quinta-feira, 3 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

BC inicia ciclo de queda dos juros com corte de 0,5 ponto

Valor Econômico

Voto de Campos Neto normaliza a nova realidade: os diretores, afinal, divergem e isso não é ruim

O Banco Central deu início ontem ao ciclo de baixa dos juros com um corte significativo de 0,5 ponto percentual e sinal de nova redução da mesma magnitude na próxima reunião. O tamanho do corte, de 0,25 ou 0,50 ponto, não era a única dúvida dos investidores. A outra, igualmente delicada, era sobre como os novos indicados para a diretoria de Política Monetária, Gabriel Galípolo e de Fiscalização, Ailton Aquino, abririam divergência com a ala mais ortodoxa do Banco Central, como seria expressa no comunicado do Copom suas posições e qual seria a atitude do colegiado. Galípolo e Aquino defenderam o corte de 0,5%, mas foram apoiados pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto e mais os diretores Carolina Barros e Otávio Damaso. A decisão foi apertada: 5 a 4. O diretor de Política Econômica, Diego Guillen, a diretora de Assuntos Internacionais, Fernanda Guardado e mais dois diretores votaram por ajuste mais moderado, de 0,25 ponto percentual.

O Copom começou nesta reunião a mirar 2025 como parte do horizonte relevante para a política monetária. No cenário de referência do Banco Central, a inflação de 2025 já se encontra no centro da meta, e é menor do que os 3,5% registrados no último boletim Focus. A diferença em relação a 2024 não é pequena: o BC vê um IPCA de 3,4% e o Focus, de 3,9%. “O Comitê avalia que a melhora do quadro inflacionário, refletindo em parte os impactos defasados da política monetária, aliada à queda das expectativas de inflação para prazos mais longos, após decisão recente do Conselho Monetário Nacional sobre a meta para a inflação, permitiram acumular a confiança necessária para iniciar um ciclo gradual de flexibilização monetária”, afirma o comunicado.

Os fatores do balanço de riscos mudaram. Agora são dois de alta e dois de baixa, ante três do comunicado anterior. Saíram de cena duas cogitações altistas relevantes para o IPCA. A primeira delas, mencionada no comunicado anterior, foi a incerteza “residual” sobre o desenho do novo regime fiscal e seu impacto sobre as expectativas inflacionárias. A segunda, igualmente relevante, foi a “desancoragem maior ou mais duradoura” dessas expectativas. Entre os fatores de baixa, sumiu do comunicado a queda adicional das commodities em moeda local, que ainda continua a agir diante da valorização do real e sua persistência na faixa dos R$ 4,70 a R$ 4,80.

Na nova configuração do balanço de riscos são citadas, como altista para a inflação a maior persistência das pressões inflacionárias globais. Ela, no entanto, pode infletir, como sugerem a deflação observada em julho na zona do euro e a recente queda importante da inflação nos Estados Unidos. O segundo risco de alta é doméstico: a maior resistência na inflação de serviços “em função de um hiato do produto mais apertado”.

O BC já havia se debruçado sobre o hiato do produto em reuniões anteriores. O Fundo Monetário Internacional, em sua revisão anual da economia brasileira, acredita que ela já cresce acima de seu potencial há algum tempo. Para o Fundo, o balanço de risco doméstico tende, por isso, a ser negativo para a inflação. A pesquisa que o Copom faz com consultorias e bancos aponta um resultado na mesma linha, com variação de 0,2% a 1% além do potencial. O FMI prevê 0,9% para o ano (Valor, 1 de agosto).

Os elementos de risco de baixa da inflação, por outro lado, são externos. Foi mantida a possibilidade de uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em função de condições adversas no sistema financeiro global. Porém, as últimas projeções do FMI e os dados de atividade da zona do euro e dos EUA mostram que haverá redução do crescimento, mas não imprevista. As “condições adversas” do sistema financeiro, que entraram no cenário após a quebra de bancos regionais americanos, arrefeceram e uma crise de grandes proporções no setor parecem remotas.

