O Estado de S. Paulo
A sociedade brasileira está mudando, ganha autonomia, mas sua representação política continua agarrada ao passado
Lula e Bolsonaro, os principais contendores dos últimos anos, nada apresentaram de propostas ou de valores em seus respectivos pleitos, salvo os lugares-comuns que lhes possibilitassem um capital eleitoral. Ao serem eleitos, abriu-se um vácuo sobre o que iriam fazer, preenchido por atitudes políticas de Bolsonaro cada vez mais à direita, enquanto Lula se aferrou a propostas desgastadas e fracassadas do seu segundo governo e nos de sua sucessora. Na verdade, o Brasil tem se enfrentado com um vazio de ideias, porém se pode igualmente dizer que a sociedade tem trilhado seu caminho na defesa de valores, alguns de corte conservador e liberal. As propostas propriamente de esquerda estão mais confinadas aos núcleos de militantes, às universidades e a setores da imprensa e dos meios de comunicação.
Lula venceu a eleição com um número exíguo
de votos, nada que lhe deveria ter permitido dizer que foi eleito por ideias
por ele defendidas e reconhecidas pela opinião pública. A sociedade brasileira
reagiu a Bolsonaro dizendo sim a Lula, embora não compartilhe dos valores
esquerdistas que agora apresenta. Alguns,
talvez, tenham apostado no Lula responsável
e moderado de seu primeiro mandato. Um Lula liberal na economia, graças a
Antonio Palocci e Henrique Meirelles e às suas respectivas equipes. Nada,
todavia, que autorize a sua deriva irresponsável do ponto de vista fiscal,
focando sobretudo no aumento da arrecadação, e seus arroubos antiocidentais e
antieconomia de mercado. Mostra apenas contradições e falta de propostas. Na
área do mercado financeiro, termina às vezes aplaudido, em razão das tênues
afirmações de seu ministro da Fazenda de que deve haver controle de gastos,
mesmo que esses gastos estejam aumentando continuamente.
Política se coaduna com cautela nas ações.
Toda exacerbação cobra um preço elevado, podendo colocar todo um projeto de
poder a perigo. Na medida em que Lula e seu predecessor não tinham nada a dizer
do ponto de vista de valores e ideias, salvo generalidades, deveriam ter ambos
o senso da medida na condução dos assuntos públicos. Se foram eleitos pelo voto
do não, impunha-se uma extrema prudência em suas ações e propostas. Lula, por
seu lado, tem se caracterizado por arroubos retóricos inverossímeis. Vale,
aqui, destacar suas declarações a propósito do Brics e de sua ampliação. Seus
floreios antiamericanos e antiocidentais expõem sua marca, ganhando com isso
somente o apoio dos seus radicais no público interno e, no externo, dos Estados
autocratas e fundamentalistas.
À parte a Índia, que não segue esse tipo de
orientação política, a China adota cada vez mais uma atitude antiocidental e,
inclusive, de pretensões imperialistas ao redesenhar o seu mapa de fronteiras
com a Índia, por exemplo. Nada muito distinto do que a Rússia fez com a Ucrânia
até a sua invasão desse país, afirmando a ideia de uma “Grande Nação Russa”, de
valores próprios, que não mais reconheceria as fronteiras políticas existentes.
O Irã, novo membro, submetido a sanções ocidentais por seu agressivo projeto
militar nuclear, compraz-se a repudiar os valores ocidentais, em geral, e nos
costumes, em particular, reprimindo mulheres, homossexuais e outros credos. É o
símbolo mesmo da intolerância. Frise-se: tais companhias não guardam nenhuma
relação com a sociedade brasileira, de corte nitidamente ocidental.
Os valores da sociedade brasileira são
ocidentais, universais, baseados na tolerância religiosa e dos costumes, na
defesa das minorias, no antirracismo, no direito das mulheres e assim por
diante. O inglês é quase uma segunda língua. Não há a ideia de uma nação
brasileira cujos valores e princípios seriam antiocidentais, salvo na retórica
esquerdista, também de tipo ocidental, de uma luta contra o imperialismo
americano. Palavra nenhuma é dita a respeito dos imperialismos russo, chinês e iraniano
no Oriente Médio.
Mais especificamente, a sociedade
brasileira está voltada para os valores cristãos, algo que se expressa pelo
aumento substancial das igrejas evangélicas no País, sem que isso se traduza
pela intolerância religiosa. A narrativa lulista e petista encontra-se em
franca dissonância com os valores da sociedade.
Digna de nota é a falta de apoio ao MST em
suas ações. Nos governos petistas anteriores e mesmo antes, suas invasões
tinham o apoio de setores importantes da sociedade, em particular de uma certa
imprensa que se colocava como porta-voz deste movimento de orientação
socialista/comunista. Hoje, suas ações são imediatamente condenadas e não
prosperam, levando suas lideranças a negociações internas de verbas e cargos
com o governo. Não há mais o apoio social que existiu no passado. Houve, nesses
últimos anos, a afirmação do direito de propriedade como um valor a ser
defendido. Ideias retrógradas da esquerda não guardam mais aderência.
A sociedade brasileira está mudando, ganha
autonomia, mas sua representação política continua agarrada ao passado.
*Professor de Filosofia na Ufrgs
Um comentário:
A crítica ao Lula e à esquerda não deixa de ter fundamento,eu só acho que equipará-los ao Bolsonaro e sua tropa não tem o menor cabimento.
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