segunda-feira, 11 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Opção de negar é crítica em desconto para sindicato

O Globo

STF estabeleceu alternativa aceitável a imposto sindical, mas recusa do empregado precisa ser facilitada

Contrariando posições anteriores, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria para considerar constitucionais as contribuições assistenciais cobradas pelos sindicatos, mesmo dos não sindicalizados. A justificativa é que, em contraste com a contribuição sindical obrigatória — extinta pela reforma trabalhista de 2017 — , a assistencial se destina a financiar a representação sindical exercida em nome de todos os trabalhadores (não sindicalizados também se beneficiam de acordos coletivos) e terá valor compatível com os resultados. O voto vencedor determina que, ao empregado, será assegurado o “direito de oposição”, podendo recusar o desconto em seu salário.

No entender dos ministros que já votaram pela aceitação da contribuição assistencial — o julgamento virtual vai até hoje —, ela é uma resposta coerente com a negociação coletiva. Para eles, se o sindicato representa todos os trabalhadores ao firmar o acordo, também deve poder representá-los para aceitar o desconto na folha salarial. A contribuição assistencial também permitiria, segundo o voto majoritário, reerguer o sistema sindical — previsto e valorizado pela Constituição, mas enfraquecido pela reforma trabalhista de 2017 (a arrecadação caiu de R$ 3 bilhões para R$ 66 milhões em 2021).

O ponto mais relevante do voto majoritário é o direito que ele concede ao empregado de optar por não contribuir. Ao aceitar como opção padrão o desconto automático no contracheque, os ministros já estabeleceram um critério favorável aos sindicatos, em detrimento da liberdade do empregado (estudos de economia comportamental mostram que a maioria se curva à opção padrão). Impõe-se a ele a escolha de rejeitar algo que não pediu, por isso mesmo é fundamental que, para quem não quiser contribuir, o método oferecido seja o mais simples possível — como um formulário disponível na internet ou uma carta simples à empresa ou ao sindicato. Não se deve oferecer aos sindicatos a possibilidade de criar as regras para a recusa.

Respeitada essa condição, é inegável que os ministros do STF oferecem uma resposta mais aceitável para reerguer as finanças sindicais que a tentativa do governo de recriar a contribuição sindical obrigatória, em projeto que pretende enviar ao Congresso (uma minuta do texto prevê desconto de até 1% do rendimento anual, o quádruplo do cobrado antes da reforma trabalhista).

Como princípio, nenhuma contribuição a sindicato deveria ser compulsória. Ainda mais no modelo de monopólio sindical em vigor no Brasil. Como os sindicatos detêm exclusividade territorial na representação de uma categoria, não precisam se esforçar para prestar bons serviços aos representados, já que seu faturamento independe disso. O Congresso precisa, portanto, rechaçar a tentativa de recriar o imposto sindical em gestação no Executivo. Deveria, também, aproveitar para debater o fim do monopólio sindical.

O princípio subjacente ao voto dos ministros do STF está correto: os sindicatos devem fazer por merecer, melhorando a vida de quem representam. Na prática, o desconto do salário, quando obrigatório, serve para sustentar instituições que pouco — se algo — fazem em troca pelos trabalhadores. São frequentes casos de enriquecimento ilícito de líderes sindicais. Se os sindicatos querem melhorar as finanças, deveriam mostrar serviço e convencer de que fazem jus a contribuições voluntárias.

Disseminação do uso de câmeras nas fardas de policiais é notícia positiva

O Globo

Pelo menos 17 estados desenvolvem programas para comprar e adotar equipamento no combate ao crime

É boa notícia a constatação de que a maioria dos estados brasileiros já adota ou está prestes a adotar câmeras portáteis nas fardas de seus policiais, seguindo a tendência mundial. Das 27 unidades da Federação, sete já mantêm programas do tipo. Noutras dez eles estão em implantação, segundo levantamento feito com base na Lei de Acesso à Informação pelo Monitor da Violência, parceria do portal g1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

As polícias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Pará e Rondônia já usam as câmeras corporais em maior ou menor grau. São Paulo é o estado com maior número de equipamentos: mais de 10 mil, ou 52% do efetivo operacional da PM. Outras dez unidades da Federação preparam licitações para compra de câmeras ou já testam os aparelhos. Nove ainda realizam estudos de viabilidade. Em todo o país, apenas o Maranhão informou não cogitar esse tipo de programa.

