campanha de 2016 e de irregularidades na guarda de documentos
sigilosos depois de sair da Presidência.
A denúncia desta semana é considerada mais
relevante por ter relação com a ameaça que Trump representa à democracia. Os
trumpistas consideram, porém, tudo parte de uma “caça às bruxas” promovida para
evitar a volta dele à Casa Branca e alimentam uma narrativa de vitimização que
tem contribuído para sustentar sua popularidade.
Embora a sentença nos dois primeiros casos esteja prevista para o início do ano que vem, é certo que Trump recorrerá de qualquer condenação. Portanto o julgamento das urnas deverá acontecer primeiro. É dele que, no fundo, dependerá o futuro da democracia americana.
De volta ao vermelho
Folha de S. Paulo
Déficit das contas do governo acentua
dúvidas em relação ao plano de ajuste
Era previsível que as contas do governo
federal voltariam ao vermelho, o que se confirmou no fechamento do resultado do
primeiro semestre deste 2023. Mais preocupante é que as perspectivas de
reequilíbrio permanecem nebulosas.
De acordo com o balanço do Tesouro
Nacional, as despesas primárias —com pessoal, custeio administrativo,
benefícios sociais e investimentos— superaram as
receitas em R$ 42,5 bilhões, de janeiro a julho último. Trata-se de
uma reviravolta ante o superávit de R$ 54,3 bilhões obtido em período
correspondente do ano passado.
Decerto que o saldo positivo anterior se
devia, em grande parte, a recordes temporários da arrecadação em razão da
disparada de preços do petróleo. Também é fato que as contas já mostravam
deterioração no final da gestão de Jair Bolsonaro (PL), com a ofensiva
tresloucada e malsucedida pela reeleição.
A questão, como se sabe, é que Luiz Inácio
Lula da Silva não se limitou a aumentar a despesa prevista neste ano para
contemplar a justa e necessária preservação dos novos valores do Bolsa Família
—o petista decidiu promover uma ampla elevação de programas já no início de seu
terceiro mandato.
Como resultado, os gastos do ano acabam de
serem recalculados para exorbitantes R$ 2,055 trilhões, um salto de 14% (quase
9% acima da inflação esperada) em relação ao R$ 1,802 trilhão de 2022.
Os excessos na largada acentuam as dúvidas
quanto ao plano de ajuste prometido para os próximos anos, ainda em tramitação
no Congresso. O resultado do Tesouro em junho foi pior que o
esperado por analistas; a própria projeção oficial para o déficit primário de
2023 já subiu de R$ 107,6 bilhões para R$ 145,4 bilhões.
É muito difícil crer no cumprimento do
objetivo de fechar o ano com rombo igual ou inferior a 1% do Produto Interno
Bruto (cerca de R$ 107 bilhões) e, mais ainda, na meta de equilibrar receitas e
despesas já em 2024 —principalmente porque o governo quer depender unicamente
de uma descabida escalada da arrecadação.
Será ilusão perigosa imaginar que a recente
melhora de humores no mercado e as menções favoráveis de agências de risco
significam que os temores quanto à solidez fiscal do país estejam dissipados.
Por ora, apenas saiu de cena o risco de descontrole.
Sem restaurar a credibilidade das finanças
governamentais, o país continuará tendo dificuldade em reduzir inflação e juros
de forma duradoura, comprometendo o crescimento econômico essencial para a redução
da pobreza.
Amazônia unida
Folha de S. Paulo
Cúpula da região deve tratar de temas como
desmatamento e exploração de petróleo
A cúpula da Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica começa na terça-feira (8) em Belém do Pará. Boa
oportunidade para o Itamaraty seguir com a reativação,
no âmbito regional, da liderança na pauta ambiental dilapidada
por Jair Bolsonaro (PL).
Em 2025, a capital paraense também sediará
a COP30. A trigésima edição da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima será
decisiva para enfrentar o aquecimento da atmosfera, que já produz eventos
extremos como a onda de calor em regiões do hemisfério Norte.
A maior contribuição brasileira para a
crise climática vem do desmatamento da Amazônia e do cerrado —sem contar a
devastação da mata atlântica no século anterior.
Cerca de 40% da floresta amazônica está presente em outros sete países:
Bolívia, Colômbia, Equador,
Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O
governo brasileiro se comprometeu a reduzir a zero o desmatamento até 2030, mas
convém ampliar e repartir o impacto dessa estratégia engajando os participantes
da cúpula no esforço.