Outro fator baixista seria um impacto mais contundente do que o antevisto da alta de juros sobre a desinflação global, hipótese que deve perder força diante da possível pausa que tanto o Banco Central Europeu como o Federal Reserve sinalizaram após suas mais recentes reuniões, indicando a proximidade do fim do ciclo de alta dos juros.

A atitude de Campos Neto, de votar com os dois novos diretores que defenderam cortes maiores, em primeiro lugar preserva formalmente a instituição de uma divisão em alas contrárias e irredutíveis. Insinua também que os argumentos favoráveis a um corte maior eram convincentes diante de uma taxa Selic que torna-se cada vez mais asfixiante à medida que a inflação declina - essa divisão reflete a do próprio mercado sobre o tamanho do corte. Além disso, o voto de Campos Neto normaliza a nova realidade, comum em bancos centrais independentes: os diretores, afinal, divergem e isso não é ruim.

O comunicado explicita a conciliação: ressalta a “melhora do quadro inflacionário” e, ao mesmo tempo, reforça o “firme objetivo de manter uma política monetária contracionista para a reancoragem das expectativas”.

Ação policial na Baixada Santista deve ser investigada

O Globo

Por mais que seja necessário combater crime organizado, não dá para julgar operação com tantos mortos um sucesso

É inaceitável o que aconteceu com dois policiais da Rota, grupo de elite da PM paulista, atacados covardemente quando faziam patrulhamento numa comunidade do Guarujá, na Baixada Santista. O soldado Patrick Bastos Reis, de 30 anos, morreu depois de levar um tiro no peito, disparado por um atirador do tráfico a mais de 50 metros. O cabo Fabiano Oliveira Marin Alfaya se recupera de um disparo na mão esquerda. Compreende-se a indignação que tomou conta não só da corporação policial, mas de toda a sociedade, diante de mais uma afronta do crime organizado. Nos últimos dias, outros policiais foram baleados no exercício de sua profissão. A reação à barbárie não pode, contudo, ser contaminada pelo sentimento de vingança.

É dever da polícia e da Justiça investigar o que aconteceu, identificar os criminosos e puni-los (o suspeito de ter matado o soldado da PM está preso). Mas a resposta precisa ser dada dentro dos limites estritos da lei. As operações de repressão ao tráfico e ao crime organizado na Baixada Santista deflagradas depois do ataque já deixaram ao menos 16 mortos — número que pode subir.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse estar “extremamente satisfeito com a ação da polícia” e “extremamente triste com o que aconteceu, porque nada vai trazer um pai de família de volta”. Primeiro negou que tenha havido qualquer ação desmedida dos policiais, para depois afirmar que “excessos” serão apurados. É bom que sejam. Por mais que a polícia tenha detido suspeitos e apreendido quantidades consideráveis de drogas e armas, não se pode considerar satisfatória uma ação com tantos mortos. “Não é uma operação que satisfaça ninguém”, disse ao Jornal Nacional a presidente da OAB-SP, Patricia Vanzolini. “É possível que ela seja justificada, é possível até que estivesse dentro da legalidade. Agora, não é possível que seja considerada algo cotidiano, algo normal, muito menos algo satisfatório. Não dá para dizer que é um êxito de segurança pública.” Existem, diz ela, mecanismos de inteligência não letais para atingir os objetivos de segurança pública.

A ouvidoria policial paulista apura denúncias de violações nas ações, e entidades de defesa dos direitos humanos têm pedido transparência na investigação. É importante lembrar que os policiais paulistas trabalham com câmeras nas fardas. Só uma investigação exaustiva e transparente — com divulgação das imagens gravadas — será capaz de dirimir dúvidas que pairem sobre a legalidade de seus atos.

São Paulo tem apresentado há anos os melhores indicadores de segurança do país — 8,4 mortes violentas por 100 mil habitantes, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Obteve tal resultado com um dos mais baixos índices de letalidade policial (0,9 morte por 100 mil habitantes, atrás apenas de Distrito Federal, Santa Catarina e Minas Gerais). Para efeito de comparação, a taxa no Rio de Janeiro é 8,3; na Bahia, 10,4. Seria um retrocesso se o combate ao crime organizado trouxesse de volta ao estado os tempos em que a polícia era conhecida pela truculência, e não pela eficiência.

