Opção de negar é crítica em desconto para sindicato
O Globo
STF estabeleceu alternativa aceitável a
imposto sindical, mas recusa do empregado precisa ser facilitada
Contrariando posições anteriores, os ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria para considerar
constitucionais as contribuições assistenciais cobradas pelos sindicatos,
mesmo dos não sindicalizados. A justificativa é que, em contraste com a
contribuição sindical obrigatória — extinta pela reforma trabalhista de 2017 —
, a assistencial se destina a financiar a representação sindical exercida em
nome de todos os trabalhadores (não sindicalizados também se beneficiam de
acordos coletivos) e terá valor compatível com os resultados. O voto vencedor
determina que, ao empregado, será assegurado o “direito de oposição”, podendo
recusar o desconto em seu salário.
No entender dos ministros que já votaram pela aceitação da contribuição assistencial — o julgamento virtual vai até hoje —, ela é uma resposta coerente com a negociação coletiva. Para eles, se o sindicato representa todos os trabalhadores ao firmar o acordo, também deve poder representá-los para aceitar o desconto na folha salarial. A contribuição assistencial também permitiria, segundo o voto majoritário, reerguer o sistema sindical — previsto e valorizado pela Constituição, mas enfraquecido pela reforma trabalhista de 2017 (a arrecadação caiu de R$ 3 bilhões para R$ 66 milhões em 2021).
O ponto mais relevante do voto majoritário
é o direito que ele concede ao empregado de optar por não contribuir. Ao
aceitar como opção padrão o desconto automático no contracheque, os ministros
já estabeleceram um critério favorável aos sindicatos, em detrimento da
liberdade do empregado (estudos de economia comportamental mostram que a
maioria se curva à opção padrão). Impõe-se a ele a escolha de rejeitar algo que
não pediu, por isso mesmo é fundamental que, para quem não quiser contribuir, o
método oferecido seja o mais simples possível — como um formulário disponível
na internet ou uma carta simples à empresa ou ao sindicato. Não se deve
oferecer aos sindicatos a possibilidade de criar as regras para a recusa.
Respeitada essa condição, é inegável que os
ministros do STF oferecem uma resposta mais aceitável para reerguer as finanças
sindicais que a tentativa do governo de recriar a contribuição sindical
obrigatória, em projeto que pretende enviar ao Congresso (uma minuta do texto
prevê desconto de até 1% do rendimento anual, o quádruplo do cobrado antes da
reforma trabalhista).
Como princípio, nenhuma contribuição a
sindicato deveria ser compulsória. Ainda mais no modelo de monopólio sindical
em vigor no Brasil. Como os sindicatos detêm exclusividade territorial na
representação de uma categoria, não precisam se esforçar para prestar bons
serviços aos representados, já que seu faturamento independe disso. O Congresso
precisa, portanto, rechaçar a tentativa de recriar o imposto sindical em
gestação no Executivo. Deveria, também, aproveitar para debater o fim do
monopólio sindical.
O princípio subjacente ao voto dos
ministros do STF está correto: os sindicatos devem fazer por merecer,
melhorando a vida de quem representam. Na prática, o desconto do salário,
quando obrigatório, serve para sustentar instituições que pouco — se algo — fazem
em troca pelos trabalhadores. São frequentes casos de enriquecimento ilícito de
líderes sindicais. Se os sindicatos querem melhorar as finanças, deveriam
mostrar serviço e convencer de que fazem jus a contribuições voluntárias.
Disseminação do uso de câmeras nas fardas
de policiais é notícia positiva
O Globo
Pelo menos 17 estados desenvolvem programas
para comprar e adotar equipamento no combate ao crime
É boa notícia a constatação de que a
maioria dos estados brasileiros já adota ou está prestes a adotar câmeras
portáteis nas fardas de seus policiais, seguindo a tendência mundial. Das 27
unidades da Federação, sete já mantêm programas do tipo. Noutras dez eles estão
em implantação, segundo levantamento feito com base na Lei de Acesso à
Informação pelo Monitor da Violência,
parceria do portal g1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
As polícias de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Pará e Rondônia já usam as
câmeras corporais em maior ou menor grau. São Paulo é o estado com maior número
de equipamentos: mais de 10 mil, ou 52% do efetivo operacional da PM. Outras
dez unidades da Federação preparam licitações para compra de câmeras ou já
testam os aparelhos. Nove ainda realizam estudos de viabilidade. Em todo o
país, apenas o Maranhão informou não cogitar esse tipo de programa.
