Petrobras semeia insegurança em várias frentes
O Globo
Rescisão de venda de refinaria, suspensão de
privatizações e abertura a indicações políticas criam riscos futuros
A Petrobras tem
disseminado insegurança com várias de suas decisões recentes. Na última semana,
o conselho de administração retirou do estatuto da empresa a blindagem contra
as indicações políticas que a transformaram no palco principal da corrupção
desbaratada pela Operação Lava-Jato. O pretexto alegado para a decisão foi
atender a uma liminar do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei das Estatais, e a
validade das medidas ainda está sujeita a manifestação do Tribunal de Contas da
União (TCU), mas a mera discussão sobre um tema que parecia superado representa
um retrocesso.
Não é o único. Duas outras decisões da Petrobras têm impacto temerário: a tentativa de rescindir a venda já formalizada de uma refinaria e a retomada de investimentos no refino. Além de ferirem a livre concorrência, ambas contrariaram acordo firmado pela própria empresa com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Em 2019, o Cade instaurou inquérito
administrativo para investigar a conduta da Petrobras no mercado de refino.
Pouco depois, a empresa informou que venderia oito refinarias. Como a
privatização ampliaria a concorrência, houve acordo para suspender a investigação.
A Petrobras vendeu uma unidade de xisto e três refinarias: Landulpho Alves
(rebatizada Mataripe, na Bahia), Reman (Amazonas) e Lubnor (Ceará). Com a
mudança de governo, houve reviravolta nas privatizações, pondo em risco não
apenas o acordo com o Cade, mas também a segurança jurídica de negócios já
firmados.
O plano estratégico da Petrobras para o
quinquênio 2024-2028 prevê ampliar a presença no refino com investimentos de
US$ 16, 3 bilhões. A empresa decidiu aumentar a capacidade de três refinarias
que estavam na lista das que seriam vendidas: Abreu e Lima (Pernambuco),
Gabriel Passos (Minas Gerais) e Repar (Paraná, com a produção de diesel menos
poluente). Abreu e Lima, vale lembrar, foi um foco endêmico de corrupção.
A Petrobras anunciou ainda a rescisão da
venda da Lubnor, sob a alegação de não cumprimento de medidas pela compradora,
que decidiu buscar reparação por perdas e danos. Com isso, ganha força a
impressão de que empresas já vendidas poderão voltar ao controle da estatal.
Especula-se até se o fundo árabe Mubadala devolveria Mataripe, diante da
insegurança jurídica.
No Cade, a
Petrobras pediu renegociação do acordo de 2019. O presidente da
estatal, Jean Paul
Prates, argumenta que o compromisso foi elaborado com base em
resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) depois revogada e
que o Cade nunca apresentou estudo demonstrando o domínio do mercado pela
Petrobras. Ora, basta acompanhar o sobe e desce no preço dos combustíveis para
saber que o preço nas bombas é determinado pelo que a Petrobras cobra nas
refinarias.
Quatro conselheiros indicados ao Cade ainda
precisam ser sabatinados no Senado. Como falta quórum, a definição sobre o
acordo deverá ficar para 2024. Nas sabatinas, os senadores fariam bem em
questionar os candidatos sobre o assunto. Ninguém pode fazer vista grossa à
tentativa evidente de fortalecer a presença no mercado de refino em detrimento
da livre concorrência e de restaurar a intervenção política nos negócios da
estatal. De um lado, está a visão de mundo estatista que já legou ao Brasil seu
maior escândalo de corrupção. Do outro, a defesa dos consumidores e cidadãos
brasileiros.
Acordo do Google no Canadá aponta tendência
para jornalismo na internet
O Globo
Depois de nova lei, plataforma aceitou
remunerar criadores do conteúdo jornalístico que veicula
O acordo
fechado no Canadá para que o Google pague US$ 73,5 milhões por ano a donos de
direitos autorais sobre conteúdos jornalísticos que veicula é
mais um sinal do cerco sobre as gigantes digitais. Para o entendimento, foi
essencial que o Congresso canadense aprovasse a Lei de Notícias On-Line, que
obriga qualquer plataforma a negociar com as empresas de comunicação a
remuneração pelo uso de textos, imagens, vídeos e áudios elaborados dentro dos
padrões do jornalismo profissional. A Meta— dona de Facebook, Instagram e
WhatsApp — ainda resiste a fechar acordo, embora tenha cedido na Austrália.