As ações no Guarujá precisam ser apuradas sem paixões nem corporativismo. Mesmo tendo saído em defesa da polícia, o próprio governador prometeu isso. É a postura correta. Por enquanto, é prematura qualquer conclusão. Se ficar comprovado que houve abusos, que os responsáveis sejam punidos com rigor, como manda a lei.

Nova denúncia é caso jurídico mais grave enfrentado por Donald Trump

O Globo

Paradoxalmente, o efeito nas intenções de voto tem sido nulo, ou mesmo favorável ao ex-presidente

A denúncia apresentada em Washington pelo procurador especial Jack Smith contra Donald Trump na terça-feira — a terceira que o tem como alvo desde o início do ano — é até agora o caso legal mais grave enfrentado pelo ex-presidente e pré-candidato republicano ao pleito de 2024. Paradoxalmente, o efeito nas intenções de voto dos americanos tem sido nulo, quando não favorável a Trump.

De acordo com as pesquisas mais recentes, ele ampliou nos últimos meses seu apoio entre os republicanos: foi de 49% para 54% dos eleitores prováveis das primárias na sondagem Siena publicada pelo New York Times. Seu principal rival, o governador da Flórida, Ron DeSantis, caiu de 26% para 17%. Enquanto isso, na disputa presidencial contra o presidente Joe Biden, provável candidato democrata, Trump continua há meses empatado, num embate que, se confirmada a candidatura de ambos, promete ser decidido cabeça a cabeça.

Em tempos normais, qualquer político na situação de Trump não teria a menor chance de concorrer à Presidência outra vez. Pois ele não apenas deverá sair candidato, como tem chance de vencer. É uma incógnita o que acontecerá se for eleito e estiver condenado, já que não há nos Estados Unidos uma lei como a da Ficha Limpa. Apenas se for julgado por violar a 14ª Emenda da Constituição, que pune quem se envolver em rebelião ou insurreição contra autoridades e leis federais, estará impedido de concorrer. É uma acusação rara, até agora não levantada contra Trump. Segundo algumas interpretações, porém, ela poderia derivar de uma condenação pela denúncia apresentada por Smith nesta semana.

Para o procurador, Trump participou de conspiração para fraudar os Estados Unidos, obstruir a homologação oficial dos resultados da eleição de 2020 e privar os cidadãos de direitos civis previstos em lei. É a primeira denúncia relativa ao período em que Trump estava na Presidência, mais especificamente entre a eleição, em 3 de novembro de 2020, e a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Nas duas denúncias anteriores, ele é acusado de falsificar registros relativos ao suborno à atriz pornô Stormy Daniels na campanha de 2016 e de irregularidades na guarda de documentos sigilosos depois de sair da Presidência.

A denúncia desta semana é considerada mais relevante por ter relação com a ameaça que Trump representa à democracia. Os trumpistas consideram, porém, tudo parte de uma “caça às bruxas” promovida para evitar a volta dele à Casa Branca e alimentam uma narrativa de vitimização que tem contribuído para sustentar sua popularidade.

Embora a sentença nos dois primeiros casos esteja prevista para o início do ano que vem, é certo que Trump recorrerá de qualquer condenação. Portanto o julgamento das urnas deverá acontecer primeiro. É dele que, no fundo, dependerá o futuro da democracia americana.

De volta ao vermelho

Folha de S. Paulo

Déficit das contas do governo acentua dúvidas em relação ao plano de ajuste

Era previsível que as contas do governo federal voltariam ao vermelho, o que se confirmou no fechamento do resultado do primeiro semestre deste 2023. Mais preocupante é que as perspectivas de reequilíbrio permanecem nebulosas.