Estudos têm demonstrado que o uso de
câmeras contribui para reduzir a letalidade policial, aumentar a apreensão de
drogas e armas, além de proteger os próprios agentes. Dados do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública mostram que no ano passado a letalidade ficou
abaixo da média nacional em quatro dos sete estados que implantaram a política:
São Paulo, Minas, Santa Catarina e Rondônia (no Rio, Rio Grande do Norte e
Pará, ficou acima da média).
Diante da expansão do uso de câmeras, faz
bem o governo federal em aderir à prática — a Força Nacional também deverá usar
o equipamento — e em buscar estabelecer normas para o uso. Embora a
padronização venha um pouco tarde, pois as câmeras corporais são realidade em
boa parte do país, ela poderá resolver dilemas importantes. Entre os aspectos
que serão discutidos estão o armazenamento das imagens e a definição sobre quem
terá acesso às gravações, questões pertinentes que geram desconfiança nas
tropas.
O país só tem a ganhar com o uso de câmeras
nas fardas. O desafio, no entanto, não é instalar os equipamentos, mas
colocá-los em funcionamento corretamente, para que cumpram sua missão: gravar
as imagens. A realidade tem revelado que, mesmo nos estados onde o programa
está mais avançado, ainda há forte resistência das corporações. Em São Paulo,
depois da operação na região do Guarujá que deixou quase 30 mortos,
constatou-se que não havia imagens dos casos mais controversos. No Rio, a
Defensoria Pública enviou relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF)
criticando a falta de transparência da polícia fluminense. Segundo a
Defensoria, há casos de câmeras desacopladas e de lentes obstruídas. De 90
pedidos de acesso às imagens, apenas oito foram atendidos.
De nada adiantará os estados investirem
vultosos recursos públicos para dar mais transparência às ações policiais se
tais barreiras não forem superadas. É preciso convencer os policiais e as
corporações de que o equipamento não é um inimigo, mas um aliado no combate à
violência.
Atenção ao MEI
Folha de S. Paulo
Antes de ampliar renúncia
fiscal, cumpre verificar o perfil dos beneficiários
Políticas baseadas em incentivos
tributários muitas vezes começam com objetivos meritórios, mas se perpetuam e
se expandem sem maior atenção à proporção entre custos e benefícios. Nesse
sentido, inspiram preocupação os planos de governo e Congresso Nacional para
ampliar o regime do Microempreendedor Individual (MEI).
Trabalhadores autônomos, que empreguem
no máximo uma pessoa e tenham faturamento bruto de até R$ 81 mil por ano podem
formalizar sua atividade como MEI. As regras, em vigor desde 2009, isentam o
beneficiado de burocracias e custos de legalização, de modo a incentivar
contratos formais.
A contribuição federal desses
microempreendedores para a Previdência Social é de somente 5% do valor do
salário mínimo. A inadimplência, porém, está em 48,6%.
Agora, o Ministério do Desenvolvimento
anuncia estudos para elevar o teto de faturamento para MEIs, entre outras
facilidades. Haveria uma nova faixa de R$ 81 mil até R$ 144,9 mil,
com contribuição maior, o que permitiria a entrada de 470 mil microempresas. No
Congresso, um projeto prevê a elevação do teto para R$ 130 mil.
Convém observar a expansão do regime
nos últimos anos. No início de 2012, ele abrangia 1,7 milhão de registros; em
2020, pouco antes da pandemia, eram 9,4 milhões; em setembro deste ano, 15,5
milhões. Do equivalente a 1,9% do total de pessoas ocupadas no país, o número
passou a 15,6% no período.