Parece apenas questão de tempo.
A legislação de regulação das plataformas
digitais da Austrália foi pioneira. Em 2021, o país aprovou o Código de
Negociação Obrigatória de Plataformas Digitais e Mídia de Notícias. A
legislação obrigou o Google a
chegar a entendimento com todos os veículos australianos, e a Meta com a
maioria. A lei prevê que, caso as partes não se entendam, as cifras sejam
arbitradas por um órgão regulador. De acordo com Rod Sims, ex-presidente da
Comissão de Consumo e Concorrência da Austrália, as plataformas têm pagado US$
130 milhões por ano às empresas jornalísticas.
Antes de a lei entrar em vigor, as
plataformas tentaram boicotá-la suspendendo acesso dos australianos a notícias.
O boicote coincidiu com uma temporada de incêndios, quando o noticiário se
tornou ainda mais essencial. Houve pressão da opinião pública, as plataformas
negociaram um ajuste na legislação para torná-la mais branda e voltaram a
permitir a navegação dos australianos. No fim, tiveram de passar a pagar às
empresas jornalísticas.
Noutros países, a remuneração pelo jornalismo
também tem ganhado corpo. Nos Estados Unidos, foram pioneiros os acertos do
Google com a News Corp, do empresário Rupert Murdoch, e com o New York Times,
que receberá US$ 100 milhões para ceder seu conteúdo por três anos. Na França
houve resistência até que o Google concordou em desembolsar US$ 76 milhões para
121 editoras, também por três anos. Nos demais países da União Europeia, onde
vigoram regras semelhantes à australiana, a tendência é haver novos acordos.
Mesmo nos Estados Unidos, onde chega a haver aversão ideológica à regulação do
meio digital, tramita no Congresso um projeto que força as plataformas a
negociar com empresas que produzem conteúdo jornalístico.
As plataformas resistem, mas sabem que o
material jornalístico é chave para atrair e manter a audiência. No Brasil,
embora haja entendimentos pontuais entre elas e uns poucos veículos da
imprensa, faz falta uma legislação similar à aprovada na União Europeia, na
Austrália e no Canadá para
equilibrar o poder de barganha nas negociações. O dispositivo que tratava do
assunto foi retirado do Projeto de Lei de Liberdade, Responsabilidade e
Transparência na Internet — conhecido como PL das Fake News — para ser tratado
à parte. O objetivo do desmembramento era facilitar a aprovação. O Congresso
deveria encará-la como prioridade.
Delírio caribenho
Folha de S. Paulo
Ditador da Venezuela ameaça estabilidade
regional por apoio para pleito de 2024
Território algo maior que o Acre, com cerca
de 120 mil habitantes concentrados na costa caribenha, Essequibo é um notório
desconhecido para a maioria das pessoas que não moram na Guiana, onde fica está
localizada a região.
Mas na Venezuela, 21 milhões de pessoas
estarão aptas a ir às urnas neste domingo (3) para dizer, entre outras
coisas, se Essequibo
deve ser um estado sob comando de Caracas, a despeito do que pensam
os moradores da área em disputa.
É uma contenda que remonta à colcha de
retalhos colonial daquela costa ao norte da América do Sul.
Britânicos herdaram Essequibo da Holanda e, em 1899, obtiveram laudo
internacional garantindo esse direito para sua então colônia.
Em plena desconstrução do império regido por
Londres, um acordo em 1966 aceitou debater reivindicação venezuelana, mas não
seus termos, e prometeu uma solução. Meses depois, a Guiana conquistou a
independência, e o imbróglio acabou remetido para a ONU em 1982.
O relativo desinteresse das partes envolvidas
deixou o tema adormecido, mas em 2015 a descoberta de petróleo na costa de
Essequibo mudou o jogo. Americanos da ExxonMobil estimaram uma reserva quase
igual à do Brasil.