De acordo com o balanço do Tesouro Nacional, as despesas primárias —com pessoal, custeio administrativo, benefícios sociais e investimentos— superaram as receitas em R$ 42,5 bilhões, de janeiro a julho último. Trata-se de uma reviravolta ante o superávit de R$ 54,3 bilhões obtido em período correspondente do ano passado.

Decerto que o saldo positivo anterior se devia, em grande parte, a recordes temporários da arrecadação em razão da disparada de preços do petróleo. Também é fato que as contas já mostravam deterioração no final da gestão de Jair Bolsonaro (PL), com a ofensiva tresloucada e malsucedida pela reeleição.

A questão, como se sabe, é que Luiz Inácio Lula da Silva não se limitou a aumentar a despesa prevista neste ano para contemplar a justa e necessária preservação dos novos valores do Bolsa Família —o petista decidiu promover uma ampla elevação de programas já no início de seu terceiro mandato.

Como resultado, os gastos do ano acabam de serem recalculados para exorbitantes R$ 2,055 trilhões, um salto de 14% (quase 9% acima da inflação esperada) em relação ao R$ 1,802 trilhão de 2022.

Os excessos na largada acentuam as dúvidas quanto ao plano de ajuste prometido para os próximos anos, ainda em tramitação no Congresso. O resultado do Tesouro em junho foi pior que o esperado por analistas; a própria projeção oficial para o déficit primário de 2023 já subiu de R$ 107,6 bilhões para R$ 145,4 bilhões.

É muito difícil crer no cumprimento do objetivo de fechar o ano com rombo igual ou inferior a 1% do Produto Interno Bruto (cerca de R$ 107 bilhões) e, mais ainda, na meta de equilibrar receitas e despesas já em 2024 —principalmente porque o governo quer depender unicamente de uma descabida escalada da arrecadação.

Será ilusão perigosa imaginar que a recente melhora de humores no mercado e as menções favoráveis de agências de risco significam que os temores quanto à solidez fiscal do país estejam dissipados. Por ora, apenas saiu de cena o risco de descontrole.

Sem restaurar a credibilidade das finanças governamentais, o país continuará tendo dificuldade em reduzir inflação e juros de forma duradoura, comprometendo o crescimento econômico essencial para a redução da pobreza.

Amazônia unida

Folha de S. Paulo

Cúpula da região deve tratar de temas como desmatamento e exploração de petróleo

A cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica começa na terça-feira (8) em Belém do Pará. Boa oportunidade para o Itamaraty seguir com a reativação, no âmbito regional, da liderança na pauta ambiental dilapidada por Jair Bolsonaro (PL).

Em 2025, a capital paraense também sediará a COP30. A trigésima edição da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima será decisiva para enfrentar o aquecimento da atmosfera, que já produz eventos extremos como a onda de calor em regiões do hemisfério Norte.

A maior contribuição brasileira para a crise climática vem do desmatamento da Amazônia e do cerrado —sem contar a devastação da mata atlântica no século anterior.
Cerca de 40% da floresta amazônica está presente em outros sete países: Bolívia, Colômbia, Equador,

Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O governo brasileiro se comprometeu a reduzir a zero o desmatamento até 2030, mas convém ampliar e repartir o impacto dessa estratégia engajando os participantes da cúpula no esforço.

Uma proposta é adotar metas comuns para diminuir o corte raso da mata, que libera carbono na atmosfera. Nem todas as nações amazônicas pactuaram com a diminuição de emissões florestais, mas deveriam seguir o exemplo do maior país da América do Sul.

Há outros ruídos, como o relacionado à exploração de petróleo, fonte de combustíveis fósseis (gasolina, diesel e gás natural) cuja queima emite gases do efeito estufa. O presidente colombiano, Gustavo Petro, cobra de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definição quanto a sustar novos projetos de extração, ao menos na Amazônia.

O Planalto não se posicionou, e a Petrobras mantém planos de perfurar poços na foz do rio Amazonas. Em maio, o Ibama recusou licença para as obras; a estatal, porém, anunciou que vai insistir.