A mais recente alteração do teto, para
os atuais R$ 81 mil, teve início em 2018. Se corrigido pela inflação, seriam R$
110 mil agora. A questão, entretanto, não se limita às dimensões de um
reajuste.
O programa implica renúncia fiscal de
R$ 5,2 bilhões em 2023, segundo a Receita Federal. De fato, a tributação
diminuta permite a formalização, o recolhimento de algum imposto e a proteção
dos autônomos. Sem isso, a informalidade seria maior.
Todavia o tratamento diferente pode
incentivar desvio de finalidade. Há um incentivo, por exemplo, à substituição
de contratos de trabalho celetistas por MEIs, o que prejudica a Previdência.
Essas distorções tendem a ser maiores com a ampliação do regime.
A mesma discussão, aliás, deveria ser feita no Simples,
pelo qual são tributadas as empresas de menor porte e resulta em renúncia de R$
23,6 bilhões neste ano.
Para a mensuração do impacto social
desses programas, deve-se proceder a um exame detalhado do perfil de seus
beneficiários. É preciso haver foco nos mais carentes.
No limite, será preciso repensar mais
uma vez a legislação que rege os contratos no mercado de trabalho, no qual os
MEIs vêm se tornando cada vez mais significativos.
Passo mexicano
Folha de S. Paulo
Justiça do país
descriminaliza o aborto; direito é mais sólido pelo Legislativo
É notório no meio científico que o
aborto é um procedimento médico seguro. O risco surge quando essa prática é
mantida na ilegalidade, deixando mulheres, principalmente as mais pobres, em
situação vulnerável. Tais evidências não podem ser ignoradas por legisladores,
dado o impacto nefasto gerado na área da saúde pública.
Segundo a Organização Mundial de Saúde,
97% dos abortos realizados de forma insegura no mundo concentram-se em países
de baixa e média renda. Vários deles estão na América Latina, onde 3 de cada 4
interrupções de gravidez colocam a vida das mulheres em risco.
Isso se dá porque a criminalização
estimula procedimentos clandestinos. Em 2017, só 3% dos latino-americanos
viviam em países onde o aborto não era punido por lei. Houve avanços
importantes e, em 2022, o índice saltou para 37%.
A interrupção da gravidez não é crime
em Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Porto Rico, Uruguai, Argentina e Colômbia. A
esse grupo junta-se o México, onde a prática já era autorizada em alguns
estados.
Na quarta (6), a Suprema Corte do país
deu um passo adiante e descriminalizou o aborto em todo o território nacional,
sob o argumento de que a penalização "viola os direitos humanos das
mulheres".
Costumam-se comemorar decisões de
tribunais constitucionais a favor de pautas que enfrentam forte restrição moral
na sociedade, como casamento gay, descriminalização das drogas e do aborto.
Nessa seara, o Judiciário tende a
acatar evidências científicas sem se constranger por tabus ou pela opinião
pública —diferentemente de políticos, juízes não dependem de votos nas
eleições.
Porém mudanças estabelecidas por lei no
Parlamento são mais consistentes e duradouras. Vide o caso Roe vs. Wade, pelo qual a Suprema Corte dos EUA legalizou a interrupção
da gravidez em 1973.
Bastaram mudanças na composição da
corte e na conjuntura política —com ascensão do conservadorismo populista de
Donald Trump— para que o tribunal revertesse a decisão no ano passado.
No Brasil, o tema mal é abordado a
partir de dados epidemiológicos e experiências internacionais. Estamos longe da
onda latino-americana, o que pode custar a vida de muitas mulheres. Se os
brasileiros são refratários à legalização do aborto, cabe ao Legislativo e ao
poder público fomentar o debate e fornecer informações para a sociedade.
Novela
enfadonha e disfuncional
O Estado de S. Paulo
Sem um programa de governo, a política
será sempre com “p” minúsculo.
A necessidade de compor uma
base de apoio mais firme no Congresso, suficiente para aprovar propostas de
interesse do governo federal, pautou as discussões sobre a última reforma
ministerial. Para garantir uma maioria no Legislativo, Lula da Silva foi
pressionado a compartilhar o poder de forma a conquistar novos aliados.