Estudos têm demonstrado que o uso de câmeras contribui para reduzir a letalidade policial, aumentar a apreensão de drogas e armas, além de proteger os próprios agentes. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que no ano passado a letalidade ficou abaixo da média nacional em quatro dos sete estados que implantaram a política: São Paulo, Minas, Santa Catarina e Rondônia (no Rio, Rio Grande do Norte e Pará, ficou acima da média).

Diante da expansão do uso de câmeras, faz bem o governo federal em aderir à prática — a Força Nacional também deverá usar o equipamento — e em buscar estabelecer normas para o uso. Embora a padronização venha um pouco tarde, pois as câmeras corporais são realidade em boa parte do país, ela poderá resolver dilemas importantes. Entre os aspectos que serão discutidos estão o armazenamento das imagens e a definição sobre quem terá acesso às gravações, questões pertinentes que geram desconfiança nas tropas.

O país só tem a ganhar com o uso de câmeras nas fardas. O desafio, no entanto, não é instalar os equipamentos, mas colocá-los em funcionamento corretamente, para que cumpram sua missão: gravar as imagens. A realidade tem revelado que, mesmo nos estados onde o programa está mais avançado, ainda há forte resistência das corporações. Em São Paulo, depois da operação na região do Guarujá que deixou quase 30 mortos, constatou-se que não havia imagens dos casos mais controversos. No Rio, a Defensoria Pública enviou relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF) criticando a falta de transparência da polícia fluminense. Segundo a Defensoria, há casos de câmeras desacopladas e de lentes obstruídas. De 90 pedidos de acesso às imagens, apenas oito foram atendidos.

De nada adiantará os estados investirem vultosos recursos públicos para dar mais transparência às ações policiais se tais barreiras não forem superadas. É preciso convencer os policiais e as corporações de que o equipamento não é um inimigo, mas um aliado no combate à violência.

Atenção ao MEI

Folha de S. Paulo

Antes de ampliar renúncia fiscal, cumpre verificar o perfil dos beneficiários

Políticas baseadas em incentivos tributários muitas vezes começam com objetivos meritórios, mas se perpetuam e se expandem sem maior atenção à proporção entre custos e benefícios. Nesse sentido, inspiram preocupação os planos de governo e Congresso Nacional para ampliar o regime do Microempreendedor Individual (MEI).

Trabalhadores autônomos, que empreguem no máximo uma pessoa e tenham faturamento bruto de até R$ 81 mil por ano podem formalizar sua atividade como MEI. As regras, em vigor desde 2009, isentam o beneficiado de burocracias e custos de legalização, de modo a incentivar contratos formais.

A contribuição federal desses microempreendedores para a Previdência Social é de somente 5% do valor do salário mínimo. A inadimplência, porém, está em 48,6%.

Agora, o Ministério do Desenvolvimento anuncia estudos para elevar o teto de faturamento para MEIs, entre outras facilidades. Haveria uma nova faixa de R$ 81 mil até R$ 144,9 mil, com contribuição maior, o que permitiria a entrada de 470 mil microempresas. No Congresso, um projeto prevê a elevação do teto para R$ 130 mil.

Convém observar a expansão do regime nos últimos anos. No início de 2012, ele abrangia 1,7 milhão de registros; em 2020, pouco antes da pandemia, eram 9,4 milhões; em setembro deste ano, 15,5 milhões. Do equivalente a 1,9% do total de pessoas ocupadas no país, o número passou a 15,6% no período.