Não se trata de ideologia, ambientalista ou antiambientalista, mas de tomar decisões técnicas sopesando benefícios e malefícios da extração. Em face da ameaça representada ao clima da Terra, e em nome da coerência com o objetivo de desmatamento zero, cabe a Brasília o ônus da prova.

Dito de outro modo, Lula precisa convencer a opinião pública, dentro e fora do país, de que a produção de petróleo novo é tão imprescindível quanto conciliável com a redução das emissões brasileiras, na medida justa e suficiente para eliminar sua contribuição às mudanças devastadoras do clima.

O mundo precisa descarbonizar metade da economia até 2050, e nenhuma nação pode se omitir.

A Vale nos devaneios de Lula

O Estado de S. Paulo

Tomara que não seja verdade a notícia de que o presidente quer Mantega no comando da Vale, mas é certo que Lula quer a empresa a serviço de seus delírios desenvolvimentistas

Ganhou o noticiário de bastidores políticos o esforço do presidente Lula da Silva para tentar emplacar o nome do notório Guido Mantega, seu ex-ministro e escudeiro de longa data, na presidência da Vale. Tomara que não seja verdade. Para quem se lembra do desastre lulopetista que resultou em recessão e inflação, além de contabilidade criativa, a simples menção ao nome de Mantega causa calafrios. Não é por outra razão que o ex-ministro foi inabilitado pelo Tribunal de Contas da União para exercer cargos públicos até 2030.

A hipótese de que Lula pudesse emplacar seu velho companheiro no comando da mineradora parece improvável à primeira vista, porque há 26 anos a companhia foi privatizada e em 2020 extinguiu o acordo de acionistas, candidatando-se ao status de “companhia sem dono”, ou corporation, no jargão empresarial. Seria, de fato, uma operação demasiadamente complexa, mas factível, devido às posições diretas e indiretas que o governo ainda mantém na Vale, além da influência do Poder Executivo.

Mas Lula quer ter poder de decisão na Vale pelo mesmo motivo que mantém apertadas as rédeas da Petrobras: pretende usá-la como motor do projeto desenvolvimentista que, segundo as promessas de seus ideólogos, fará o País decolar na base de investimento dirigido pelo Estado. Não deu certo antes e não há razão para suspeitar que dará certo agora, mas Lula é teimoso.

Há cerca de 15 anos, durante o mandato de Roger Agnelli na Vale, a pressão de Lula, em seu segundo governo, foi capaz de fazer a mineradora investir bilhões de reais no setor siderúrgico, segmento do qual a empresa havia se afastado. Agnelli, executivo concentrado no lucro, que havia contrariado Lula na crise econômica mundial de 2008 ao demitir 1.300 funcionários, teve de engolir a ideia de construir indústrias para a fabricação de aço. Lula defendia que a Vale exportasse produto acabado e não minério de ferro. As duas usinas construídas foram vendidas após as gestões petistas.

Agnelli foi novamente pressionado a encomendar, em estaleiros ainda em construção no Brasil, os graneleiros que renovariam a frota da Vale. A indústria naval nacional nem detinha tecnologia suficiente para obras dessa magnitude. Mas, obcecado pela reativação dos estaleiros, Lula queria a Vale como cliente dos armadores nacionais. Exatamente como fez com a Petrobras, quando decidiu construir localmente petroleiros e 26 sondas para o pré-sal, tendo a recém-criada Sete Brasil como intermediária.

O presidente da Vale encomendou seus navios no exterior. Caiu em desgraça e foi afastado do cargo algum tempo depois. Para a Petrobras, o resultado, como se sabe, foi desastroso: navios com sérios erros de projeto, apenas quatro sondas entregues, a Sete Brasil e bancos arrastados para um endividamento bilionário. Como cereja do bolo, operações eivadas de corrupção. A Petrobras administra o estrago até hoje. É a prova gritante de que a produção dirigida por projetos políticos jamais dá certo.

Mantega, já no governo Dilma, assumiu pessoalmente o papel de “interventor informal” na Vale, que culminou com a saída de Agnelli. Foi também o idealizador da contabilidade criativa de 2014, que ganhou notoriedade como “pedalada fiscal” e resultou no impeachment de Dilma.