Próprio dos regimes
democráticos, tal processo se prolongou por mais tempo do que o desejável, o
que expôs todos os envolvidos, em especial o próprio governo. Não foi a
primeira vez. Passaram-se semanas entre as primeiras notícias de que a deputada
Daniela do Waguinho (União Brasil – RJ) teria de ceder o cargo no Ministério do
Turismo para Celso Sabino (União Brasil – PA) até que o ato finalmente se consumasse.
Já se sabia oficialmente,
há semanas, que os deputados André Fufuca (PP-AM) e Silvio Costa Filho
(Republicanos-PE) seriam contemplados com ministérios. Só não se sabia em que
pastas eles seriam acomodados, gerando disputas entre os atuais ministros que
buscavam preservar seus cargos apontando as fragilidades dos colegas de
Esplanada.
A enfadonha novela da
reforma ministerial acabou – ao menos até a próxima crise entre Executivo e
Legislativo. O problema de fundo, no entanto, permanece e evidencia uma grave
disfuncionalidade da política nacional.
Veja-se o caso da
ex-ministra do Esporte Ana Moser, rifada na reforma. A ex-jogadora de vôlei não
saiu por incompetência, mas pelo fato de não integrar um partido político que
defendesse sua permanência, o que faz toda a diferença no presidencialismo de
coalizão.
Entre o pragmatismo de
Brasília e a visão que uma atleta olímpica poderia trazer para aprimorar as
políticas públicas no esporte, uma das poucas atividades capazes de promover a
inclusão social em um país tão desigual, a opção do governo foi muito clara.
Isso não é,
necessariamente, ruim. Na chefia de um ministério, políticos muitas vezes
privilegiam a formação de equipes técnicas, compostas por servidores que sabem
como propor ações alinhadas às de outras pastas com maior capacidade
financeira, de forma a garantir seus resultados.
No entanto, não foi isso
que marcou as discussões da reforma ministerial do governo Lula nem foi isso
que guiou as reformas anteriores, inclusive de outros governos. As trocas de
ministros não se baseiam em possíveis melhorias a serem implementadas na
condução das políticas públicas nem em acordos programáticos envolvendo os
partidos. É simples jogo de encaixe para alocar representantes de partidos que
possam vir a compor a base aliada.
Eis uma das faces mais
perversas desse fenômeno. Uma vez que o Palácio do Planalto não tem um programa
efetivo de governo e os partidos não têm um ideário programático, “compor a
base aliada” significa apenas participar dos ganhos de ser governo (ter um ou
mais ministérios), comprometendo-se, sem muita efusividade ou constância, a conceder
algum apoio no Congresso.
Na verdade, é um círculo
vicioso. Como assegurar a efetividade de boas políticas públicas em qualquer
ministério diante de trocas de ministros orientadas unicamente pelos votos que
eles podem agregar às votações na Câmara e no Senado? Sem a definição de uma
direção a ser seguida, apresentada pelo governo, toda a conversa entre o
Palácio do Planalto e os eventuais partidos a compor a base estará sempre
centrada no simples escambo de benefícios.
Sem um programa de governo,
sem um rumo a seguir, a política será sempre com “p” minúsculo. Além de não
gerar ganhos reais para o País em termos de políticas públicas, esse modo de
conduzir os assuntos públicos – mera troca de interesses privados entre os que
ocupam os diferentes postos de poder no Executivo e no Legislativo – gera ainda
mais desinteresse da população pela política. É o fracasso da democracia.
Não basta prometer, como
faz Lula, unir e reconstruir o País. É preciso que o governo tenha um plano. A
falta de propostas é o que explica a inversão de um processo no qual o ministro
é escolhido antes mesmo de ter uma pasta para assumir.
