Carnaval aponta caminho para negócios no Brasil
O Globo
País tem vocação evidente e potencial enorme
a explorar com as indústrias criativas
Oficialmente, o carnaval acabou
na terça-feira, mas, para prefeituras e estados, o clima ainda é de
comemoração. Com tempo ensolarado na maior parte do país, o evento foi um
sucesso, traduzido em ruas apinhadas de foliões, atrações sedutoras, hotéis
lotados, serviços a todo vapor e arrecadação garantida. A indústria criativa
mostrou seu vigor e deixou claro que carnaval não é só diversão. É também um
ótimo negócio.
Em 2021 e 2022, a festa sofreu o baque da pandemia. A recuperação iniciada em 2023 se consolidou na festa deste ano. Antes da folia, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estimara que os festejos enfim superariam os níveis pré-pandemia, em especial nos estados que têm o carnaval como atração turística. Mas o carnaval tem o mérito de fazer girar várias rodas da economia. No Rio, o desfile da Portela, inspirado no livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, fez esgotar os volumes da obra após a apresentação. Mesmo aqueles que fogem da folia contribuem para movimentar o turismo em seus destinos mais pacatos.
São Paulo é provavelmente o estado que mais
gerou negócios com a festa. A Secretaria de Turismo previu que a movimentação
financeira alcançaria R$ 5,72 bilhões, a maior dos últimos cinco anos. As
autoridades estimam que 4,4 milhões de turistas tenham prestigiado a festa nos
municípios paulistas. A força da folia ficou patente na profusão de blocos e
atrações musicais de peso. No Rio, a Prefeitura estimou uma injeção financeira
de R$ 5 bilhões em serviços e 7 milhões de foliões durante todos os dias de festa.
A Riotur falou em 1,2 milhão apenas no megabloco Fervo da Lud, recorde de
público.
É verdade que há exagero nas estimativas de
multidões — é frequente elas serem desmentidas por softwares que contam cabeças
em fotografias aéreas. Mas isso em nada desmerece a animação daqueles que
enfrentaram a temperatura de 41 °C para seguir o cortejo que Ludmilla se viu
obrigada a interromper mais cedo em razão do calor. No Sambódromo lotado, a
iluminação cênica — pela primeira vez usada em larga escala — proporcionou
apresentações inovadoras e marcantes.
Salvador, com 12 dias de folia, abrigou uma
sucessão de trios, blocos e shows. A Prefeitura estimou reforço de R$ 2 bilhões
na economia do município. Segundo a Secretaria de Comunicação, o investimento
neste carnaval superou em 30% os anteriores. A expectativa era atrair mais de 1
milhão de turistas. Os números superlativos ficavam evidentes nas multidões que
tomaram os principais circuitos carnavalescos da capital baiana. Recife e
Olinda também mantiveram a tradição do carnaval de rua e reuniram cortejos desde
as primeiras horas da manhã.
O sucesso do carnaval sugere um caminho para
o Brasil. Há vocação evidente para indústrias criativas e potencial enorme
ainda a explorar em hotéis, transportes, bares, restaurantes, comércio etc.
Tais negócios geram emprego e renda a um sem-número de profissionais que
trabalham direta ou indiretamente com o carnaval — alguns o ano inteiro, como
os artistas que confeccionam fantasias e alegorias das escolas de samba.
Evidentemente, o poder público precisa prover segurança e infraestrutura. Mas,
a despeito de problemas pontuais, as cidades passaram no teste. O carnaval de
2024 mostrou que é possível se divertir e lucrar com uma indústria que vende
alegria.
Fuga deve servir para aperfeiçoar prisões de
segurança máxima
O Globo
Apesar da evasão de Mossoró, elas têm sido
eficazes, provando papel do governo federal no combate ao crime
A fuga de dois presos da Penitenciária
Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, exige duas ações urgentes e
concomitantes: a captura dos criminosos e uma varredura para determinar as
falhas que a permitiram. Os outros quatro presídios federais de segurança
máxima (em Brasília, Campo Grande, Porto Velho e Catanduvas) precisam reforçar
a atenção para frustrar tentativas semelhantes. “Nenhum sistema é infalível”,
diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. “As falhas devem ser identificadas para evitar que se repitam.”