Como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, referendou não apenas os programas megalomaníacos de Lula, como também a manutenção artificial de preços de combustíveis da gestão Dilma. Ao que parece, Lula, em sua terceira passagem pela Presidência, vai repetir a dose, começando pelo anúncio da Petrobras, há dois meses, de que a política de paridade com os preços internacionais, adotada para salvar a empresa depois do desastre dilmista, foi abandonada.

Mesmo abrindo espaço para uma equipe econômica com visão mais rigorosa sobre planejamento, Lula mantém acesa a chama do atraso e, para tanto, valoriza todos os que corroboram suas fantasias. São sabujos de uma fidelidade à prova de bom senso. Neste grupo está Guido Mantega – que, como Dilma, bem que poderia assumir uma função longe do País.

A incrível educação que dispensa livros

O Estado de S. Paulo

Abolir livros didáticos do processo de aprendizagem na rede pública avilta o bom senso, as melhores práticas e a história. Roga-se ao governador que reverta a estultice de seu auxiliar

A partir de 2024, as crianças matriculadas no Ensino Fundamental II das escolas estaduais de São Paulo deixarão de receber livros didáticos, para estarrecimento deste jornal – e decerto também do leitor. Terminado este ano letivo, os alunos do Ensino Médio da rede pública, igualmente, terão de se avir com os estudos sem ter acesso aos tradicionais impressos.

A estultice é obra do secretário estadual de Educação, Renato Feder. Ao Estadão, o secretário comparou a aula a “uma grande TV”, de modo que os livros didáticos podem ser substituídos, em sua visão, por “slides em PowerPoint”. Os alunos que se virem “com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios”, ainda que essa ação corrediça lhes tire a preciosa atenção que devem prestar aos professores. “O livro tradicional sai”, afirmou Feder, taxativo.

É caso de perguntar, com toda a boa-fé: alguém que expressa essa ideia do que vem a ser uma aula reúne as condições necessárias para estar à frente da educação pública no Estado de São Paulo?

Custa crer que o governador Tarcísio de Freitas, pessoa digna de ostentar uma formação acadêmica robusta, seguramente amparada pelos livros aos quais teve acesso ao longo dos anos, permitirá que o desatino de seu auxiliar prospere. As crianças e os adolescentes que dependem da educação pública paulista para se tornarem cidadãos mais bem preparados para a vida não merecem isso. A bem da verdade, nenhuma criança ou adolescente merece ser vítima de tamanha irresponsabilidade.

Com uma infeliz canetada, o secretário de Educação, que deveria ser o primeiro a se preocupar com a formação integral dos alunos matriculados na rede pública do Estado, pôs abaixo um processo de aprendizagem que há tempos imemoriais tem formado gerações de indivíduos mundo afora, muitos dos quais se destacaram nas mais variadas áreas do conhecimento. Contudo, na visão revolucionária de Feder para a educação, digamos assim, os slides seriam “mais assertivos” que os livros.

As justificativas do sr. Feder para a recusa inédita da oferta de 10 milhões de livros do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) não param de pé. Algumas seriam risíveis não fossem tão trágicas, como, por exemplo, a explicação segundo a qual os livros precisam ser substituídos pelo PowerPoint a fim de “não dar dois comandos” aos professores. Estes poderiam ficar desorientados entre o curso contido no livro didático e o material digital. Ora, se há professor na rede estadual incapaz desse discernimento, a rigor, nem deveria estar em sala de aula, pois é absolutamente desqualificado para o magistério.

A precariedade das motivações do secretário para abolir os livros didáticos em São Paulo autoriza a inferência de que, com a medida, ele pretende evitar que os alunos da rede pública tenham contato com temas e reflexões suscitados pelos livros; ou o sr. Feder tem outros objetivos que não a boa formação dos alunos, da qual o material digital é mero suporte. Talvez esteja mais preocupado em melhorar os indicadores do Estado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), entre outros sistemas de avaliação de aprendizagem de crianças e adolescentes. Nesse sentido, os tais slides serviriam como espécie de “apostila” para que os alunos se saiam bem nas provas. Só isso.