A mais recente alteração do teto, para os atuais R$ 81 mil, teve início em 2018. Se corrigido pela inflação, seriam R$ 110 mil agora. A questão, entretanto, não se limita às dimensões de um reajuste.

O programa implica renúncia fiscal de R$ 5,2 bilhões em 2023, segundo a Receita Federal. De fato, a tributação diminuta permite a formalização, o recolhimento de algum imposto e a proteção dos autônomos. Sem isso, a informalidade seria maior.

Todavia o tratamento diferente pode incentivar desvio de finalidade. Há um incentivo, por exemplo, à substituição de contratos de trabalho celetistas por MEIs, o que prejudica a Previdência. Essas distorções tendem a ser maiores com a ampliação do regime.

A mesma discussão, aliás, deveria ser feita no Simples, pelo qual são tributadas as empresas de menor porte e resulta em renúncia de R$ 23,6 bilhões neste ano.

Para a mensuração do impacto social desses programas, deve-se proceder a um exame detalhado do perfil de seus beneficiários. É preciso haver foco nos mais carentes.

No limite, será preciso repensar mais uma vez a legislação que rege os contratos no mercado de trabalho, no qual os MEIs vêm se tornando cada vez mais significativos.

Passo mexicano

Folha de S. Paulo

Justiça do país descriminaliza o aborto; direito é mais sólido pelo Legislativo

É notório no meio científico que o aborto é um procedimento médico seguro. O risco surge quando essa prática é mantida na ilegalidade, deixando mulheres, principalmente as mais pobres, em situação vulnerável. Tais evidências não podem ser ignoradas por legisladores, dado o impacto nefasto gerado na área da saúde pública.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, 97% dos abortos realizados de forma insegura no mundo concentram-se em países de baixa e média renda. Vários deles estão na América Latina, onde 3 de cada 4 interrupções de gravidez colocam a vida das mulheres em risco.

Isso se dá porque a criminalização estimula procedimentos clandestinos. Em 2017, só 3% dos latino-americanos viviam em países onde o aborto não era punido por lei. Houve avanços importantes e, em 2022, o índice saltou para 37%.

A interrupção da gravidez não é crime em Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Porto Rico, Uruguai, Argentina e Colômbia. A esse grupo junta-se o México, onde a prática já era autorizada em alguns estados.

Na quarta (6), a Suprema Corte do país deu um passo adiante e descriminalizou o aborto em todo o território nacional, sob o argumento de que a penalização "viola os direitos humanos das mulheres".

Costumam-se comemorar decisões de tribunais constitucionais a favor de pautas que enfrentam forte restrição moral na sociedade, como casamento gay, descriminalização das drogas e do aborto.

Nessa seara, o Judiciário tende a acatar evidências científicas sem se constranger por tabus ou pela opinião pública —diferentemente de políticos, juízes não dependem de votos nas eleições.

Porém mudanças estabelecidas por lei no Parlamento são mais consistentes e duradouras. Vide o caso Roe vs. Wade, pelo qual a Suprema Corte dos EUA legalizou a interrupção da gravidez em 1973.

Bastaram mudanças na composição da corte e na conjuntura política —com ascensão do conservadorismo populista de Donald Trump— para que o tribunal revertesse a decisão no ano passado.

No Brasil, o tema mal é abordado a partir de dados epidemiológicos e experiências internacionais. Estamos longe da onda latino-americana, o que pode custar a vida de muitas mulheres. Se os brasileiros são refratários à legalização do aborto, cabe ao Legislativo e ao poder público fomentar o debate e fornecer informações para a sociedade.

Novela enfadonha e disfuncional

O Estado de S. Paulo

Sem um programa de governo, a política será sempre com “p” minúsculo.