A Venezuela, usando sua retórica de centro
acadêmico contra os EUA, sacou a carta do imperialismo, com a ONU decidindo em
2018 que o tema deveria ser resolvido pela Corte Internacional de Justiça.
Entre muitos vaivéns, inclusive a recusa de
Caracas de aceitar a corte como fórum, a ditadura de Nicolás Maduro achou por
bem marcar um plebiscito para, na prática, referendar a reivindicação. A corte não
vetou a iniciativa, mas alerta contra quaisquer ações de fato.
A votação tem resultado previsível, já que
Essequibo está para os venezuelanos assim como as ilhas Falkland (Malvinas)
estão para os argentinos. Qualquer semelhança entre a ditadura agônica de
Buenos Aires em 1982 e Caracas hoje não é mera coincidência.
Mas há diferenças. Maduro não parece à beira
do fim, embora esteja sob escrutínio acerca da eleição presidencial de 2024, no
qual seus rivais estão sendo barrados pela Justiça alinhada. Uma causa
nacional, assim, cai bem ao contexto.
Tudo isso afeta o governo brasileiro. Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) e seu partido são aliados da ditadura de Maduro, a
qual consideram uma grande democracia pelos plebiscitos constantes.
Um eventual, ainda que improvável, conflito
levaria caos a Roraima, que recebe cerca de 400 venezuelanos todos os dias. O
governo declarou estar alerta, mas sem de fato fazer algo a respeito. Como é
possível que uma invasão de Essequibo passe pelo Brasil, a realidade pode
obrigar decisões mais agudas.
O custo dos juízes
Folha de S. Paulo
Benesse na Justiça do Trabalho é mais um
privilégio que eleva gasto nacional
Em um ranking de salários nacionais publicado
pela Folha no final de outubro, os juízes
ostentavam a maior remuneração média entre 427 ocupações. Até aí,
nada de muito anormal, dada a importância dos cargos e a qualificação exigida
de seus ocupantes.
Chama a atenção, no entanto, a enorme
disparidade entre a renda média ali considerada para a categoria, de R$ 24.732
mensais, e a despesa média nacional por magistrado apurada pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) —de exorbitantes R$ 69.831 ao mês, em números
relativos ao ano passado.
O motivo principal, mas talvez não o único,
para tamanha diferença é o método de apuração dos valores. No primeiro,
usaram-se os salários informados pelos profissionais à Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE; no segundo, os gastos efetivos
com os profissionais.
Nestes, levam-se em conta "remunerações,
indenizações, encargos sociais, previdenciários, Imposto de Renda, despesas com
viagens a serviço (passagens aéreas e diárias)", conforme explica o
relatório Justiça em Números, do CNJ.
Se é louvável a divulgação transparente dos
dados pelo conselho, as práticas embutidas nas cifras são, em grande parte dos
casos, vexatórias. Aí estão os inúmeros abonos, auxílios e outros penduricalhos
que os magistrados instituem em benefício próprio para driblar o teto salarial
do serviço público, de R$ 41.650,92.
A corrida por tais benesses é incessante em
todos os setores e instâncias do caríssimo Judiciário brasileiro. No exemplo
mais recente, noticiado por este jornal, a Justiça do
Trabalho criou remuneração extra para magistrados que acumulam funções como
dirigir um fórum, participar de comissão temática ou atuar como juiz auxiliar.
Ademais, afrouxaram-se as regras para a
concessão de um benefício por alegado excesso de serviço —esse pagamento ao
menos está sujeito ao teto do funcionalismo.
Com 436,4 mil servidores, dos quais 18,1 mil
magistrados, o Judiciário consumiu R$ 116,2 bilhões em dinheiro do contribuinte
no ano passado. O montante equivale a 1,2% do PIB, patamar muito acima do
padrão mundial.
Juízes, desembargadores e ministros representam uma parcela minoritária desse custo, mas encabeçam os exemplos de descolamento da realidade nacional que pautam as decisões sobre seus privilégios e os dos colegas de trabalho.
