domingo, 3 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Petrobras semeia insegurança em várias frentes

O Globo

Rescisão de venda de refinaria, suspensão de privatizações e abertura a indicações políticas criam riscos futuros

Petrobras tem disseminado insegurança com várias de suas decisões recentes. Na última semana, o conselho de administração retirou do estatuto da empresa a blindagem contra as indicações políticas que a transformaram no palco principal da corrupção desbaratada pela Operação Lava-Jato. O pretexto alegado para a decisão foi atender a uma liminar do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei das Estatais, e a validade das medidas ainda está sujeita a manifestação do Tribunal de Contas da União (TCU), mas a mera discussão sobre um tema que parecia superado representa um retrocesso.

Não é o único. Duas outras decisões da Petrobras têm impacto temerário: a tentativa de rescindir a venda já formalizada de uma refinaria e a retomada de investimentos no refino. Além de ferirem a livre concorrência, ambas contrariaram acordo firmado pela própria empresa com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Em 2019, o Cade instaurou inquérito administrativo para investigar a conduta da Petrobras no mercado de refino. Pouco depois, a empresa informou que venderia oito refinarias. Como a privatização ampliaria a concorrência, houve acordo para suspender a investigação. A Petrobras vendeu uma unidade de xisto e três refinarias: Landulpho Alves (rebatizada Mataripe, na Bahia), Reman (Amazonas) e Lubnor (Ceará). Com a mudança de governo, houve reviravolta nas privatizações, pondo em risco não apenas o acordo com o Cade, mas também a segurança jurídica de negócios já firmados.

O plano estratégico da Petrobras para o quinquênio 2024-2028 prevê ampliar a presença no refino com investimentos de US$ 16, 3 bilhões. A empresa decidiu aumentar a capacidade de três refinarias que estavam na lista das que seriam vendidas: Abreu e Lima (Pernambuco), Gabriel Passos (Minas Gerais) e Repar (Paraná, com a produção de diesel menos poluente). Abreu e Lima, vale lembrar, foi um foco endêmico de corrupção.

A Petrobras anunciou ainda a rescisão da venda da Lubnor, sob a alegação de não cumprimento de medidas pela compradora, que decidiu buscar reparação por perdas e danos. Com isso, ganha força a impressão de que empresas já vendidas poderão voltar ao controle da estatal. Especula-se até se o fundo árabe Mubadala devolveria Mataripe, diante da insegurança jurídica.

No Cade, a Petrobras pediu renegociação do acordo de 2019. O presidente da estatal, Jean Paul Prates, argumenta que o compromisso foi elaborado com base em resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) depois revogada e que o Cade nunca apresentou estudo demonstrando o domínio do mercado pela Petrobras. Ora, basta acompanhar o sobe e desce no preço dos combustíveis para saber que o preço nas bombas é determinado pelo que a Petrobras cobra nas refinarias.

Quatro conselheiros indicados ao Cade ainda precisam ser sabatinados no Senado. Como falta quórum, a definição sobre o acordo deverá ficar para 2024. Nas sabatinas, os senadores fariam bem em questionar os candidatos sobre o assunto. Ninguém pode fazer vista grossa à tentativa evidente de fortalecer a presença no mercado de refino em detrimento da livre concorrência e de restaurar a intervenção política nos negócios da estatal. De um lado, está a visão de mundo estatista que já legou ao Brasil seu maior escândalo de corrupção. Do outro, a defesa dos consumidores e cidadãos brasileiros.

Acordo do Google no Canadá aponta tendência para jornalismo na internet

O Globo

Depois de nova lei, plataforma aceitou remunerar criadores do conteúdo jornalístico que veicula

O acordo fechado no Canadá para que o Google pague US$ 73,5 milhões por ano a donos de direitos autorais sobre conteúdos jornalísticos que veicula é mais um sinal do cerco sobre as gigantes digitais. Para o entendimento, foi essencial que o Congresso canadense aprovasse a Lei de Notícias On-Line, que obriga qualquer plataforma a negociar com as empresas de comunicação a remuneração pelo uso de textos, imagens, vídeos e áudios elaborados dentro dos padrões do jornalismo profissional. A Meta— dona de Facebook, Instagram e WhatsApp — ainda resiste a fechar acordo, embora tenha cedido na Austrália. Parece apenas questão de tempo.