A necessidade de compor uma base de apoio mais firme no Congresso, suficiente para aprovar propostas de interesse do governo federal, pautou as discussões sobre a última reforma ministerial. Para garantir uma maioria no Legislativo, Lula da Silva foi pressionado a compartilhar o poder de forma a conquistar novos aliados.

Próprio dos regimes democráticos, tal processo se prolongou por mais tempo do que o desejável, o que expôs todos os envolvidos, em especial o próprio governo. Não foi a primeira vez. Passaram-se semanas entre as primeiras notícias de que a deputada Daniela do Waguinho (União Brasil – RJ) teria de ceder o cargo no Ministério do Turismo para Celso Sabino (União Brasil – PA) até que o ato finalmente se consumasse.

Já se sabia oficialmente, há semanas, que os deputados André Fufuca (PP-AM) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) seriam contemplados com ministérios. Só não se sabia em que pastas eles seriam acomodados, gerando disputas entre os atuais ministros que buscavam preservar seus cargos apontando as fragilidades dos colegas de Esplanada.

A enfadonha novela da reforma ministerial acabou – ao menos até a próxima crise entre Executivo e Legislativo. O problema de fundo, no entanto, permanece e evidencia uma grave disfuncionalidade da política nacional.

Veja-se o caso da ex-ministra do Esporte Ana Moser, rifada na reforma. A ex-jogadora de vôlei não saiu por incompetência, mas pelo fato de não integrar um partido político que defendesse sua permanência, o que faz toda a diferença no presidencialismo de coalizão.

Entre o pragmatismo de Brasília e a visão que uma atleta olímpica poderia trazer para aprimorar as políticas públicas no esporte, uma das poucas atividades capazes de promover a inclusão social em um país tão desigual, a opção do governo foi muito clara.

Isso não é, necessariamente, ruim. Na chefia de um ministério, políticos muitas vezes privilegiam a formação de equipes técnicas, compostas por servidores que sabem como propor ações alinhadas às de outras pastas com maior capacidade financeira, de forma a garantir seus resultados.

No entanto, não foi isso que marcou as discussões da reforma ministerial do governo Lula nem foi isso que guiou as reformas anteriores, inclusive de outros governos. As trocas de ministros não se baseiam em possíveis melhorias a serem implementadas na condução das políticas públicas nem em acordos programáticos envolvendo os partidos. É simples jogo de encaixe para alocar representantes de partidos que possam vir a compor a base aliada.

Eis uma das faces mais perversas desse fenômeno. Uma vez que o Palácio do Planalto não tem um programa efetivo de governo e os partidos não têm um ideário programático, “compor a base aliada” significa apenas participar dos ganhos de ser governo (ter um ou mais ministérios), comprometendo-se, sem muita efusividade ou constância, a conceder algum apoio no Congresso.

Na verdade, é um círculo vicioso. Como assegurar a efetividade de boas políticas públicas em qualquer ministério diante de trocas de ministros orientadas unicamente pelos votos que eles podem agregar às votações na Câmara e no Senado? Sem a definição de uma direção a ser seguida, apresentada pelo governo, toda a conversa entre o Palácio do Planalto e os eventuais partidos a compor a base estará sempre centrada no simples escambo de benefícios.

Sem um programa de governo, sem um rumo a seguir, a política será sempre com “p” minúsculo. Além de não gerar ganhos reais para o País em termos de políticas públicas, esse modo de conduzir os assuntos públicos – mera troca de interesses privados entre os que ocupam os diferentes postos de poder no Executivo e no Legislativo – gera ainda mais desinteresse da população pela política. É o fracasso da democracia.

Não basta prometer, como faz Lula, unir e reconstruir o País. É preciso que o governo tenha um plano. A falta de propostas é o que explica a inversão de um processo no qual o ministro é escolhido antes mesmo de ter uma pasta para assumir.