A construção de penitenciárias administradas
pelo governo federal para receber os presos mais perigosos, sobretudo líderes
do crime organizado, é exemplo de política bem-sucedida na área da segurança
pública. Prova disso é que a fuga em Mossoró é a primeira desde que os dois
primeiros presídios foram inaugurados, em 2006. Nunca houve registro de motins
ou rebeliões.
Com capacidade para 208 detentos, Mossoró
tinha 68, segundo dados de 2023. O contraste com a superlotação nos presídios
estaduais é gritante. Atualmente, a ocupação das cinco prisões federais está em
47%. O total de presos (489) é menos da metade dos policiais responsáveis pela
vigilância.
Estrutura e procedimentos foram pensados para
garantir a segurança. Os detentos ficam em celas individuais de 6 metros
quadrados, sem televisão, rádio ou comunicação. São revistados sempre que saem
delas. As visitas se comunicam por parlatório ou videoconferência. Todo
deslocamento envolve pelo menos dois agentes e é monitorado por circuito
interno. De tempos em tempos, os presos mudam de presídio para dificultar
planejamento de fugas.
O perfil dos presos exige tais cuidados. São
líderes das maiores facções criminosas do país. Metade cumpre pena superior a
30 anos, e 70% ainda têm mais de 15 anos a cumprir. São em geral condenados por
homicídio qualificado, associação para o tráfico de drogas e latrocínio. No ano
passado, os federais desbarataram planos para libertar um dos líderes do PCC.
Uma possibilidade era sequestrar autoridades penais e seus familiares. Outra
era invadir a penitenciária de segurança máxima. Uma terceira alternativa, uma
rebelião tomando um agente como refém. Tentativas semelhantes foram
desbaratadas desde a criação do sistema federal no primeiro mandato do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Seria, por isso, um erro considerar a fuga de
Mossoró evidência de que as prisões federais de segurança máxima estejam
comprometidas. Mudanças recentes na liderança de facções criminosas sugerem, ao
contrário, que elas têm funcionado ao isolar criminosos, desafiando o padrão
frequente de detentos comandando da cadeia impérios do crime. O êxito delas
demonstra como é essencial o envolvimento do governo federal no desafio de
derrotar facções criminosas e promover a segurança pública. A fuga prova apenas
que as prisões precisam ser aperfeiçoadas — e, idealmente, ampliadas para o
Estado dispor de meios mais eficazes no combate ao crime organizado.
Eleição de Bukele em El Salvador envia
recados à AL
Valor Econômico
Sucesso eleitoral de Bukele sugere que,
levada ao extremo da violência, população optou pela segurança em detrimento do
Estado de direito e talvez até da democracia
El Salvador é um pequeno país da América
Central e raramente se sobressai no noticiário internacional. Mas a reeleição
do populista Nayib Bukele como presidente envia alguns recados importantes ao
restante da América Latina. Bukele obteve um segundo mandato com incríveis 85%
dos votos na contagem preliminar. Mais impressionante ainda, o seu partido, o
Novas Ideias, pode ficar com 58 das 60 cadeiras na Assembleia Legislativa, ou
seja, a quase totalidade do Congresso unicameral salvadorenho.
Esse sucesso é fruto do polêmico programa de
combate à criminalidade de Bukele, que reduziu a taxa de homicídios no país de
107 por 100 mil habitantes em 2015, uma das altas do mundo, para 7,8 no ano
passado, uma das mais baixas da América Latina. A oposição contesta o dado
oficial, mas o triunfo eleitoral esmagador certamente indica que a população
percebe uma melhora significativa na segurança pública.