A legislação de regulação das plataformas digitais da Austrália foi pioneira. Em 2021, o país aprovou o Código de Negociação Obrigatória de Plataformas Digitais e Mídia de Notícias. A legislação obrigou o Google a chegar a entendimento com todos os veículos australianos, e a Meta com a maioria. A lei prevê que, caso as partes não se entendam, as cifras sejam arbitradas por um órgão regulador. De acordo com Rod Sims, ex-presidente da Comissão de Consumo e Concorrência da Austrália, as plataformas têm pagado US$ 130 milhões por ano às empresas jornalísticas.

Antes de a lei entrar em vigor, as plataformas tentaram boicotá-la suspendendo acesso dos australianos a notícias. O boicote coincidiu com uma temporada de incêndios, quando o noticiário se tornou ainda mais essencial. Houve pressão da opinião pública, as plataformas negociaram um ajuste na legislação para torná-la mais branda e voltaram a permitir a navegação dos australianos. No fim, tiveram de passar a pagar às empresas jornalísticas.

Noutros países, a remuneração pelo jornalismo também tem ganhado corpo. Nos Estados Unidos, foram pioneiros os acertos do Google com a News Corp, do empresário Rupert Murdoch, e com o New York Times, que receberá US$ 100 milhões para ceder seu conteúdo por três anos. Na França houve resistência até que o Google concordou em desembolsar US$ 76 milhões para 121 editoras, também por três anos. Nos demais países da União Europeia, onde vigoram regras semelhantes à australiana, a tendência é haver novos acordos. Mesmo nos Estados Unidos, onde chega a haver aversão ideológica à regulação do meio digital, tramita no Congresso um projeto que força as plataformas a negociar com empresas que produzem conteúdo jornalístico.

As plataformas resistem, mas sabem que o material jornalístico é chave para atrair e manter a audiência. No Brasil, embora haja entendimentos pontuais entre elas e uns poucos veículos da imprensa, faz falta uma legislação similar à aprovada na União Europeia, na Austrália e no Canadá para equilibrar o poder de barganha nas negociações. O dispositivo que tratava do assunto foi retirado do Projeto de Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet — conhecido como PL das Fake News — para ser tratado à parte. O objetivo do desmembramento era facilitar a aprovação. O Congresso deveria encará-la como prioridade.

Delírio caribenho

Folha de S. Paulo

Ditador da Venezuela ameaça estabilidade regional por apoio para pleito de 2024

Território algo maior que o Acre, com cerca de 120 mil habitantes concentrados na costa caribenha, Essequibo é um notório desconhecido para a maioria das pessoas que não moram na Guiana, onde fica está localizada a região.

Mas na Venezuela, 21 milhões de pessoas estarão aptas a ir às urnas neste domingo (3) para dizer, entre outras coisas, se Essequibo deve ser um estado sob comando de Caracas, a despeito do que pensam os moradores da área em disputa.

É uma contenda que remonta à colcha de retalhos colonial daquela costa ao norte da América do Sul. Britânicos herdaram Essequibo da Holanda e, em 1899, obtiveram laudo internacional garantindo esse direito para sua então colônia.

Em plena desconstrução do império regido por Londres, um acordo em 1966 aceitou debater reivindicação venezuelana, mas não seus termos, e prometeu uma solução. Meses depois, a Guiana conquistou a independência, e o imbróglio acabou remetido para a ONU em 1982.

O relativo desinteresse das partes envolvidas deixou o tema adormecido, mas em 2015 a descoberta de petróleo na costa de Essequibo mudou o jogo. Americanos da ExxonMobil estimaram uma reserva quase igual à do Brasil.