Uma proposta é adotar metas comuns para
diminuir o corte raso da mata, que libera carbono na atmosfera. Nem todas as
nações amazônicas pactuaram com a diminuição de emissões florestais, mas
deveriam seguir o exemplo do maior país da América do Sul.
Há outros ruídos, como o relacionado à
exploração de petróleo, fonte de combustíveis fósseis (gasolina, diesel e gás
natural) cuja queima emite gases do efeito estufa. O presidente colombiano,
Gustavo Petro, cobra de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definição
quanto a sustar novos projetos de extração, ao menos na Amazônia.
O Planalto não se posicionou, e a Petrobras
mantém planos de perfurar poços na foz do rio Amazonas. Em maio, o Ibama
recusou licença para as obras; a estatal, porém, anunciou que vai insistir.
Não se trata de ideologia, ambientalista ou
antiambientalista, mas de tomar decisões técnicas sopesando benefícios e
malefícios da extração. Em face da ameaça representada ao clima da Terra, e em
nome da coerência com o objetivo de desmatamento zero, cabe a Brasília o ônus
da prova.
Dito de outro modo, Lula precisa convencer
a opinião pública, dentro e fora do país, de que a produção de petróleo novo é
tão imprescindível quanto conciliável com a redução das emissões brasileiras,
na medida justa e suficiente para eliminar sua contribuição às mudanças
devastadoras do clima.
O mundo precisa descarbonizar metade da economia até 2050, e nenhuma nação pode se omitir.
A Vale nos devaneios de Lula
O Estado de S. Paulo
Tomara que não seja verdade a notícia de
que o presidente quer Mantega no comando da Vale, mas é certo que Lula quer a
empresa a serviço de seus delírios desenvolvimentistas
Ganhou o noticiário de bastidores políticos
o esforço do presidente Lula da Silva para tentar emplacar o nome do notório
Guido Mantega, seu ex-ministro e escudeiro de longa data, na presidência da
Vale. Tomara que não seja verdade. Para quem se lembra do desastre lulopetista
que resultou em recessão e inflação, além de contabilidade criativa, a simples
menção ao nome de Mantega causa calafrios. Não é por outra razão que o
ex-ministro foi inabilitado pelo Tribunal de Contas da União para exercer
cargos públicos até 2030.
A hipótese de que Lula pudesse emplacar seu
velho companheiro no comando da mineradora parece improvável à primeira vista,
porque há 26 anos a companhia foi privatizada e em 2020 extinguiu o acordo de
acionistas, candidatando-se ao status de “companhia sem dono”, ou corporation,
no jargão empresarial. Seria, de fato, uma operação demasiadamente complexa,
mas factível, devido às posições diretas e indiretas que o governo ainda mantém
na Vale, além da influência do Poder Executivo.
Mas Lula quer ter poder de decisão na Vale
pelo mesmo motivo que mantém apertadas as rédeas da Petrobras: pretende usá-la
como motor do projeto desenvolvimentista que, segundo as promessas de seus
ideólogos, fará o País decolar na base de investimento dirigido pelo Estado.
Não deu certo antes e não há razão para suspeitar que dará certo agora, mas
Lula é teimoso.
Há cerca de 15 anos, durante o mandato de
Roger Agnelli na Vale, a pressão de Lula, em seu segundo governo, foi capaz de
fazer a mineradora investir bilhões de reais no setor siderúrgico, segmento do
qual a empresa havia se afastado. Agnelli, executivo concentrado no lucro, que
havia contrariado Lula na crise econômica mundial de 2008 ao demitir 1.300
funcionários, teve de engolir a ideia de construir indústrias para a fabricação
de aço. Lula defendia que a Vale exportasse produto acabado e não minério de
ferro. As duas usinas construídas foram vendidas após as gestões petistas.
Agnelli foi novamente pressionado a
encomendar, em estaleiros ainda em construção no Brasil, os graneleiros que
renovariam a frota da Vale. A indústria naval nacional nem detinha tecnologia
suficiente para obras dessa magnitude. Mas, obcecado pela reativação dos
estaleiros, Lula queria a Vale como cliente dos armadores nacionais. Exatamente
como fez com a Petrobras, quando decidiu construir localmente petroleiros e 26
sondas para o pré-sal, tendo a recém-criada Sete Brasil como intermediária.