O problema é que a redução da criminalidade
foi feita por meio de uma política fortemente repressiva combinada a um estado
de exceção. Segundo a ONG Anistia Internacional, houve milhares de detenções
arbitrárias, sem acusação formal e sem a instauração do devido processo legal,
uso sistemático de tortura e violação de direitos civis e humanos em larga
escala. As detenções em massa, que obrigaram a construção de novos grandes
presídios, fizeram o país ter hoje a mais alta taxa do mundo de pessoas presas em
relação à população, superando 1,1%. É como se o Brasil tivesse mais de 2,3
milhões de presos, e não os cerca de 650 mil atuais.
O descaso legal não se limitou à segurança. A
Constituição salvadorenha não permite a reeleição, mas Bukele obteve uma
decisão da Corte Constitucional, cuja maioria ele controla, pela qual poderia
se recandidatar desde que se licenciasse do cargo seis meses antes. Mas o
sucesso eleitoral de Bukele sugere que, levada ao extremo da violência, a
população do país optou pela segurança em detrimento do Estado de direito e
talvez até da democracia. Esse é um risco muito grave que pesa sobre toda a
América Latina, de longe a região mais violenta do mundo.
É fundamental que os governos da região
melhorem o combate à criminalidade, sob risco de surgirem outros Bukeles - o
original já se descreveu, de modo supostamente irônico, como “o ditador mais
‘cool’ do mundo”. Já há sinais de que isso está acontecendo. Em Honduras, o
governo vem usando medidas de estado de emergência para combater o crime
organizado. Há forte pressão no Peru e no Equador para que garantias
constitucionais sejam suspensas para enfrentar a criminalidade. Javier Milei
parece ter captado essa onda com propostas de ampliar a repressão à violência
(e aos protestos) na Argentina.
A inevitabilidade da pena, isto é, a
percepção de que você tem uma grande chance de ser pego e condenado se cometer
um crime, constitui um dos principais fatores de inibição da criminalidade.
Países pouco violentos costumam ser aqueles que, num prazo razoável,
identificam, processam e julgam os acusados. A sensação de que a Justiça tarda
ou de que é provável evadi-la estimula o crime. O que Bukele fez foi gerar, de
modo arbitrário, essa sensação da punição. Sua polícia prendeu dezenas de
milhares de suspeitos sem investigação adequada, e o Judiciário salvadorenho
permite que essas pessoas fiquem detidas indefinidamente, em condições
degradantes, sem o devido processo legal. O recado ao cidadão foi: ande na
linha ou prendemos você quando e como quisermos. Isso é característico de um
regime autoritário.
A violência e a criminalidade são fenômenos
complexos, com uma multitude de causas, e exigem um leque amplo de respostas
por parte do Estado, que vão da repressão a políticas sociais, de educação e de
saúde. A oposição em El Salvador diz que o plano de Bukele não é sustentável no
longo prazo, pois, entre outros problemas, tem um custo muito elevado, não
propõe alternativas a uma parte da população seduzida pelo crime e gera
milhares de famílias desestruturadas, o que semeia pobreza e violência no
futuro. Mas, ainda que a repressão não seja a resposta única, em muitos países
da região há uma pressão popular para que mais (e melhores) ações policiais e
judiciais sejam adotadas, que proporcionem algum alívio de curto prazo ao
problema da segurança, já que políticas sociais tendem a funcionar mais em
médio e longo prazos. Nesse caso, é importante que essas medidas sejam
aprovadas e executadas dentro do marco legal.
Para quem apoia a linha-dura arbitrária de
Bukele, inclusive parte do meio empresarial local, há uma má notícia. A
economia de El Salvador, parcialmente dolarizada, é a que menos cresce na
América Central e não digeriu a criticada adoção do bitcoin como meio de
pagamento corrente. Há uma crise nas finanças públicas. Certamente há fatores
conjunturais por trás desse mau desempenho, mas é muito provável que o mesmo
comportamento arbitrário esteja afastando o capital. Afinal, um governo que
ignorou a Constituição para prender pessoas sem amparo legal e para poder se
reeleger pode ignorá-la em qualquer situação. E, como é amplamente sabido,
incertezas e insegurança jurídica são fortes inibidores de investimento
privado.
