Valor Econômico
Contração do estoque de moeda nos EUA foi
mais forte que no Reino Unido
Um nome muito conhecido nos bastidores da
economia é Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central dos EUA (Fed), que
presidiu a autoridade monetária entre 1979 e 1987. Apesar de Volcker ter feito
algumas críticas ao monetarista Milton Friedman, ele é conhecido como herói por
ter acabado com o período de elevada inflação nos EUA, período conhecido como
estagflação, por meio do uso do receituário monetarista proposto por Friedman.
No final da década de 70, o Fed reduziu em uma
velocidade acelerada a quantidade de moeda na economia, fazendo com que a taxa
de juros subisse de 10,94%, em agosto de 1979 (ano em que Volcker assumiu o
Fed), para 13,78% em dezembro de 1979, e 18,9% no final de 1980. Essa política
monetária arrastou a economia norte-americana e do mundo para uma rápida, porém
severa, recessão que logo foi debelada com a queda da inflação e consequente
queda da taxa de juros.
O clima de incerteza política, com toques de irresponsabilidade, causou um pânico no mercado financeiro britânico e mundial, o que forçou o BoE a anunciar uma expansão no estoque de moeda, num momento em que os juros disparavam e a libra derretia
Uma história menos heroica e conhecida
sobre Volcker tem uma relação contemporânea com a política monetária praticada
no Reino Unido em setembro de 2022. Esse foi um ultraje ao monetarismo. Esse
ultraje tem início no ano das eleições presidenciais dos EUA de 1980. Nesse
ano, por motivos políticos, o Fed iniciou um processo de afrouxamento monetário
durante os meses que antecederam as eleições, em um período em que o Fed,
teoricamente, estava fazendo uma política contracionista. Entre abril e julho
de 1980, a taxa de juros despencou de 17,61% para 9,03%. Essa manobra política,
que, às vezes, não é muito circulada em livros de economia, provocou uma
reaceleração da inflação e, posteriormente, o Fed teve que elevar as taxas de
juros para patamares muito maiores do que antes. Um erro que custou muito caro.
Vamos voltar ao ano de 2022.
No pós-pandemia, o Banco Central da
Inglaterra (BoE) cometeu outro ultraje ao monetarismo. Mas, no caso da
autoridade britânica, a motivação era mais nobre, comparada à decisão do Fed em
1980. Em artigo publicado no Valor em
30/08/2022, foi defendida a hipótese de que o retorno da inflação no mundo
desenvolvido, no pós-covid-19, era causado por excesso de moeda. Em junho de
2022, os bancos centrais dos EUA e Reino Unido tinham a tarefa de lidar com uma
inflação anual de 9,1% e 8,2%, respectivamente. Era a maior variação de preços
em décadas. Essa inflação remetia ao início do período de Volcker no Fed.
Para combater esse aumento da inflação, os
bancos centrais começaram a apertar a política monetária. No início de 2022, as
taxas de juros básicas dos bancos centrais supracitados estavam próximas de
zero. Em junho de 2023, o limite inferior da taxa nos EUA estava em 5% e, no
Reino Unido, a taxa básica de juros subiu para 5%. A despeito do aperto
monetário, os preços não se comportaram de forma equivalente no velho e no novo
continente. Os dados de maio de 2023 mostram que a inflação, medida pelo índice
de preços ao consumidor, despencou para 4% nos EUA, mas no caso britânico ela
acelerou e estava em 8,7%. O que houve com a economia britânica?
A teoria keynesiana, que explica a inflação
por choques de oferta e de demanda, não encontrou respaldo nos dados. A
argumentação sobre o choque de oferta perdeu força, uma vez que os preços das
commodities no mundo estão operando a patamares inferiores ao início da guerra
na Ucrânia e, inclusive, em muitos casos, inferiores aos patamares do
pré-covid-19. A argumentação do choque de demanda também é fraca, pois a
evolução da taxa de desemprego foi similar no velho e no novo continente em
todo o ano de 2022 e nos primeiros meses de 2023. Além disso, existe uma
desaceleração econômica no mundo e principalmente no Reino Unido.
Então, como explicar o comportamento
distinto da evolução dos preços nas duas nações? O ultraje ao monetarismo é uma
possível resposta. Os dados sobre a evolução do estoque de moeda, em termos
nominais, contam uma parte da história. Entre abril de 2022 (início do aperto
monetário) e abril de 2023 (último mês com disponibilidade de dados), o M1 caiu
9,8% nos EUA e apenas 3,3% no Reino Unido. Com relação aos meios de pagamento
amplos, M2 e M3, eles caíram 5% nos EUA e ficaram constantes no Reino Unido.
Apesar de os dados mostrarem uma contração
maior no estoque de moeda nominal nos EUA, o Reino Unido também praticou uma
política restritiva. Mas a economia britânica passou por um episódio que não é
possível visualizar na evolução do estoque de moeda com referência a abril de
2022 e a abril de 2023. Esse episódio obrigou o BoE, no ano de 2022, a copiar o
Fed de 1980. Em um clima de incerteza política, com toques de
irresponsabilidade econômica, o Reino Unido teve três primeiros-ministros entre
os meses de setembro e outubro de 2022. Esse clima causou um pânico no mercado
financeiro britânico e mundial, o que forçou o BoE a anunciar uma enorme
expansão no estoque de moeda, num momento em que as taxas de juros disparavam e
a libra esterlina derretia.
A autoridade monetária britânica não
publica dados diários dos agregados monetários, no entanto, apenas em setembro
de 2022, período no qual o banco, teoricamente, praticava sua política
monetária contracionista, M1, M2 e M3 cresceram mais de 3%. Então, como no caso
de Paul Volcker, o BoE cometeu uma política monetária ultraexpansionista. Uma
vez que existe defasagem na política monetária, pode-se dizer que, com base nos
agregados monetários, a inflação mais alta do Reino Unido em maio de 2023 é
resultado da política monetária adotada no ano de 2022. As lições do
monetarismo foram esquecidas.
E o que esperar para o futuro da inflação
no Reino Unido? Em oito meses, entre o pico da crise política em setembro de
2022 e o último dado divulgado pelo BoE, em abril de 2023, o estoque de moeda
representado por M1, M2 e M3 caiu 9%, 5% e 4%, respectivamente. O BoE está
realmente praticando uma política monetária contracionista. Caso essa política
persista, a inflação vai começar a cair.
*Luiz Antônio de Lima Jr, professor do Departamento de Economia da UFJF/GV, é cofundador do canal: Desta Vez é Diferente.
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