Horizonte
complexo para a economia
O Estado de S. Paulo
Em simpósio nos EUA, autoridades
monetárias anteveem inflação mais alta e persistente; tensões geopolíticas e
transição energética elevam risco de inflação de oferta
O encontro deste ano dos
líderes dos bancos centrais em Jackson Hole, nos Estados Unidos, tornou
evidente a limitação de instrumentos de política monetária para fazer frente às
pressões inflacionárias mais fortes deste e dos próximos anos. O desafio de
combater a inflação e trazê-la para um nível sustentável mostra-se mais
complexo que o exposto nos simpósios anteriores. As implicações negativas da
transição energética e dos conflitos e tensões geopolíticas sobre as cadeias de
suprimento de bens e serviços tornaram mais difícil a missão das autoridades
monetárias.
Outros vetores de incerteza
sobre a oferta, cada vez menos elástica, somam-se àquelas a serem analisadas
minuciosamente pelos bancos centrais a partir de agora. A redução do
crescimento da China, exposta à crise imobiliária sem precedentes e ao comércio
mais restritivo com seus maiores parceiros, é uma delas. Mas há de considerar
também os efeitos deixados pela pandemia de covid no sistema global de
suprimento, o protecionismo, o envelhecimento da população e o descuido com o
equilíbrio fiscal.
Um dos principais temores
de escalada da inflação de oferta diz respeito à fragmentação do comércio, por
razões geopolíticas. As economias desenvolvidas buscam cada vez mais
dissociarse da dependência de insumos, bens acabados e serviços produzidos por
países não aliados ou fora de sua esfera de influência e estimular, via
subsídios, a substituição de importações. O empenho dos Estados Unidos em
reduzir sua dependência de bens produzidos na China e em restringir seu
comércio com Pequim de bens de alta tecnologia ilustra esse movimento. Isso
significa uma mudança substancial na estrutura de produção e de comércio consolidada
nas primeiras décadas da globalização, que traz consigo incógnitas sobre a
capacidade de fornecimento e os seus custos refletidos nos preços.
O quadro exposto pelas
autoridades em Jackson Hole gera preocupação. Em seu discurso, a presidente do
Banco Central Europeu, Christine Lagarde, sublinhou que um desafio de tal
magnitude jamais foi enfrentado pelos bancos centrais. “Não há manual
preexistente para a situação que estamos enfrentando. Então, nossa tarefa é
rascunhar um novo”, declarou. O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome
Powell, endossou o horizonte de incertezas ao declarar que “estamos navegando
pelas estrelas com céu encoberto”.
Em seu diagnóstico da
economia americana, Powell afirmou que a inflação “permanece alta demais” e que
o Fed está preparado para elevar mais a taxa básica de juros – hoje de 5,25% a
5,5% ao ano – e manter a política restritiva até alcançar a meta de inflação de
2% ao ano. Esquivou-se, porém, de tocar outro ponto nevrálgico para atingir
esse objetivo: a contenção de gastos pelo governo de Joe Biden, até o momento
seguidor de uma cartilha expansionista.
Diante das incertezas sobre
a oferta, o esforço fiscal tornou-se ainda mais essencial na calibragem das
taxas de juros pelas autoridades monetárias. Reduzir gastos públicos de forma
coerente e adequada tem seu mérito em uma equação cujo resultado esperado é
controlar e reduzir a inflação sem impor danos desnecessários à economia.
Trata-se de receita defendida, apesar da resistência feita pelo governo Lula,
pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que não participou do
encontro.
O aumento dos juros em
curto prazo foi sinalizado não apenas por Powell, mas também pelas autoridades
do Japão e de outros países presentes no encontro. Eles ainda fincam os pés na
estratégia, há muito trilhada, de conter inicialmente a demanda, para depois
replicar seus efeitos no restante da economia. O consenso de Jackson Hole sobre
o risco iminente de acentuada inflação de oferta, porém, exigirá dos bancos
centrais ampliar seu entendimento e análise sobre as dinâmicas das cadeias
globais de suprimento, como condição de toda e qualquer decisão responsável.
Disso dependerá, entre outras coisas, a preservação da credibilidade das
instituições monetárias.