A violência é um dos principais fatores que inibem o desenvolvimento econômico da América Latina, como já constatou até o Fundo Monetário InternacionaI. Mas o combate a essa violência, ainda que duro, não pode escapar ao Estado de direito. Essa tarefa é difícil, mas possível.
Investimento externo cai, o que preocupa
Folha de S. Paulo
Brasil, que recebeu 17% a menos em 2023, deve
se posicionar para cenário global de recuperação; reforma tributária será passo
importante
O Brasil atraiu US$ 62 bilhões em
investimentos estrangeiros diretos em 2023, 17% a menos que no ano anterior,
segundo dados recém-divulgados. Seria prematuro concluir que o país se tornou
menos atrativo, mas o sinal não deixa de ser preocupante diante de um quadro
global ainda pouco favorável.
Segundo dados da Unctad, agência das Nações
Unidas para comércio e desenvolvimento, os investimentos diretos —fusões,
aquisições, novas instalações, reinvestimento de lucros e outras operações
voltadas à atividade produtiva— entre países cresceram 3% no ano passado, para
US$ 1,37 trilhão.
À primeira vista, o resultado parece positivo
diante de tensões geopolíticas em alta e também dos riscos até agora não
confirmados de recessão global. A abertura dos números, porém, mostra uma
situação menos confortável.
Descontado o aumento em países europeus
usados mais como intermediários de transações, como Holanda e Luxemburgo, o
resultado é uma queda de 18%.
Todas as principais regiões mostraram menos
vigor, porém chama a atenção a piora relativa da União Europeia, com recuo de
23%, e de países em desenvolvimento, que atraíram 9% a menos.
Mas nota-se no mundo maior foco em áreas que
são objeto de intervenções governamentais motivadas pela busca de mais
segurança nas cadeias de produção. Setores manufatureiros, como automóveis,
maquinário, telecomunicações, eletrônica e química, tiveram aumento no número
de projetos.
No setor manufatureiro, houve alta de 38% no
valor de novas iniciativas anunciadas, ante queda de 45% e 8% nos setores
primário e de serviços, respectivamente.
Espera-se que em 2024 haja alguma elevação
geral nos fluxos, conforme avance a estabilização da inflação e os principais
bancos centrais tenham espaço para redução de juros, o que pode
viabilizar a abertura de um novo ciclo global de crescimento.
O redesenho das cadeias globais de produção e
valor deve favorecer nações distantes de conflitos geopolíticos e que tenham
densidade produtiva suficiente. A China atrai hoje menos aportes, ao passo que
os Estados Unidos buscam um renascimento industrial.
É nesse contexto que o Brasil precisa se
firmar como destino atraente. Concluir a
reforma dos impostos, que aproxima o país do padrão global de
tributação de bens e serviços, é só o primeiro passo.
Atrair investimentos não apenas para servir o
mercado interno, mas para se encaixar na geografia mundial da produção, é o
meio mais eficaz de fazer avançar a produtividade e a renda.
Risco geopolítico
Folha de S. Paulo
Agitação trumpista dificulta aprovação de
ajuda americana à Ucrânia e a Israel
Mesmo longe da Casa Branca, Donald Trump
ainda causa estragos à política americana. Suas bravatas, baseadas em
nacionalismo populista e antiglobalismo, vêm tumultuando a aprovação no
Legislativo de um pacote de ajuda internacional no valor de US$ 95,3 bilhões.
Este montante seria destinado a dois países
em guerra (US$ 61 bilhões para Ucrânia e US$ 14 bilhões para Israel), a
parceiros que enfrentam pressões chinesas, como Taiwan (US$ 4,8 bilhões), e
para assistência humanitária a civis da Faixa de Gaza e de outras áreas de
conflito (US$ 9,15 bilhões).
O pacote é importante para o papel de
liderança que os EUA exercem no Ocidente. Uma eventual vitória de Moscou sobre
Kiev colocaria a segurança da Europa em risco, com enorme pressão sobre a Otan,
a aliança militar regional.
No intuito de aplacar as resistências de
republicanos, o presidente Joe Biden incluiu no plano a assistência a Israel e
Taiwan; já para convencer democratas a destinarem recursos para o Estado judeu,
foi colocada a ajuda aos palestinos.