Benefícios sociais pelo ralo
O Estado de S. Paulo
Programa social não é caro se for bem focado.
Mas o TCU estima que neste ano R$ 34 bilhões do Bolsa Família foram
desperdiçados com quem não precisava, em prejuízo dos vulneráveis
O Tribunal de Contas da União (TCU)
identificou inconsistências de renda e de composição em, respectivamente, 40% e
33% das famílias registradas no Cadastro Único que recebem o Bolsa Família. A
Corte estima que quase uma em cada quatro famílias seja inelegível, implicando
um desperdício, em 2023, de R$ 34 bilhões que poderiam ter sido gastos para
ajudar quem realmente precisa. Em meados deste ano, por exemplo, havia 438 mil
famílias na fila do programa – famílias aprovadas, mas que não recebiam os
pagamentos por “falta de recursos”. E isso só no Bolsa Família. O Cadastro é a
base de outros 30 programas.
Decerto, a maior parcela de responsabilidade
cabe ao governo Bolsonaro. Nas gestões do PT, os programas de transferência de
renda eram razoavelmente bem-sucedidos em ajudar os miseráveis e alavancar
votos. Isso se fez com programas pela metade, que privilegiavam a distribuição
de dinheiro ao mesmo tempo que negligenciavam mecanismos de inclusão,
perpetuando uma massa de dependentes que serviram de curral eleitoral. Um
estadista teria eliminado os aspectos que fazem desses programas máquinas
eleitorais e potencializado os que fazem deles máquinas de emancipação. Ao
desfigurar o Bolsa Família, transformando-o no teratológico Auxílio Brasil,
Bolsonaro fez o contrário.
Sem estudo prévio, driblando regras
eleitorais e fiscais, Bolsonaro eliminou todas as contrapartidas – como a
obrigação de cumprir o currículo escolar e o calendário vacinal –, criou um
benefício único distribuído indiscriminadamente – o mesmo para uma pessoa e uma
mãe solo com três filhos, por exemplo –, e desmantelou o Cadastro, abrindo
espaço a todo tipo de fraude. Ao resgatar o Bolsa Família, o governo Lula
saneou parcialmente essas distorções, mas o desarranjo cadastral ainda se faz
sentir.
Estima-se que a maior fonte de fraudes seja o
incentivo à fragmentação familiar em decorrência do valor mínimo de R$ 600,
conferido independentemente do número de membros da família. Desde 2020, em
descompasso com a demografia, as famílias cadastradas de uma só pessoa
cresceram 224%. Há municípios onde mais de 50% das famílias são unipessoais. Há
ainda equívocos em 15% dos endereços, cerca de 30 mil CPFs inválidos e mais de
280 mil que podem ser de pessoas falecidas.
A cadeia de irresponsabilidades extrapola o
governo federal. Em relação ao Cadastro, a União tem o papel de “gerente”; os
Estados, de “apoiadores”; e os municípios, de “executores”. Entre as causas das
inconsistências estão a predominância da autodeclaração nos cadastros, a
checagem frágil das informações em outras bases de dados e a negligência de
visitas domiciliares pelos agentes públicos. Além dos protocolos frouxos, o TCU
aponta que a União e os Estados não desempenham satisfatoriamente a orientação,
supervisão e fiscalização dos municípios.
São alguns dos fatores que explicam um
aparente paradoxo. Nunca o País gastou tanto e com tantas famílias – em cinco
anos, o orçamento do Bolsa Família saltou de R$ 30 bilhões para R$ 175 bilhões;
as famílias beneficiadas, de 14 milhões para 21 milhões; e o valor médio do
benefício, de R$ 190 para quase R$ 700. Ainda assim, segundo o Ipea, as
famílias em extrema pobreza, que em 2014 eram 2,8% do total, hoje são cerca de
4%.
Muito precisa ser feito para racionalizar os
programas sociais a fim de que foquem nas pessoas vulneráveis e as ajudem a
conquistar sua independência, por exemplo, distinguindo necessidades de pessoas
em condição de miséria daquelas em situação de informalidade, criando
incentivos para os jovens se desenvolverem nos estudos e prestando outras
formas de assistência além da transferência de renda. E tudo de maneira
fiscalmente responsável. É o que contempla, por exemplo, o projeto da Lei de
Responsabilidade Social, que jaz em algum escaninho do Congresso.