Para
muitos, uma fábrica de frustrações
O Estado de S. Paulo
O País precisa enfrentar disfunções
socioeconômicas e educacionais que levam à evasão das universidades
Desde a década de 90, o
Brasil investe fortemente na ampliação do acesso ao ensino superior, seja por
meio de bolsas (ProUni) ou créditos (Fies) para universidades privadas, seja
pela ampliação das universidades públicas e programas de cotas. Apesar disso,
as universidades sofrem com a crescente evasão. Segundo o Instituto Semesp, 55%
dos estudantes desistem do curso. É um desperdício de recursos para as
universidades – como se uma fábrica descartasse metade do que produz – e de
oportunidades para os jovens.
O fenômeno não é exclusivo
do Brasil. Uma pesquisa publicada no Wall Street Journal revela que 56% dos
norte-americanos não creem que o diploma compensa o tempo e o dinheiro
despendidos. A desconfiança reflete as dificuldades de adaptação das
universidades às transformações do mundo contemporâneo.
No Brasil há agravantes
socioeconômicas e educacionais. Dificuldades financeiras e a necessidade de
trabalhar estão entre as principais motivações para o abandono, além da
indecisão profissional e baixo desempenho.
Um problema é a escolha
profissional precoce. Enquanto na Europa e EUA as graduações são divididas em
duas partes – primeiro uma formação mais ampla e diversificada, depois a
especialização profissional –, no Brasil um estudante é obrigado a definir aos
17 anos a profissão de sua vida. Isso ajuda a explicar as altas taxas de
abandono, mas também as de retorno. Levantamento publicado nos Cadernos de
Pesquisa 50, aponta que 40% dos alunos que se desligam se matriculam em outras
instituições nos dois anos seguintes.
Outro problema é a
defasagem do ensino técnico. Menos de 10% dos alunos do ensino médio estão em
cursos profissionalizantes, enquanto a média nos países da OCDE é de quase 40%.
Muitos interessados na formação técnica buscam compensar a carência em cursos
universitários, mas se frustram com cursos longos coalhados de exigências
acadêmicas irrelevantes para a carreira. Justamente nas áreas de tecnologia,
que estão entre as mais promissoras no mercado, as taxas de abandono são
maiores.
A evasão nesses cursos
também explicita deficiências da formação básica. Segundo o MEC, só 5% dos
alunos terminam o ensino médio com desempenho adequado em matemática.
A evasão no setor privado
(57%) é mais alta que no público (47%). Além das dificuldades financeiras, isso
se explica em parte pela má qualidade de muitos cursos privados.
Um levantamento da USP traz
novos dados. O abandono entre não cotistas é de 15%; entre os cotistas da rede
pública, é de 18,6%; e, dentre estes, a evasão de negros e indígenas é de
23,9%.
O desafio exige estratégias
complexas, que vão desde uma melhor formação e orientação vocacional no ensino
médio à modernização dos currículos acadêmicos e programas de apoio financeiro
e pedagógico. E há um problema preliminar: a carência de dados detalhando
características e causas da evasão. Sem diagnósticos adequados, as prescrições
terapêuticas continuarão operando no escuro, e o ensino superior continuará a
ser, para muitos, uma fábrica de frustrações.
Planos de saúde e transplantes de órgãos
Correio Braziliense
De acordo com a ANS, os planos de saúde são obrigados a cobrir esse tipo de procedimento quando indicados pelo médico e quando esse item estiver previsto no contrato do plano, seja ele individual ou coletivo.
Dada a repercussão recente dos temas
transplante e doação de órgãos, é importante o debate sobre a obrigatoriedade
de cobertura de determinados procedimentos pelos planos de saúde. Assim como em
outros países, onde existem a regulamentação e as leis específicas de saúde, no
Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regulamenta os planos de
saúde e estabelece regras para a cobertura de procedimentos médicos, incluindo
transplantes de órgãos.
De acordo com a ANS, os planos de saúde são
obrigados a cobrir esse tipo de procedimento quando indicados pelo médico e
quando esse item estiver previsto no contrato do plano, seja ele individual ou
coletivo. No famoso rol da ANS, alguns transplantes já estão incluídos (como
cobertura mínima) como obrigatórios nos planos de saúde, como é o caso das
córneas, rins e medula.