Na terça (13), o pacote foi aprovado no
Senado com 22 votos de republicanos, num placar de 70 a 29.
Mas o texto ainda precisa passar pela Câmara, onde a influência de Trump é bem
maior e as disputas são mais acirradas —Mike Johnson, presidente republicano da
Casa legislativa, já indicou que não pretende levar a proposta a votação.
Deputados alinhados a Trump insistem em
vincular o auxílio externo à aprovação de medidas draconianas contra a
imigração no sul dos EUA, tema da direita reacionária que dispõe de algum apoio
popular. Daí o insistente discurso do ex-presidente, que tenta a reeleição,
contra a entrada de mexicanos e outros no país.
Soma-se a isso sua tresloucada
fala em que justificaria um eventual ataque do autocrata russo,
Vladmir Putin, a nações da Otan que não destinassem pelo menos 2% do PIB à
aliança militar.
Trump, como de praxe, apela ao voluntarismo e à ideologia rasteira para fins eleitoreiros. O problema, no contexto geopolítico conturbado e armamentista atual, é colocar em risco a segurança global e as democracias do Ocidente.
A semântica do golpe
O Estado de S. Paulo
Pode-se discutir se Bolsonaro de fato tentou
um golpe, se apenas o preparou ou se só o acalentou, mas é indiscutível que a
ruptura democrática sempre esteve no horizonte bolsonarista
Parece haver controvérsia semântica em
relação à tipificação dos crimes de que o então presidente Jair Bolsonaro e
alguns de seus auxiliares são suspeitos em razão da investigação da Polícia
Federal sobre um suposto complô para subverter o resultado da eleição
presidencial de 2022. Há quem diga que se trata de “tentativa” de golpe de
Estado, o que acarretaria duras penas aos envolvidos, e há quem sustente que
não houve “tentativa”, apenas conversas e etapas preparatórias, o que não
configuraria crime à luz do diploma legal que trata do assunto, a Lei n.º
14.197/2021.
Nunca é demais salientar a importância da
correta tipificação das acusações que provavelmente serão feitas contra
Bolsonaro e os demais implicados no caso. Contudo, seja qual for a terminologia
jurídica que se use no processo, o fato incontestável é que, a julgar pelo que
veio à luz até agora, havia notável ânimo golpista no governo passado. Não se
trata de opinião. É um fato – sobre o qual qualquer eventual controvérsia será
desde logo falsa, motivada pelo cinismo habitual de quem explora as garantias constitucionais
para defender projetos liberticidas de poder.
Nada disso, aliás, surpreende. Ao longo de
mais de três décadas de vida pública, jamais houve por parte de Bolsonaro uma
só demonstração de apreço sincero pela ordem constitucional vigente, por mais
encabulada que fosse. Muito pelo contrário.
Bolsonaro é um golpista de corpo e alma. O
mau militar, que deixou o Exército em desonra em 1988, nunca fez as pazes com a
redemocratização do País. Desde então, Bolsonaro apenas passou a se servir da
política como mero instrumento para continuar fazendo o que fora impedido de
fazer nos quartéis: insuflar a baderna, tratar adversários como inimigos e usar
a truculência para impor uma agenda – além, é claro, de enriquecer a família.
Por isso, é um escárnio Jair Bolsonaro
convocar um “ato pacífico” na Avenida Paulista, previsto para o próximo dia 25,
“em defesa do nosso Estado Democrático de Direito” – o mesmo que ele desejava
abolir e o mesmo que ele gostaria de ver negado a seus adversários, como deixou
claro nas reiteradas vezes em que defendeu até o fuzilamento de quem se lhe
opusesse.
O vezo golpista de Bolsonaro fica
transparente até mesmo nesse simulacro de defesa do Estado Democrático de
Direito. A tal manifestação não se presta a defender coisa alguma a não ser o
próprio Bolsonaro. O objetivo do ato é tão escancarado que nem o ex-presidente
tergiversou. “Mais do que discursos, (o importante é) uma fotografia de todos
vocês (...) para mostrar para o Brasil e para o mundo a nossa união”, disse
Bolsonaro em vídeo divulgado por suas redes sociais. Ora, o que é isso senão
uma tentativa – mais uma – de estimular a hostilidade de parte da sociedade
contra o STF, que no futuro próximo haverá de julgá-lo?