Horizonte complexo para a economia

O Estado de S. Paulo

Em simpósio nos EUA, autoridades monetárias anteveem inflação mais alta e persistente; tensões geopolíticas e transição energética elevam risco de inflação de oferta

O encontro deste ano dos líderes dos bancos centrais em Jackson Hole, nos Estados Unidos, tornou evidente a limitação de instrumentos de política monetária para fazer frente às pressões inflacionárias mais fortes deste e dos próximos anos. O desafio de combater a inflação e trazê-la para um nível sustentável mostra-se mais complexo que o exposto nos simpósios anteriores. As implicações negativas da transição energética e dos conflitos e tensões geopolíticas sobre as cadeias de suprimento de bens e serviços tornaram mais difícil a missão das autoridades monetárias.

Outros vetores de incerteza sobre a oferta, cada vez menos elástica, somam-se àquelas a serem analisadas minuciosamente pelos bancos centrais a partir de agora. A redução do crescimento da China, exposta à crise imobiliária sem precedentes e ao comércio mais restritivo com seus maiores parceiros, é uma delas. Mas há de considerar também os efeitos deixados pela pandemia de covid no sistema global de suprimento, o protecionismo, o envelhecimento da população e o descuido com o equilíbrio fiscal.

Um dos principais temores de escalada da inflação de oferta diz respeito à fragmentação do comércio, por razões geopolíticas. As economias desenvolvidas buscam cada vez mais dissociarse da dependência de insumos, bens acabados e serviços produzidos por países não aliados ou fora de sua esfera de influência e estimular, via subsídios, a substituição de importações. O empenho dos Estados Unidos em reduzir sua dependência de bens produzidos na China e em restringir seu comércio com Pequim de bens de alta tecnologia ilustra esse movimento. Isso significa uma mudança substancial na estrutura de produção e de comércio consolidada nas primeiras décadas da globalização, que traz consigo incógnitas sobre a capacidade de fornecimento e os seus custos refletidos nos preços.

O quadro exposto pelas autoridades em Jackson Hole gera preocupação. Em seu discurso, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, sublinhou que um desafio de tal magnitude jamais foi enfrentado pelos bancos centrais. “Não há manual preexistente para a situação que estamos enfrentando. Então, nossa tarefa é rascunhar um novo”, declarou. O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, endossou o horizonte de incertezas ao declarar que “estamos navegando pelas estrelas com céu encoberto”.

Em seu diagnóstico da economia americana, Powell afirmou que a inflação “permanece alta demais” e que o Fed está preparado para elevar mais a taxa básica de juros – hoje de 5,25% a 5,5% ao ano – e manter a política restritiva até alcançar a meta de inflação de 2% ao ano. Esquivou-se, porém, de tocar outro ponto nevrálgico para atingir esse objetivo: a contenção de gastos pelo governo de Joe Biden, até o momento seguidor de uma cartilha expansionista.

Diante das incertezas sobre a oferta, o esforço fiscal tornou-se ainda mais essencial na calibragem das taxas de juros pelas autoridades monetárias. Reduzir gastos públicos de forma coerente e adequada tem seu mérito em uma equação cujo resultado esperado é controlar e reduzir a inflação sem impor danos desnecessários à economia. Trata-se de receita defendida, apesar da resistência feita pelo governo Lula, pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que não participou do encontro.

O aumento dos juros em curto prazo foi sinalizado não apenas por Powell, mas também pelas autoridades do Japão e de outros países presentes no encontro. Eles ainda fincam os pés na estratégia, há muito trilhada, de conter inicialmente a demanda, para depois replicar seus efeitos no restante da economia. O consenso de Jackson Hole sobre o risco iminente de acentuada inflação de oferta, porém, exigirá dos bancos centrais ampliar seu entendimento e análise sobre as dinâmicas das cadeias globais de suprimento, como condição de toda e qualquer decisão responsável. Disso dependerá, entre outras coisas, a preservação da credibilidade das instituições monetárias.