A Venezuela, usando sua retórica de centro acadêmico contra os EUA, sacou a carta do imperialismo, com a ONU decidindo em 2018 que o tema deveria ser resolvido pela Corte Internacional de Justiça.

Entre muitos vaivéns, inclusive a recusa de Caracas de aceitar a corte como fórum, a ditadura de Nicolás Maduro achou por bem marcar um plebiscito para, na prática, referendar a reivindicação. A corte não vetou a iniciativa, mas alerta contra quaisquer ações de fato.

A votação tem resultado previsível, já que Essequibo está para os venezuelanos assim como as ilhas Falkland (Malvinas) estão para os argentinos. Qualquer semelhança entre a ditadura agônica de Buenos Aires em 1982 e Caracas hoje não é mera coincidência.

Mas há diferenças. Maduro não parece à beira do fim, embora esteja sob escrutínio acerca da eleição presidencial de 2024, no qual seus rivais estão sendo barrados pela Justiça alinhada. Uma causa nacional, assim, cai bem ao contexto.

Tudo isso afeta o governo brasileiro. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu partido são aliados da ditadura de Maduro, a qual consideram uma grande democracia pelos plebiscitos constantes.

Um eventual, ainda que improvável, conflito levaria caos a Roraima, que recebe cerca de 400 venezuelanos todos os dias. O governo declarou estar alerta, mas sem de fato fazer algo a respeito. Como é possível que uma invasão de Essequibo passe pelo Brasil, a realidade pode obrigar decisões mais agudas.

O custo dos juízes

Folha de S. Paulo

Benesse na Justiça do Trabalho é mais um privilégio que eleva gasto nacional

Em um ranking de salários nacionais publicado pela Folha no final de outubro, os juízes ostentavam a maior remuneração média entre 427 ocupações. Até aí, nada de muito anormal, dada a importância dos cargos e a qualificação exigida de seus ocupantes.

Chama a atenção, no entanto, a enorme disparidade entre a renda média ali considerada para a categoria, de R$ 24.732 mensais, e a despesa média nacional por magistrado apurada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) —de exorbitantes R$ 69.831 ao mês, em números relativos ao ano passado.

O motivo principal, mas talvez não o único, para tamanha diferença é o método de apuração dos valores. No primeiro, usaram-se os salários informados pelos profissionais à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE; no segundo, os gastos efetivos com os profissionais.

Nestes, levam-se em conta "remunerações, indenizações, encargos sociais, previdenciários, Imposto de Renda, despesas com viagens a serviço (passagens aéreas e diárias)", conforme explica o relatório Justiça em Números, do CNJ.

Se é louvável a divulgação transparente dos dados pelo conselho, as práticas embutidas nas cifras são, em grande parte dos casos, vexatórias. Aí estão os inúmeros abonos, auxílios e outros penduricalhos que os magistrados instituem em benefício próprio para driblar o teto salarial do serviço público, de R$ 41.650,92.

A corrida por tais benesses é incessante em todos os setores e instâncias do caríssimo Judiciário brasileiro. No exemplo mais recente, noticiado por este jornal, a Justiça do Trabalho criou remuneração extra para magistrados que acumulam funções como dirigir um fórum, participar de comissão temática ou atuar como juiz auxiliar.

Ademais, afrouxaram-se as regras para a concessão de um benefício por alegado excesso de serviço —esse pagamento ao menos está sujeito ao teto do funcionalismo.

Com 436,4 mil servidores, dos quais 18,1 mil magistrados, o Judiciário consumiu R$ 116,2 bilhões em dinheiro do contribuinte no ano passado. O montante equivale a 1,2% do PIB, patamar muito acima do padrão mundial.

Juízes, desembargadores e ministros representam uma parcela minoritária desse custo, mas encabeçam os exemplos de descolamento da realidade nacional que pautam as decisões sobre seus privilégios e os dos colegas de trabalho.