É possível fazer muito mais com menos. Mas,
por ora, é preciso fazer melhor com o que se tem, a começar por não torrar
bilhões com quem não precisa em prejuízo de quem precisa. Aprimorar os
protocolos e a execução do Cadastro Único é tarefa para já.
Avanços e tropeços do Brasil na COP
O Estado de S. Paulo
Boas propostas de Lula foram prejudicadas por
vulnerabilidades, como o desmatamento, e contradições, como o flerte com o
cartel petrolífero da Opep, que não traz vantagens ao País
O discurso do presidente Lula da Silva na
Conferência do Clima da ONU (COP-28) compilou boas intenções, acusações e
cobranças genéricas, perpassadas por algumas propostas concretas, mas incapazes
de escamotear vulnerabilidades e contradições.
Entre as generalidades extemporâneas está a
menção às guerras. Quando Lula não as reduz a um mal-entendido, equiparando
responsabilidades, como se não houvesse agressores e vítimas, as reduz a uma
espécie de “luta de classes”, indignando-se com a incapacidade da ONU de manter
a paz, “porque alguns dos seus membros lucram com a guerra”. Essas
manifestações simplistas, simplórias e inoportunas só desmoralizam o
protagonismo geopolítico do Brasil.
Naquilo que interessa, o governo chegou com
algumas cartas na manga. A cúpula dos países amazônicos inaugurada pelo Brasil,
ainda que não tenha logrado muitos compromissos, foi um passo na coordenação
das políticas da região. O Brasil também apresentou propostas de regulação do
mercado de carbono e de linhas de crédito voltadas ao desenvolvimento de
alternativas sustentáveis.
Além disso, o governo tinha a seu favor a
redução de 22% no desmatamento da Amazônia. Ainda é pouco. O desmate responde
por quase metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil e é o maior
pretexto de corporações agrícolas protecionistas para conspurcar a reputação do
agro nacional. Neste sentido, Lula poderia ter prestigiado as conquistas do
agronegócio na área de sustentabilidade, mas, como são iniciativas
independentes de um setor pelo qual não nutre muita simpatia, parece não ter
tido interesse.
Além do desmatamento, as queimadas no
Pantanal e no Cerrado são outras vulnerabilidades, mas que justificam certas
cobranças. O presidente fez bem em propor um fundo coordenado por organismos
multilaterais para remunerar a preservação e o reflorestamento. Se os biomas
brasileiros são, como todos dizem, um “patrimônio da humanidade”, é justo que
seus povos contribuam para preservá-lo.
Mas a participação de Lula não disfarçou
certas contradições. Não, como muitos dizem, a potencial exploração de petróleo
na Margem Equatorial. Goste-se ou não, num futuro próximo a economia global
continuará a ser abastecida pelos combustíveis fósseis. Se o Brasil não
explorar suas reservas, isso não alterará em nem um litro o consumo. Os povos
amazônicos vivem um paradoxo: com todas as suas alegadas “riquezas naturais”,
têm os maiores índices de pobreza do País, o que incentiva práticas
predatórias. Políticas ambientais, sociais e de transição energética custam
caro, e a exploração da Margem Equatorial, se for segura, pode financiá-las.
O que é realmente contraditório é a
manutenção de subsídios aos combustíveis fósseis. Pior do que contraditório, o
aceno à adesão do Brasil à Opep+ é contraproducente. O interesse do cartel no
Brasil é evidente. O País está entre os 10 maiores produtores do mundo e pode
ser o 4.º se se confirmarem as perspectivas do pré-sal e da Margem Equatorial.
A participação no cartel tem custos geopolíticos, mas seus petroestados, na
maior parte tiranias, os pagam, porque suas economias dependem quase que
exclusivamente do petróleo. Não é o caso do Brasil. Se participasse do grupo,
ele seria obrigado a seguir suas determinações sobre a produção e os preços,
com pouca ingerência sobre elas. Já a Opep+ reúne países na condição de
ouvintes, e o Brasil ganharia, no máximo, acesso antecipado às decisões do
cartel. Em ambos os casos o Brasil tem a perder.