No entanto, a justificativa do médico tem
peso relevante nos casos de transplantes de coração, fígado, pâncreas e pulmão,
o que obriga as operadoras a cobrir as despesas desses procedimentos, além de
todo o tratamento. Ou seja, os planos de saúde ficam “entre a cruz e a
caldeirinha”, restando a eles, também, disponibilizar a rede credenciada e os
respectivos hospitais, bem como, caso não tenham, outros hospitais fora da
rede. É um direito do candidato a um novo órgão.
O problema é que, na maioria das vezes, os
órgãos a serem doados não podem esperar a papelada e os trâmites burocráticos
que a lei exige, chegando a ser descartados e deixando o possível receptor à
míngua. Embora os médicos brasileiros tenham maestria no quesito cirurgias de
transplante, nossas filas para receber um órgão são das maiores do mundo. Ainda
assim, no ano passado, o Brasil registrou mais de 25 mil transplantes, dos
quais quase 359 de coração.
Para completar, no mês passado, as
operadoras de planos de saúde sofreram outro revés, com a decisão da ANS, no
último dia 14. Clientes de planos de saúde poderão, num prazo de 180 dias a
contar da publicação no Diário Oficial da União (DOU), trocar de operadora
antes do prazo de permanência mínima quando insatisfeitos com a retirada de
algum hospital ou do serviço de urgência e emergência do prestador hospitalar
da rede.
Atualmente, o consumidor só pode trocar o
serviço de uma empresa por outra depois de cumprir prazos mínimos que variam de
acordo com a situação. Caso seja a primeira portabilidade, a permanência é de
dois anos, podendo chegar a três anos se o beneficiário tiver cumprido carência
de dois anos para cobertura de doença ou lesão preexistente.
Caso tenha feito alguma portabilidade
anteriormente, esse prazo de permanência mínimo exigido cai para um ano,
podendo subir para dois anos se o plano atual tiver coberturas não previstas no
plano anterior.
A boa notícia é que o Sistema Único de Saúde (SUS) faz um trabalho fantástico nessa
área, o que reflete no número de transplantes realizados nos hospitais
públicos: mais de 90% do total. Não é à toa que o Brasil recebeu a chancela de
maior programa público de transplantes do mundo.
Erros não justificam retrocessos no combate
à corrupção
Valor Econômico
É inegável que a Lava-Jato desvendou um
esquema bilionário de corrupção do PT e partidos aliados, algo que deveria ser
preservado na essência
A saga judicial da Operação Lava-Jato já
passou por inúmeras reviravoltas, mas esta talvez seja a última: o ministro
Dias Toffoli considerou “imprestáveis” todas as provas utilizadas para se
chegar aos acordos de leniência da Odebrecht. As consequências são de longo
alcance, mas é possível que os acordos de leniência das demais empreiteiras
atingidas pela operação tenham o mesmo destino e de que elas não tenham mais de
pagar o que prometeram em delações premiadas ou acordos, envolvendo devoluções
de mais de R$ 25 bilhões aos cofres públicos (Valor , 8 de setembro). No caso
da Odebrecht, as compensações somavam R$ 3,9 bilhões. É dinheiro que as
empreiteiras admitiram dever ao Estado e que, agora, possivelmente não
precisarão mais pagar. Como a sociedade reagirá diante dessa realidade não é
difícil de imaginar.
A pá de cal na Operação Lava-Jato causa
espanto. Os diálogos que o hacker Walter Delgatti obteve ao acessar ilegalmente
o aplicativo Telegram dos procuradores foram decisivos para a anulação dos
processos contra Lula e, agora, os da Odebrecht. A ação de um criminoso
condenado a 20 anos de prisão - protagonista da Vaza-Jato - foi levada em conta
porque a Justiça brasileira aceita que provas ilegais sejam utilizadas em
benefício de réus. O ponto a estranhar é que, em sua decisão, Toffoli mandou
apurar a responsabilidade dos agentes públicos que conduziram a Lava-Jato,
apesar de a jurisprudência não permitir que o fruto de uma ilegalidade seja
usado para acusar quem quer que seja.