Benefícios sociais pelo ralo

O Estado de S. Paulo

Programa social não é caro se for bem focado. Mas o TCU estima que neste ano R$ 34 bilhões do Bolsa Família foram desperdiçados com quem não precisava, em prejuízo dos vulneráveis

O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou inconsistências de renda e de composição em, respectivamente, 40% e 33% das famílias registradas no Cadastro Único que recebem o Bolsa Família. A Corte estima que quase uma em cada quatro famílias seja inelegível, implicando um desperdício, em 2023, de R$ 34 bilhões que poderiam ter sido gastos para ajudar quem realmente precisa. Em meados deste ano, por exemplo, havia 438 mil famílias na fila do programa – famílias aprovadas, mas que não recebiam os pagamentos por “falta de recursos”. E isso só no Bolsa Família. O Cadastro é a base de outros 30 programas.

Decerto, a maior parcela de responsabilidade cabe ao governo Bolsonaro. Nas gestões do PT, os programas de transferência de renda eram razoavelmente bem-sucedidos em ajudar os miseráveis e alavancar votos. Isso se fez com programas pela metade, que privilegiavam a distribuição de dinheiro ao mesmo tempo que negligenciavam mecanismos de inclusão, perpetuando uma massa de dependentes que serviram de curral eleitoral. Um estadista teria eliminado os aspectos que fazem desses programas máquinas eleitorais e potencializado os que fazem deles máquinas de emancipação. Ao desfigurar o Bolsa Família, transformando-o no teratológico Auxílio Brasil, Bolsonaro fez o contrário.

Sem estudo prévio, driblando regras eleitorais e fiscais, Bolsonaro eliminou todas as contrapartidas – como a obrigação de cumprir o currículo escolar e o calendário vacinal –, criou um benefício único distribuído indiscriminadamente – o mesmo para uma pessoa e uma mãe solo com três filhos, por exemplo –, e desmantelou o Cadastro, abrindo espaço a todo tipo de fraude. Ao resgatar o Bolsa Família, o governo Lula saneou parcialmente essas distorções, mas o desarranjo cadastral ainda se faz sentir.

Estima-se que a maior fonte de fraudes seja o incentivo à fragmentação familiar em decorrência do valor mínimo de R$ 600, conferido independentemente do número de membros da família. Desde 2020, em descompasso com a demografia, as famílias cadastradas de uma só pessoa cresceram 224%. Há municípios onde mais de 50% das famílias são unipessoais. Há ainda equívocos em 15% dos endereços, cerca de 30 mil CPFs inválidos e mais de 280 mil que podem ser de pessoas falecidas.

A cadeia de irresponsabilidades extrapola o governo federal. Em relação ao Cadastro, a União tem o papel de “gerente”; os Estados, de “apoiadores”; e os municípios, de “executores”. Entre as causas das inconsistências estão a predominância da autodeclaração nos cadastros, a checagem frágil das informações em outras bases de dados e a negligência de visitas domiciliares pelos agentes públicos. Além dos protocolos frouxos, o TCU aponta que a União e os Estados não desempenham satisfatoriamente a orientação, supervisão e fiscalização dos municípios.

São alguns dos fatores que explicam um aparente paradoxo. Nunca o País gastou tanto e com tantas famílias – em cinco anos, o orçamento do Bolsa Família saltou de R$ 30 bilhões para R$ 175 bilhões; as famílias beneficiadas, de 14 milhões para 21 milhões; e o valor médio do benefício, de R$ 190 para quase R$ 700. Ainda assim, segundo o Ipea, as famílias em extrema pobreza, que em 2014 eram 2,8% do total, hoje são cerca de 4%.

Muito precisa ser feito para racionalizar os programas sociais a fim de que foquem nas pessoas vulneráveis e as ajudem a conquistar sua independência, por exemplo, distinguindo necessidades de pessoas em condição de miséria daquelas em situação de informalidade, criando incentivos para os jovens se desenvolverem nos estudos e prestando outras formas de assistência além da transferência de renda. E tudo de maneira fiscalmente responsável. É o que contempla, por exemplo, o projeto da Lei de Responsabilidade Social, que jaz em algum escaninho do Congresso.