Para muitos, uma fábrica de frustrações

O Estado de S. Paulo

O País precisa enfrentar disfunções socioeconômicas e educacionais que levam à evasão das universidades

Desde a década de 90, o Brasil investe fortemente na ampliação do acesso ao ensino superior, seja por meio de bolsas (ProUni) ou créditos (Fies) para universidades privadas, seja pela ampliação das universidades públicas e programas de cotas. Apesar disso, as universidades sofrem com a crescente evasão. Segundo o Instituto Semesp, 55% dos estudantes desistem do curso. É um desperdício de recursos para as universidades – como se uma fábrica descartasse metade do que produz – e de oportunidades para os jovens.

O fenômeno não é exclusivo do Brasil. Uma pesquisa publicada no Wall Street Journal revela que 56% dos norte-americanos não creem que o diploma compensa o tempo e o dinheiro despendidos. A desconfiança reflete as dificuldades de adaptação das universidades às transformações do mundo contemporâneo.

No Brasil há agravantes socioeconômicas e educacionais. Dificuldades financeiras e a necessidade de trabalhar estão entre as principais motivações para o abandono, além da indecisão profissional e baixo desempenho.

Um problema é a escolha profissional precoce. Enquanto na Europa e EUA as graduações são divididas em duas partes – primeiro uma formação mais ampla e diversificada, depois a especialização profissional –, no Brasil um estudante é obrigado a definir aos 17 anos a profissão de sua vida. Isso ajuda a explicar as altas taxas de abandono, mas também as de retorno. Levantamento publicado nos Cadernos de Pesquisa 50, aponta que 40% dos alunos que se desligam se matriculam em outras instituições nos dois anos seguintes.

Outro problema é a defasagem do ensino técnico. Menos de 10% dos alunos do ensino médio estão em cursos profissionalizantes, enquanto a média nos países da OCDE é de quase 40%. Muitos interessados na formação técnica buscam compensar a carência em cursos universitários, mas se frustram com cursos longos coalhados de exigências acadêmicas irrelevantes para a carreira. Justamente nas áreas de tecnologia, que estão entre as mais promissoras no mercado, as taxas de abandono são maiores.

A evasão nesses cursos também explicita deficiências da formação básica. Segundo o MEC, só 5% dos alunos terminam o ensino médio com desempenho adequado em matemática.

A evasão no setor privado (57%) é mais alta que no público (47%). Além das dificuldades financeiras, isso se explica em parte pela má qualidade de muitos cursos privados.

Um levantamento da USP traz novos dados. O abandono entre não cotistas é de 15%; entre os cotistas da rede pública, é de 18,6%; e, dentre estes, a evasão de negros e indígenas é de 23,9%.

O desafio exige estratégias complexas, que vão desde uma melhor formação e orientação vocacional no ensino médio à modernização dos currículos acadêmicos e programas de apoio financeiro e pedagógico. E há um problema preliminar: a carência de dados detalhando características e causas da evasão. Sem diagnósticos adequados, as prescrições terapêuticas continuarão operando no escuro, e o ensino superior continuará a ser, para muitos, uma fábrica de frustrações.

Planos de saúde e transplantes de órgãos

Correio Braziliense

De acordo com a ANS, os planos de saúde são obrigados a cobrir esse tipo de procedimento quando indicados pelo médico e quando esse item estiver previsto no contrato do plano, seja ele individual ou coletivo.

Dada a repercussão recente dos temas transplante e doação de órgãos, é importante o debate sobre a obrigatoriedade de cobertura de determinados procedimentos pelos planos de saúde. Assim como em outros países, onde existem a regulamentação e as leis específicas de saúde, no Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regulamenta os planos de saúde e estabelece regras para a cobertura de procedimentos médicos, incluindo transplantes de órgãos.

De acordo com a ANS, os planos de saúde são obrigados a cobrir esse tipo de procedimento quando indicados pelo médico e quando esse item estiver previsto no contrato do plano, seja ele individual ou coletivo. No famoso rol da ANS, alguns transplantes já estão incluídos (como cobertura mínima) como obrigatórios nos planos de saúde, como é o caso das córneas, rins e medula.