As repercussões jurídicas da decisão de
Toffoli são amplas. Pelo juízo peremptório de Toffoli, o processo contra Lula
foi uma “armação”, o “verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia”, os
métodos utilizados pela 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba foram ilegais e
inaceitáveis e tudo isso teria contribuído para que a prisão de Lula fosse “um
dos maiores erros judiciários” da História brasileira. A saber, os resultados
de todos os inquéritos que passaram pelas mãos do então juiz Sergio Moro e dos
promotores da Lava-Jato - e possivelmente vários processos conexos - e que
usaram as provas cedidas pela Odebrecht estão anulados ou voltam à estaca zero.
Como a decisão de Toffoli foi tomada em resposta a uma reclamação do então
advogado de Lula, Cristiano Zanin, hoje ministro do STF, ela poderia ser
monocrática e de mérito definitivo, sem necessidade de deliberação colegiada
posterior dos outros ministros, caso não haja recurso, o que deve acontecer.
Moro e procuradores como Deltan Dallagnol
já haviam sido alvo de juízos negativos severos pelo Supremo em decorrência de
desvios de conduta, que de fato ocorreram, mas nenhum com tal abrangência. É
inegável, porém, que a Lava-Jato desvendou um esquema bilionário de corrupção
do PT e partidos aliados, algo que deveria ser preservado na essência. Até
aqui, não se tem notado essa preocupação. É importante para o país que a
Justiça, de agora em diante, encontre formas mais sofisticadas para evitar e
punir desvios de condutas de agentes da lei, mas sem deixar de preservar o
cerne das investigações e dos avanços no combate à corrupção. No campo
político, há arranjos que desmontam ou flexibilizam instrumentos legais criados
para reforçar o combate à corrupção, uma tendência que, em que pesem os erros
de Moro e procuradores, não pode prosperar.
A Lei das Estatais, pós-petrolão, que prevê
exigências técnicas e políticas para os candidatos a nelas exercer cargo de
direção, começou a ser subvertida no governo de Jair Bolsonaro, com
substituições no comando da Petrobras.
O governo Lula, sob o qual o petrolão se desenvolveu, deu sequência ao indicar
pessoas que pela lei deveriam ser impugnadas. Representantes do Centrão
voltaram à diretoria da estatal. O STF, por decisão de Ricardo Lewandowski,
suspendeu o trecho da lei que impedia que ministros e secretários estaduais e
municipais ocupassem cargos de direção e do Conselho dessas empresas. A Câmara
votou às pressas mudança de exigência de prazo - de 360 dias para 30 dias -
para que membros de instâncias decisórias de partidos ou vinculados a campanhas
eleitorais possam dirigir estatais. A lei está parada no Senado.
Projeto do PT, aprovado no último mês do
governo Bolsonaro, modificou a lei de improbidade administrativa, colocando o
dolo (intenção) no cometimento de infrações como fator decisivo para punições.
Em recente viagem a Angola, diante das queixas de que o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, tinha pouco protagonismo, Lula deu-lhe uma missão: reunir-se
com 18 empresários que pediam a volta dos financiamentos do BNDES ao país.
Entre eles estavam representantes da Novonor (ex-Odebrecht), Andrade Gutierrez,
Queiroz Galvão, envolvidas na Lava-Jato. Haddad saiu-se bem: sugeriu aos
empresários que fizessem uma carta à sociedade com a reivindicação. Há tempos a
Casa Civil busca “reabilitar” as empreiteiras, para que terminem obras
inconclusas, muitas delas objeto do pagamento de propinas pelas quais foram
condenadas.
O pêndulo político voltou-se contra as estruturas encarregadas do combate à corrupção. Delas, porém, depende a continuidade da vigilância sobre os inúmeros caminhos pelos quais governos de todas as matizes se unem a maus empresários para a malversação de recursos públicos.
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