É possível fazer muito mais com menos. Mas, por ora, é preciso fazer melhor com o que se tem, a começar por não torrar bilhões com quem não precisa em prejuízo de quem precisa. Aprimorar os protocolos e a execução do Cadastro Único é tarefa para já.

Avanços e tropeços do Brasil na COP

O Estado de S. Paulo

Boas propostas de Lula foram prejudicadas por vulnerabilidades, como o desmatamento, e contradições, como o flerte com o cartel petrolífero da Opep, que não traz vantagens ao País

O discurso do presidente Lula da Silva na Conferência do Clima da ONU (COP-28) compilou boas intenções, acusações e cobranças genéricas, perpassadas por algumas propostas concretas, mas incapazes de escamotear vulnerabilidades e contradições.

Entre as generalidades extemporâneas está a menção às guerras. Quando Lula não as reduz a um mal-entendido, equiparando responsabilidades, como se não houvesse agressores e vítimas, as reduz a uma espécie de “luta de classes”, indignando-se com a incapacidade da ONU de manter a paz, “porque alguns dos seus membros lucram com a guerra”. Essas manifestações simplistas, simplórias e inoportunas só desmoralizam o protagonismo geopolítico do Brasil.

Naquilo que interessa, o governo chegou com algumas cartas na manga. A cúpula dos países amazônicos inaugurada pelo Brasil, ainda que não tenha logrado muitos compromissos, foi um passo na coordenação das políticas da região. O Brasil também apresentou propostas de regulação do mercado de carbono e de linhas de crédito voltadas ao desenvolvimento de alternativas sustentáveis.

Além disso, o governo tinha a seu favor a redução de 22% no desmatamento da Amazônia. Ainda é pouco. O desmate responde por quase metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil e é o maior pretexto de corporações agrícolas protecionistas para conspurcar a reputação do agro nacional. Neste sentido, Lula poderia ter prestigiado as conquistas do agronegócio na área de sustentabilidade, mas, como são iniciativas independentes de um setor pelo qual não nutre muita simpatia, parece não ter tido interesse.

Além do desmatamento, as queimadas no Pantanal e no Cerrado são outras vulnerabilidades, mas que justificam certas cobranças. O presidente fez bem em propor um fundo coordenado por organismos multilaterais para remunerar a preservação e o reflorestamento. Se os biomas brasileiros são, como todos dizem, um “patrimônio da humanidade”, é justo que seus povos contribuam para preservá-lo.

Mas a participação de Lula não disfarçou certas contradições. Não, como muitos dizem, a potencial exploração de petróleo na Margem Equatorial. Goste-se ou não, num futuro próximo a economia global continuará a ser abastecida pelos combustíveis fósseis. Se o Brasil não explorar suas reservas, isso não alterará em nem um litro o consumo. Os povos amazônicos vivem um paradoxo: com todas as suas alegadas “riquezas naturais”, têm os maiores índices de pobreza do País, o que incentiva práticas predatórias. Políticas ambientais, sociais e de transição energética custam caro, e a exploração da Margem Equatorial, se for segura, pode financiá-las.

O que é realmente contraditório é a manutenção de subsídios aos combustíveis fósseis. Pior do que contraditório, o aceno à adesão do Brasil à Opep+ é contraproducente. O interesse do cartel no Brasil é evidente. O País está entre os 10 maiores produtores do mundo e pode ser o 4.º se se confirmarem as perspectivas do pré-sal e da Margem Equatorial. A participação no cartel tem custos geopolíticos, mas seus petroestados, na maior parte tiranias, os pagam, porque suas economias dependem quase que exclusivamente do petróleo. Não é o caso do Brasil. Se participasse do grupo, ele seria obrigado a seguir suas determinações sobre a produção e os preços, com pouca ingerência sobre elas. Já a Opep+ reúne países na condição de ouvintes, e o Brasil ganharia, no máximo, acesso antecipado às decisões do cartel. Em ambos os casos o Brasil tem a perder.