No entanto, a justificativa do médico tem peso relevante nos casos de transplantes de coração, fígado, pâncreas e pulmão, o que obriga as operadoras a cobrir as despesas desses procedimentos, além de todo o tratamento. Ou seja, os planos de saúde ficam “entre a cruz e a caldeirinha”, restando a eles, também, disponibilizar a rede credenciada e os respectivos hospitais, bem como, caso não tenham, outros hospitais fora da rede. É um direito do candidato a um novo órgão.

O problema é que, na maioria das vezes, os órgãos a serem doados não podem esperar a papelada e os trâmites burocráticos que a lei exige, chegando a ser descartados e deixando o possível receptor à míngua. Embora os médicos brasileiros tenham maestria no quesito cirurgias de transplante, nossas filas para receber um órgão são das maiores do mundo. Ainda assim, no ano passado, o Brasil registrou mais de 25 mil transplantes, dos quais quase 359 de coração.

Para completar, no mês passado, as operadoras de planos de saúde sofreram outro revés, com a decisão da ANS, no último dia 14. Clientes de planos de saúde poderão, num prazo de 180 dias a contar da publicação no Diário Oficial da União (DOU), trocar de operadora antes do prazo de permanência mínima quando insatisfeitos com a retirada de algum hospital ou do serviço de urgência e emergência do prestador hospitalar da rede.

Atualmente, o consumidor só pode trocar o serviço de uma empresa por outra depois de cumprir prazos mínimos que variam de acordo com a situação. Caso seja a primeira portabilidade, a permanência é de dois anos, podendo chegar a três anos se o beneficiário tiver cumprido carência de dois anos para cobertura de doença ou lesão preexistente.

Caso tenha feito alguma portabilidade anteriormente, esse prazo de permanência mínimo exigido cai para um ano, podendo subir para dois anos se o plano atual tiver coberturas não previstas no plano anterior.
A boa notícia é que o Sistema Único de Saúde (SUS) faz um trabalho fantástico nessa área, o que reflete no número de transplantes realizados nos hospitais públicos: mais de 90% do total. Não é à toa que o Brasil recebeu a chancela de maior programa público de transplantes do mundo.

Erros não justificam retrocessos no combate à corrupção

Valor Econômico

É inegável que a Lava-Jato desvendou um esquema bilionário de corrupção do PT e partidos aliados, algo que deveria ser preservado na essência

A saga judicial da Operação Lava-Jato já passou por inúmeras reviravoltas, mas esta talvez seja a última: o ministro Dias Toffoli considerou “imprestáveis” todas as provas utilizadas para se chegar aos acordos de leniência da Odebrecht. As consequências são de longo alcance, mas é possível que os acordos de leniência das demais empreiteiras atingidas pela operação tenham o mesmo destino e de que elas não tenham mais de pagar o que prometeram em delações premiadas ou acordos, envolvendo devoluções de mais de R$ 25 bilhões aos cofres públicos (Valor , 8 de setembro). No caso da Odebrecht, as compensações somavam R$ 3,9 bilhões. É dinheiro que as empreiteiras admitiram dever ao Estado e que, agora, possivelmente não precisarão mais pagar. Como a sociedade reagirá diante dessa realidade não é difícil de imaginar.

A pá de cal na Operação Lava-Jato causa espanto. Os diálogos que o hacker Walter Delgatti obteve ao acessar ilegalmente o aplicativo Telegram dos procuradores foram decisivos para a anulação dos processos contra Lula e, agora, os da Odebrecht. A ação de um criminoso condenado a 20 anos de prisão - protagonista da Vaza-Jato - foi levada em conta porque a Justiça brasileira aceita que provas ilegais sejam utilizadas em benefício de réus. O ponto a estranhar é que, em sua decisão, Toffoli mandou apurar a responsabilidade dos agentes públicos que conduziram a Lava-Jato, apesar de a jurisprudência não permitir que o fruto de uma ilegalidade seja usado para acusar quem quer que seja.