O presidente da Vale encomendou seus navios
no exterior. Caiu em desgraça e foi afastado do cargo algum tempo depois. Para
a Petrobras, o resultado, como se sabe, foi desastroso: navios com sérios erros
de projeto, apenas quatro sondas entregues, a Sete Brasil e bancos arrastados
para um endividamento bilionário. Como cereja do bolo, operações eivadas de
corrupção. A Petrobras administra o estrago até hoje. É a prova gritante de que
a produção dirigida por projetos políticos jamais dá certo.
Mantega, já no governo Dilma, assumiu
pessoalmente o papel de “interventor informal” na Vale, que culminou com a
saída de Agnelli. Foi também o idealizador da contabilidade criativa de 2014,
que ganhou notoriedade como “pedalada fiscal” e resultou no impeachment de
Dilma.
Como presidente do Conselho de
Administração da Petrobras, referendou não apenas os programas megalomaníacos
de Lula, como também a manutenção artificial de preços de combustíveis da
gestão Dilma. Ao que parece, Lula, em sua terceira passagem pela Presidência,
vai repetir a dose, começando pelo anúncio da Petrobras, há dois meses, de que
a política de paridade com os preços internacionais, adotada para salvar a
empresa depois do desastre dilmista, foi abandonada.
Mesmo abrindo espaço para uma equipe
econômica com visão mais rigorosa sobre planejamento, Lula mantém acesa a chama
do atraso e, para tanto, valoriza todos os que corroboram suas fantasias. São
sabujos de uma fidelidade à prova de bom senso. Neste grupo está Guido Mantega
– que, como Dilma, bem que poderia assumir uma função longe do País.
A incrível educação que dispensa livros
O Estado de S. Paulo
Abolir livros didáticos do processo de
aprendizagem na rede pública avilta o bom senso, as melhores práticas e a
história. Roga-se ao governador que reverta a estultice de seu auxiliar
A partir de 2024, as crianças matriculadas
no Ensino Fundamental II das escolas estaduais de São Paulo deixarão de receber
livros didáticos, para estarrecimento deste jornal – e decerto também do
leitor. Terminado este ano letivo, os alunos do Ensino Médio da rede pública,
igualmente, terão de se avir com os estudos sem ter acesso aos tradicionais
impressos.
A estultice é obra do secretário estadual
de Educação, Renato Feder. Ao Estadão, o secretário comparou a aula a “uma
grande TV”, de modo que os livros didáticos podem ser substituídos, em sua
visão, por “slides em PowerPoint”. Os alunos que se virem “com papel e caneta,
anotando e fazendo exercícios”, ainda que essa ação corrediça lhes tire a
preciosa atenção que devem prestar aos professores. “O livro tradicional sai”,
afirmou Feder, taxativo.
É caso de perguntar, com toda a boa-fé:
alguém que expressa essa ideia do que vem a ser uma aula reúne as condições
necessárias para estar à frente da educação pública no Estado de São Paulo?
Custa crer que o governador Tarcísio de
Freitas, pessoa digna de ostentar uma formação acadêmica robusta, seguramente
amparada pelos livros aos quais teve acesso ao longo dos anos, permitirá que o
desatino de seu auxiliar prospere. As crianças e os adolescentes que dependem
da educação pública paulista para se tornarem cidadãos mais bem preparados para
a vida não merecem isso. A bem da verdade, nenhuma criança ou adolescente
merece ser vítima de tamanha irresponsabilidade.
Com uma infeliz canetada, o secretário de
Educação, que deveria ser o primeiro a se preocupar com a formação integral dos
alunos matriculados na rede pública do Estado, pôs abaixo um processo de
aprendizagem que há tempos imemoriais tem formado gerações de indivíduos mundo
afora, muitos dos quais se destacaram nas mais variadas áreas do conhecimento.
Contudo, na visão revolucionária de Feder para a educação, digamos assim, os
slides seriam “mais assertivos” que os livros.
As justificativas do sr. Feder para a recusa
inédita da oferta de 10 milhões de livros do Programa Nacional do Livro e do
Material Didático (PNLD) não param de pé. Algumas seriam risíveis não fossem
tão trágicas, como, por exemplo, a explicação segundo a qual os livros precisam
ser substituídos pelo PowerPoint a fim de “não dar dois comandos” aos
professores. Estes poderiam ficar desorientados entre o curso contido no livro
didático e o material digital. Ora, se há professor na rede estadual incapaz
desse discernimento, a rigor, nem deveria estar em sala de aula, pois é
absolutamente desqualificado para o magistério.