A única explicação é o apetite de Lula e seus acólitos, incapazes de se divorciar da mentalidade da guerra fria, por provocar o “Norte” global aderindo a uma suposta instância de emancipação do “Sul”. Esse ruído em plena COP não será suficiente para minar a posição privilegiada do Brasil na área ambiental, mas foi um vexame diplomático evitável. Espera-se que as equipes do Itamaraty e da Fazenda tragam o Planalto à razão, quer dizer, ao serviço dos interesses reais do País, e não do narcisismo ideológico de seu presidente.

Vitória do bom senso

O Estado de S. Paulo

Regulamentação do uso de agrotóxicos adotou parâmetros técnicos importantes para o País

A aprovação, pelo Senado, do projeto de lei que estabelece novas regras para aprovação, registro, comercialização e uso de agrotóxicos pôs fim a uma tramitação de 24 anos no Congresso, permeada por embates entre ambientalistas e ruralistas. Divergências sempre haverá, e o debate é a expressão mais proveitosa da democracia. Mas procedimentos que se estendem por mais de duas décadas indicam uma enorme dificuldade de dialogar para construir um consenso.

Pode-se concluir que o saldo foi o do bom senso, com um marco regulatório que impede o registro temporário, por meio do qual seria permitido o uso de pesticidas ainda não avaliados tecnicamente no País. Também institui a análise de risco dos produtos e, embora determine a coordenação do Ministério da Agricultura no processo, mantém as atribuições da Anvisa e do Ibama nas análises sobre os respectivos efeitos à saúde e ao meio ambiente.

Deliberar sobre a questão dos defensivos agrícolas apartando do debate radicalismos de parte a parte é fundamental para uma economia que tem no setor agropecuário um de seus mais firmes esteios. A própria manutenção do termo agrotóxico, abominado pelo setor rural, é uma prova de que acordos são possíveis. Conservar a nomenclatura, sustentam os defensores da medida, é um importante alerta para a toxicidade desses produtos.

Há quatro anos, também depois de um extenso trâmite que incluiu consultas públicas e discussões exaustivas, a Anvisa aprovou a harmonização a padrões internacionais na especificação de agrotóxicos, passando de quatro para seis as classificações de risco, instrumento importante para definir a intensidade do perigo de cada pesticida. Vencendo etapas de forma técnica, dispensando extremismos e atitudes irredutíveis, o País tende a evoluir.

O Brasil precisa manter escala e produtividade no agronegócio, que tem conseguido efetuar duas a três safras ao ano fazendo amplo uso de pesquisas e tecnologias que incluem o uso de agrotóxicos. Obviamente, há que ter o cuidado de regular este uso para reduzir ao mínimo o risco de danos. E isso tem sido feito. Recente reportagem do Estadão destacou, por exemplo, como o País avança rapidamente para chegar à chamada “agricultura 4.0” com o uso de técnicas modernas, como os pulverizadores que só liberam a quantidade de defensivo que aquela determinada planta precisa.

A busca por técnicas sustentáveis de cultivo é uma prioridade na agricultura brasileira, cada vez mais inserida na concorrência internacional, movida pela segurança alimentar. O que o País precisa é de transparência, fiscalização e regulamentação bem delimitada. A aprovação do Projeto de Lei 1459/22, que ainda irá à sanção presidencial, é um passo nessa direção. Vai substituir uma legislação de 34 anos atrás, já obsoleta num mercado em constante e veloz progressão.

A observância a critérios técnicos em detrimento de conceitos especificamente ideológicos ou não devidamente fundamentados não deixa derrotados. Ainda há muito a ser feito. E o debate continua sendo o melhor caminho.