Se o secretário quer melhorar a educação pública, e oxalá seja este seu genuíno intuito, o caminho para isso é relativamente simples. Educação não é uma trama complicada. O professor ensina, os alunos aprendem. E isso em um ambiente seguro e acolhedor, que ofereça as condições mínimas para que esse processo transcorra bem, vale dizer, com professores capacitados e motivados para exercer o ofício, escolas em condições dignas de receber a comunidade e material didático preparado de acordo com critérios muito rigorosos, como é o caso dos livros que compõem o PNLD.

A medida do governo estadual é tão disparatada que chega a ser constrangedor para este jornal ver-se obrigado a fazer uma defesa expressa do valor inestimável dos livros didáticos para a evolução humana. Mas, se é assim, que seja.

O fim de uma vergonha

O Estado de S. Paulo

STF corrige erro histórico ao declarar inconstitucional a tese da legítima defesa da honra

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou em caráter definitivo a deplorável tese jurídica da legítima defesa da honra. Argumento medieval e expressão bem acabada do patriarcalismo da sociedade brasileira, o conceito serviu como escudo para a desenfreada violência de homens contra mulheres ao induzir a absolvição dos agressores. A decisão unânime dos ministros da Corte, respaldada pela avaliação clara e veemente de inconstitucionalidade da tese, desfaz um dos mais aviltantes erros históricos do ordenamento jurídico do País.

Entretanto, por mais meritória que essa correção seja, torna-se inevitável questionar a razão de sua demora que, ao longo de cinco séculos, resultou na impunidade de crimes contra mulheres. Causa estranheza o Supremo ter demorado dois anos para julgar o mérito de sua própria decisão liminar de banir o uso de tal argumento na fase investigativa e no processo penal de agressões e assassinatos de mulheres. Em especial, porque não há senões na Constituição de 1988, que considera homens e mulheres iguais em direitos e obrigações e lhes confere direito à dignidade, à vida e à igualdade de gênero. Tais preceitos basilares respaldam o relatório do ministro Dias Toffoli, reiterado por seus nove colegas, sobre a inconstitucionalidade da tese.

Essa demora de dois anos certamente não é a mais grave, dado o fato de a liminar de 2021 ter, por si só, anulado o efeito da tese da legítima defesa da honra em julgamentos de feminicídios e agressões. Maior surpresa e indignação surge quando se constata a ausência de provocação externa à Corte máxima entre 1988 e 2021, seja por partidos políticos ou pela sociedade civil organizada, enquanto esse argumento continuava a ser apregoado pela defesa de agressores e assassinos em tribunais do júri – não raro, com força para absolver ou reduzir a pena de criminosos.

Houve clara negligência da sociedade brasileira desde, pelo menos, 1988. Terá se acentuado depois de 2006, quando a Lei Maria da Penha corretamente – igualmente com atraso – criminalizou a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher e deu as diretrizes para o Estado brasileiro atuar na prevenção e na punição de agressores. Por fim, há de se considerar o fato de que o Código Penal não ampara a tese abjeta, nem mesmo subjetivamente, desde 1940. A iniciativa do PDT de provocar o STF a colocar um entendimento final sobre essa questão, portanto, merece ser louvada.

Como presidente e ministra do STF, a jurista Rosa Weber deu inestimável contribuição ao Brasil ao pautar e conduzir o julgamento do mérito de uma tese autoritária e motivadora da misoginia, do machismo e da discriminação. A decisão do último dia 1.º de agosto corrige o mal histórico provocado pela tradição da honorabilidade e pela abominável concepção de que o corpo e a vida da mulher, como se fosse um ser subalterno, pertencem ao homem. Se tais preceitos continuam a se reproduzir nesta sociedade ainda refém de seus ranços patriarcais, de agora em diante não terão mais eco na Justiça.

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