A precariedade das motivações do secretário
para abolir os livros didáticos em São Paulo autoriza a inferência de que, com
a medida, ele pretende evitar que os alunos da rede pública tenham contato com
temas e reflexões suscitados pelos livros; ou o sr. Feder tem outros objetivos
que não a boa formação dos alunos, da qual o material digital é mero suporte.
Talvez esteja mais preocupado em melhorar os indicadores do Estado no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), entre outros sistemas de avaliação
de aprendizagem de crianças e adolescentes. Nesse sentido, os tais slides
serviriam como espécie de “apostila” para que os alunos se saiam bem nas
provas. Só isso.
Se o secretário quer melhorar a educação
pública, e oxalá seja este seu genuíno intuito, o caminho para isso é
relativamente simples. Educação não é uma trama complicada. O professor ensina,
os alunos aprendem. E isso em um ambiente seguro e acolhedor, que ofereça as
condições mínimas para que esse processo transcorra bem, vale dizer, com
professores capacitados e motivados para exercer o ofício, escolas em condições
dignas de receber a comunidade e material didático preparado de acordo com
critérios muito rigorosos, como é o caso dos livros que compõem o PNLD.
A medida do governo estadual é tão disparatada que chega a ser constrangedor para este jornal ver-se obrigado a fazer uma defesa expressa do valor inestimável dos livros didáticos para a evolução humana. Mas, se é assim, que seja.
O fim de uma vergonha
O Estado de S. Paulo
STF corrige erro histórico ao declarar inconstitucional a tese da legítima defesa da honra
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou
em caráter definitivo a deplorável tese jurídica da legítima defesa da honra.
Argumento medieval e expressão bem acabada do patriarcalismo da sociedade
brasileira, o conceito serviu como escudo para a desenfreada violência de
homens contra mulheres ao induzir a absolvição dos agressores. A decisão
unânime dos ministros da Corte, respaldada pela avaliação clara e veemente de
inconstitucionalidade da tese, desfaz um dos mais aviltantes erros históricos
do ordenamento jurídico do País.
Entretanto, por mais meritória que essa
correção seja, torna-se inevitável questionar a razão de sua demora que, ao
longo de cinco séculos, resultou na impunidade de crimes contra mulheres. Causa
estranheza o Supremo ter demorado dois anos para julgar o mérito de sua própria
decisão liminar de banir o uso de tal argumento na fase investigativa e no
processo penal de agressões e assassinatos de mulheres. Em especial, porque não
há senões na Constituição de 1988, que considera homens e mulheres iguais em
direitos e obrigações e lhes confere direito à dignidade, à vida e à igualdade
de gênero. Tais preceitos basilares respaldam o relatório do ministro Dias
Toffoli, reiterado por seus nove colegas, sobre a inconstitucionalidade da
tese.
Essa demora de dois anos certamente não é a
mais grave, dado o fato de a liminar de 2021 ter, por si só, anulado o efeito
da tese da legítima defesa da honra em julgamentos de feminicídios e agressões.
Maior surpresa e indignação surge quando se constata a ausência de provocação
externa à Corte máxima entre 1988 e 2021, seja por partidos políticos ou pela
sociedade civil organizada, enquanto esse argumento continuava a ser apregoado
pela defesa de agressores e assassinos em tribunais do júri – não raro, com
força para absolver ou reduzir a pena de criminosos.
Houve clara negligência da sociedade
brasileira desde, pelo menos, 1988. Terá se acentuado depois de 2006, quando a
Lei Maria da Penha corretamente – igualmente com atraso – criminalizou a
violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher e deu as diretrizes para o
Estado brasileiro atuar na prevenção e na punição de agressores. Por fim, há de
se considerar o fato de que o Código Penal não ampara a tese abjeta, nem mesmo
subjetivamente, desde 1940. A iniciativa do PDT de provocar o STF a colocar um
entendimento final sobre essa questão, portanto, merece ser louvada.
Como presidente e ministra do STF, a jurista Rosa Weber deu inestimável contribuição ao Brasil ao pautar e conduzir o julgamento do mérito de uma tese autoritária e motivadora da misoginia, do machismo e da discriminação. A decisão do último dia 1.º de agosto corrige o mal histórico provocado pela tradição da honorabilidade e pela abominável concepção de que o corpo e a vida da mulher, como se fosse um ser subalterno, pertencem ao homem. Se tais preceitos continuam a se reproduzir nesta sociedade ainda refém de seus ranços patriarcais, de agora em diante não terão mais eco na Justiça.
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