Juros, inflação e recessão técnica

Correio Braziliense

O Banco Central voltará a se reunir para definir a nova taxa básica de juros

Em pouco mais de uma semana, o Banco Central voltará a se reunir para definir a nova taxa básica de juros (Selic), que está em 12,25% ao ano. É praticamente certo que haverá um corte de 0,5 ponto percentual, para 11,75% anuais, como já ressaltou o Comitê de Política Monetária (Copom) em seus vários comunicados. Esse roteiro pré-definido, porém, será atropelado pelos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, que serão divulgados na próxima terça-feira. A aposta geral é de queda entre 0,1% e 0,2% ante os três meses imediatamente anteriores.

Esse tombo da atividade poderia ser visto como um ajuste sazonal da economia, devido à entressafra agrícola. O problema é que todas as projeções apontam para novos recuos do PIB no quarto trimestre do ano e no primeiro de 2024. Ou seja, o Brasil caminha para uma recessão técnica, que tende a mexer com os nervos do governo e a afetar o humor da população num ano eleitoral. Os juros, que vêm caindo, mas continuam elevados para uma atividade que precisa de estímulos, voltarão, portanto, a ser os grandes vilões da vez. A culpa pelos números ruins da atividade cairá, em boa parte, no colo do Banco Central.

A realidade, porém, é que a economia tem perdido força por uma série de razões, a começar pelo fim da colheita de grãos, em especial da soja, que representa quase 46% da atividade agrícola no país. Sem a força do campo, que já enfrenta os impactos das mudanças climáticas, com quebras de safras, os demais setores não conseguem sustentar o PIB no ritmo desejado. Comércio, indústria e serviços se ressentem de uma demanda fraca, pois a renda avança pouco, mesmo com a criação de empregos formais, e o crédito continua escasso e caro. Os investimentos produtivos, que também poderiam dar um fôlego ao PIB, o empurram para baixo.

Há que se ressaltar, ainda, que a economia cresceu com mais vigor em 2022 não por fatores estruturais. O que realmente pesou para o salto de 2,9% do Produto Interno Bruto foi a grande injeção de recursos por parte do governo da época de olho nas eleições presidenciais. O aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 sustentou o consumo das famílias e fez a festa do varejo e, por consequência, das fábricas. Esse gás extra, no entanto, se esgotou. Agora, a atividade coloca os pés no chão com todos os seus desafios, inclusive o de conviver com um aperto monetário.

Certamente, o quadro seria mais desanimador não fosse o sucesso do Banco Central em derrubar a inflação. Os índices de preços caminham para o centro das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) depois de dois anos em níveis inaceitáveis. A inflação sob controle é o melhor instrumento para que a economia possa caminhar sem grandes atropelos e para que o país resolva, ou pelo menos tente resolver, seus problemas estruturais. É mais do que certo que o PIB brasileiro sofre com a baixa produtividade, devido a deficiências históricas na educação e na infraestrutura.

Sendo assim, não haverá por que empurrar para o Banco Central a responsabilidade pelos resultados mais fracos da economia, ou seja, uma contratada recessão técnica. A autoridade monetária, com sua independência prevista em lei, cumpriu a sua missão de levar a inflação para as metas. E que fique claro: esse trabalho ainda não acabou. Por causa da seca em algumas regiões e do excesso de chuvas em outras, a produção de alimentos foi seriamente afetada. Significa dizer que os preços da comida, que acumularam deflação nos últimos meses, agora, voltaram a subir, impactando a economia como um todo.

Em meio a esse quadro, a tentação do governo de lançar mão de estripulias será grande. Se a opção for por aumento dos gastos fiscais, o desastre será geral, pois a inflação, que voltou a se assanhar impulsionada pelos eventos climáticos, vai arreganhar novamente os dentes. Nesse contexto, em vez de continuarem em queda, os juros serão mantidos em patamares acima do recomendável para uma economia anêmica. O Brasil tem exemplos de sobra para se mirar. Repetir erros só pune a população mais vulnerável, que não tem instrumentos de proteção. O momento requer paciência e bom senso.

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