A única explicação é o apetite de Lula e seus
acólitos, incapazes de se divorciar da mentalidade da guerra fria, por provocar
o “Norte” global aderindo a uma suposta instância de emancipação do “Sul”. Esse
ruído em plena COP não será suficiente para minar a posição privilegiada do
Brasil na área ambiental, mas foi um vexame diplomático evitável. Espera-se que
as equipes do Itamaraty e da Fazenda tragam o Planalto à razão, quer dizer, ao
serviço dos interesses reais do País, e não do narcisismo ideológico de seu
presidente.
Vitória do bom senso
O Estado de S. Paulo
Regulamentação do uso de agrotóxicos adotou
parâmetros técnicos importantes para o País
A aprovação, pelo Senado, do projeto de lei
que estabelece novas regras para aprovação, registro, comercialização e uso de
agrotóxicos pôs fim a uma tramitação de 24 anos no Congresso, permeada por
embates entre ambientalistas e ruralistas. Divergências sempre haverá, e o
debate é a expressão mais proveitosa da democracia. Mas procedimentos que se
estendem por mais de duas décadas indicam uma enorme dificuldade de dialogar
para construir um consenso.
Pode-se concluir que o saldo foi o do bom
senso, com um marco regulatório que impede o registro temporário, por meio do
qual seria permitido o uso de pesticidas ainda não avaliados tecnicamente no
País. Também institui a análise de risco dos produtos e, embora determine a
coordenação do Ministério da Agricultura no processo, mantém as atribuições da
Anvisa e do Ibama nas análises sobre os respectivos efeitos à saúde e ao meio
ambiente.
Deliberar sobre a questão dos defensivos
agrícolas apartando do debate radicalismos de parte a parte é fundamental para
uma economia que tem no setor agropecuário um de seus mais firmes esteios. A
própria manutenção do termo agrotóxico, abominado pelo setor rural, é uma prova
de que acordos são possíveis. Conservar a nomenclatura, sustentam os defensores
da medida, é um importante alerta para a toxicidade desses produtos.
Há quatro anos, também depois de um extenso
trâmite que incluiu consultas públicas e discussões exaustivas, a Anvisa
aprovou a harmonização a padrões internacionais na especificação de
agrotóxicos, passando de quatro para seis as classificações de risco,
instrumento importante para definir a intensidade do perigo de cada pesticida.
Vencendo etapas de forma técnica, dispensando extremismos e atitudes
irredutíveis, o País tende a evoluir.
O Brasil precisa manter escala e
produtividade no agronegócio, que tem conseguido efetuar duas a três safras ao
ano fazendo amplo uso de pesquisas e tecnologias que incluem o uso de
agrotóxicos. Obviamente, há que ter o cuidado de regular este uso para reduzir
ao mínimo o risco de danos. E isso tem sido feito. Recente reportagem do
Estadão destacou, por exemplo, como o País avança rapidamente para chegar à
chamada “agricultura 4.0” com o uso de técnicas modernas, como os
pulverizadores que só liberam a quantidade de defensivo que aquela determinada
planta precisa.
A busca por técnicas sustentáveis de cultivo
é uma prioridade na agricultura brasileira, cada vez mais inserida na
concorrência internacional, movida pela segurança alimentar. O que o País
precisa é de transparência, fiscalização e regulamentação bem delimitada. A
aprovação do Projeto de Lei 1459/22, que ainda irá à sanção presidencial, é um
passo nessa direção. Vai substituir uma legislação de 34 anos atrás, já
obsoleta num mercado em constante e veloz progressão.
A observância a critérios técnicos em detrimento de conceitos especificamente ideológicos ou não devidamente fundamentados não deixa derrotados. Ainda há muito a ser feito. E o debate continua sendo o melhor caminho.
