Valor Econômico
Agora estão em evidência também os efeitos
que os riscos fiscais causam na curva de juros futuros nas economias avançadas,
sobretudo nos EUA, com repercussões em todo o mundo
O presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, acha que os seus colegas vão ter que falar com mais frequência
sobre o descontrole fiscal de seus países. “Os banqueiros centrais vão ter que
levantar a mão e dizer que o trabalho será muito mais difícil se o fiscal não
for controlado”, disse, num evento recente do Fundo Comunitário Keren Hayesod.
A preocupação de Campos Neto com o fiscal
não é nova: ele vem insistindo há tempos que uma boa parte da inflação global é
um problema de excesso de demanda, que foi puxada, pelo menos em parte, pela
política fiscal expansionista. Agora, estão em evidência também os efeitos que
os riscos fiscais causam na curva de juros futuros nas economias avançadas,
sobretudo nos Estados Unidos, com repercussões nas economias no resto do mundo.
As discussões ganharam impulso há duas
semana na reunião de Jackson Hole, o mais importante encontro de banqueiros
centrais e especialistas em política monetária do mundo, organizado pelo
Federal Reserve (Fed) de Kansas City. Para puxar o assunto, os organizadores
encomendaram um estudo sob medida do historiador econômico Barry Eichengreen,
da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Um dos pais do Plano Real, o economista Persio Arida, no mesmo evento com Campos Neto, resumiu assim as conclusões de Eichengreen: “a dívida pública é um enorme problema e não tem solução”. As economias avançadas ainda têm alguma chance lidar com esse ambiente complicado, mas para os países emergentes e em desenvolvimento terão uma tarefa muito mais difícil.
Qual é o tamanho do problema do
endividamento? No caso das economias avançadas, as dívidas cresceram de pouco
menos de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) para 80% do PIB desde a crise
financeira global de 2008. Nas economias emergentes, passaram de cerca de 40%
do PIB para 60% do PIB. O Brasil está um pouco pior do que seus pares. Tinha
uma divida de 85% do PIB em 2022, considerando o critério do Fundo Monetário
Internacional (FMI), que é o usado no estudo. Pelo critério do Banco Central,
estava em 74,1% do PIB em junho.
Eichengreen, que escreveu o estudo junto
com o economista Sernan Arslanalp, do FMI, foi a fundo nos dados para examinar
se a dívida publica poderia cair com a ajuda de fatores como superávits
primários, queda dos juros neutros, aceleração do crescimento da economia,
surpresa inflacionária, repressão financeira ou reestruturação dos débitos.
Nenhuma dessas soluções parece factível neste momento.
A solução mais sensata para reduzir o
endividamento público é gerar uma sequência de superávits primários relativamente
altos por algum tempo. Eichengreen e Arslanalp mostram, olhando os dados
históricos, que isso seria muito difícil, nas condições atuais.
Eles atualizaram um estudo anterior, feito
com a participação do próprio Eichengreen, que identifica 40 episódios de
superávits primários de pelo menos 3% do PIB num período mínimo de cinco anos.
O Brasil aparece na lista uma vez, com resultado positivo médio de 3,6%, no
primeiro governo Lula.
O passo seguinte é cruzar esses dados com
indicadores de situações que possam ter alguma relação com os superávits
primários. Uma das descobertas é que períodos de altos superávits não ocorrem
quando há grande divisão política na sociedade e que são mais frequentes quando
a economia está crescendo de forma mais acelerada. “Governos divididos tornam
mais difícil acordos políticos para ajustes das contas publicas mais
prolongados, enquanto o crescimento mais rápido da economia facilita esses
ajustes”, afirmam.
Para baixar as dívidas públicas, seria
preciso contar com um pouco de sorte, como um cenário que leve a uma aceleração
do crescimento mundial ou a juros de equilíbrio ainda mais baixos. Tudo isso
parece bem improvável no mundo atual.
Baixar a dívida com a ajuda da inflação só
ocorre quando os índices de preços surpreendem, mas em geral o ganho é
temporário: em seguida, os juros ficam mais altos e as pressões para recompor
gastos se intensificam. É o que aconteceu com Brasil e Estados Unidos, onde a
inflação baixou a dívida pública, mas depois veio o efeito rebote.
Repressão financeira, como controle dos
juros de mercado, parecem menos eficazes hoje, com a liberalização,
sofisticação e integração dos mercados financeiros. A reestruturação de dívidas
costuma acontecer tardiamente, com altos custos para as economias envolvidas.
O Brasil tem os seus próprios problemas
fiscais, e as divisões políticas impedem que o déficit público seja equacionado
- as eleições de 2022 foram um concurso de dois candidatos que prometiam mais
gastos.
O que acontece lá fora tem implicações no Brasil. A diretora de assuntos internacionais do Banco Central, Fernanda Guardado, apresentou na semana passada um estudo que sugere que pelo menos uma parte da alta da curva de juros futuros nos Estados Unidos se deve a uma reestimativa da taxa neutra, em decorrência do quadro fiscal preocupante. Ela não chegou a desdobrar as implicações para o Brasil, mas provavelmente isso vai significar mais juro por aqui. Nossa taxa neutra costuma refletir o juro neutro internacional.
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