As repercussões jurídicas da decisão de Toffoli são amplas. Pelo juízo peremptório de Toffoli, o processo contra Lula foi uma “armação”, o “verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia”, os métodos utilizados pela 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba foram ilegais e inaceitáveis e tudo isso teria contribuído para que a prisão de Lula fosse “um dos maiores erros judiciários” da História brasileira. A saber, os resultados de todos os inquéritos que passaram pelas mãos do então juiz Sergio Moro e dos promotores da Lava-Jato - e possivelmente vários processos conexos - e que usaram as provas cedidas pela Odebrecht estão anulados ou voltam à estaca zero. Como a decisão de Toffoli foi tomada em resposta a uma reclamação do então advogado de Lula, Cristiano Zanin, hoje ministro do STF, ela poderia ser monocrática e de mérito definitivo, sem necessidade de deliberação colegiada posterior dos outros ministros, caso não haja recurso, o que deve acontecer.

Moro e procuradores como Deltan Dallagnol já haviam sido alvo de juízos negativos severos pelo Supremo em decorrência de desvios de conduta, que de fato ocorreram, mas nenhum com tal abrangência. É inegável, porém, que a Lava-Jato desvendou um esquema bilionário de corrupção do PT e partidos aliados, algo que deveria ser preservado na essência. Até aqui, não se tem notado essa preocupação. É importante para o país que a Justiça, de agora em diante, encontre formas mais sofisticadas para evitar e punir desvios de condutas de agentes da lei, mas sem deixar de preservar o cerne das investigações e dos avanços no combate à corrupção. No campo político, há arranjos que desmontam ou flexibilizam instrumentos legais criados para reforçar o combate à corrupção, uma tendência que, em que pesem os erros de Moro e procuradores, não pode prosperar.

A Lei das Estatais, pós-petrolão, que prevê exigências técnicas e políticas para os candidatos a nelas exercer cargo de direção, começou a ser subvertida no governo de Jair Bolsonaro, com substituições no comando da Petrobras. O governo Lula, sob o qual o petrolão se desenvolveu, deu sequência ao indicar pessoas que pela lei deveriam ser impugnadas. Representantes do Centrão voltaram à diretoria da estatal. O STF, por decisão de Ricardo Lewandowski, suspendeu o trecho da lei que impedia que ministros e secretários estaduais e municipais ocupassem cargos de direção e do Conselho dessas empresas. A Câmara votou às pressas mudança de exigência de prazo - de 360 dias para 30 dias - para que membros de instâncias decisórias de partidos ou vinculados a campanhas eleitorais possam dirigir estatais. A lei está parada no Senado.

Projeto do PT, aprovado no último mês do governo Bolsonaro, modificou a lei de improbidade administrativa, colocando o dolo (intenção) no cometimento de infrações como fator decisivo para punições. Em recente viagem a Angola, diante das queixas de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha pouco protagonismo, Lula deu-lhe uma missão: reunir-se com 18 empresários que pediam a volta dos financiamentos do BNDES ao país. Entre eles estavam representantes da Novonor (ex-Odebrecht), Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, envolvidas na Lava-Jato. Haddad saiu-se bem: sugeriu aos empresários que fizessem uma carta à sociedade com a reivindicação. Há tempos a Casa Civil busca “reabilitar” as empreiteiras, para que terminem obras inconclusas, muitas delas objeto do pagamento de propinas pelas quais foram condenadas.

O pêndulo político voltou-se contra as estruturas encarregadas do combate à corrupção. Delas, porém, depende a continuidade da vigilância sobre os inúmeros caminhos pelos quais governos de todas as matizes se unem a maus empresários para a malversação de recursos públicos.

 

 

 

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