Juros, inflação e recessão técnica
Correio Braziliense
O Banco Central voltará a se reunir para
definir a nova taxa básica de juros
Em pouco mais de uma semana, o Banco Central
voltará a se reunir para definir a nova taxa básica de juros (Selic), que está
em 12,25% ao ano. É praticamente certo que haverá um corte de 0,5 ponto
percentual, para 11,75% anuais, como já ressaltou o Comitê de Política
Monetária (Copom) em seus vários comunicados. Esse roteiro pré-definido, porém,
será atropelado pelos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro
trimestre, que serão divulgados na próxima terça-feira. A aposta geral é de
queda entre 0,1% e 0,2% ante os três meses imediatamente anteriores.
Esse tombo da atividade poderia ser visto
como um ajuste sazonal da economia, devido à entressafra agrícola. O problema é
que todas as projeções apontam para novos recuos do PIB no quarto trimestre do
ano e no primeiro de 2024. Ou seja, o Brasil caminha para uma recessão técnica,
que tende a mexer com os nervos do governo e a afetar o humor da população num
ano eleitoral. Os juros, que vêm caindo, mas continuam elevados para uma
atividade que precisa de estímulos, voltarão, portanto, a ser os grandes vilões
da vez. A culpa pelos números ruins da atividade cairá, em boa parte, no colo
do Banco Central.
A realidade, porém, é que a economia tem
perdido força por uma série de razões, a começar pelo fim da colheita de grãos,
em especial da soja, que representa quase 46% da atividade agrícola no país.
Sem a força do campo, que já enfrenta os impactos das mudanças climáticas, com
quebras de safras, os demais setores não conseguem sustentar o PIB no ritmo
desejado. Comércio, indústria e serviços se ressentem de uma demanda fraca,
pois a renda avança pouco, mesmo com a criação de empregos formais, e o crédito
continua escasso e caro. Os investimentos produtivos, que também poderiam dar
um fôlego ao PIB, o empurram para baixo.
Há que se ressaltar, ainda, que a economia
cresceu com mais vigor em 2022 não por fatores estruturais. O que realmente
pesou para o salto de 2,9% do Produto Interno Bruto foi a grande injeção de
recursos por parte do governo da época de olho nas eleições presidenciais. O
aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 sustentou o consumo das famílias e fez a
festa do varejo e, por consequência, das fábricas. Esse gás extra, no entanto,
se esgotou. Agora, a atividade coloca os pés no chão com todos os seus desafios,
inclusive o de conviver com um aperto monetário.
Certamente, o quadro seria mais desanimador
não fosse o sucesso do Banco Central em derrubar a inflação. Os índices de
preços caminham para o centro das metas definidas pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN) depois de dois anos em níveis inaceitáveis. A inflação sob
controle é o melhor instrumento para que a economia possa caminhar sem grandes
atropelos e para que o país resolva, ou pelo menos tente resolver, seus
problemas estruturais. É mais do que certo que o PIB brasileiro sofre com a
baixa produtividade, devido a deficiências históricas na educação e na
infraestrutura.
Sendo assim, não haverá por que empurrar para
o Banco Central a responsabilidade pelos resultados mais fracos da economia, ou
seja, uma contratada recessão técnica. A autoridade monetária, com sua
independência prevista em lei, cumpriu a sua missão de levar a inflação para as
metas. E que fique claro: esse trabalho ainda não acabou. Por causa da seca em
algumas regiões e do excesso de chuvas em outras, a produção de alimentos foi
seriamente afetada. Significa dizer que os preços da comida, que acumularam deflação
nos últimos meses, agora, voltaram a subir, impactando a economia como um todo.
Em meio a esse quadro, a tentação do governo de lançar mão de estripulias será grande. Se a opção for por aumento dos gastos fiscais, o desastre será geral, pois a inflação, que voltou a se assanhar impulsionada pelos eventos climáticos, vai arreganhar novamente os dentes. Nesse contexto, em vez de continuarem em queda, os juros serão mantidos em patamares acima do recomendável para uma economia anêmica. O Brasil tem exemplos de sobra para se mirar. Repetir erros só pune a população mais vulnerável, que não tem instrumentos de proteção. O momento requer paciência e bom senso.
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