No momento mais grave de toda a sua
trajetória pública, Bolsonaro recorre às massas, por assim dizer, como forma de
intimidação das autoridades incumbidas de investigar e julgar sua
responsabilidade pela tentativa de golpe de Estado. Sob essa lógica truculenta,
quanto mais gente na Avenida Paulista, mais receosas ficariam as autoridades,
em particular os ministros do STF, em punir Bolsonaro. Portanto, está-se diante
de mais um ato de insubmissão do ex-presidente ao mesmo Estado Democrático de
Direito – que tem no devido processo legal um de seus pilares mais sólidos –
que ora ele diz querer defender.
A rigor, no último domingo de fevereiro pode
haver poucas dezenas de apoiadores em frente ao Masp ou dez quarteirões da
Avenida Paulista ocupados por bolsonaristas. As instituições não podem usar a
eventual baixa adesão ao ato para acelerar punições, tampouco se curvar às
multidões. No regime republicano, impera a lei. E as autoridades devem se ater
ao seu estrito cumprimento.
No mais, enquanto os juristas se entregam à
discussão sobre as vírgulas das acusações contra Bolsonaro, não há dúvida de
que, no julgamento moral, o ex-presidente já foi condenado há muito tempo.
Um mundo mais inseguro
O Estado de S. Paulo
Ao torpedear a Otan em busca de votos, Trump
não só encoraja aventureiros autocratas e trai a confiança de democracias
aliadas, como também ameaça a segurança de seu próprio povo
Em um comício recente, o ex-presidente dos
EUA e favorito à nomeação do Partido Republicano para a disputa presidencial
deste ano, Donald Trump, disse que “encorajaria” a Rússia a “fazer o que bem
entender” com os países da Otan que não cumprem a meta da aliança de gastar 2%
do PIB com defesa.
Há uma base factual para essa provocação.
Desde o fim da guerra fria, os países europeus aquiesceram à complacência em
relação à defesa militar. Trump não foi o primeiro presidente americano a se
queixar de seu déficit de gastos. Mas uma coisa é incentivar e mesmo pressionar
parceiros de uma aliança a cumprir compromissos assumidos nela a fim de
fortalecê-la. Outra é torpedear o coração mesmo dessa aliança – no caso, o
artigo 5, que determina que um ataque a um dos membros é um ataque a todos.
A capacidade dissuasória de uma aliança
militar depende de duas coisas: o poder de agir e a vontade de agir. Críticas
ao potencial militar de muitos membros da Otan são legítimas. Mas, em primeiro
lugar, é preciso contextualizá-las. Desde que a Rússia anexou a Crimeia, em
2014, os gastos com defesa aumentaram em 27 dos 31 membros. Entre 2017 e 2020,
o número de membros que atingiram a meta de 2% aumentou de quatro para nove.
Após a invasão da Ucrânia chegaram a 11, e os gastos com equipamentos militares
da Otan aumentaram em 25%. A expectativa em 2024 é de que 18 membros
ultrapassem a meta de 2%.
Tudo isso ainda pode ser insuficiente. Mas,
quando o principal parceiro da aliança sinaliza que pode abandonar os outros à
própria sorte, ela já é de imediato enfraquecida e, na pior das hipóteses, pode
desmoronar. “Qualquer sugestão de que aliados não defenderão uns aos outros
mina toda a nossa segurança, incluindo a dos EUA, e põe soldados americanos e
europeus em risco crescente”, advertiu o secretário-geral da Otan, Jens
Stoltenberg, em resposta a Trump. Essa constatação óbvia serve de alerta às lideranças
europeias e aos eleitores americanos e seus representantes.
Os europeus precisam aceitar que o risco de
terem de se defender sozinhos é real e imediato. De pronto, precisam se
organizar para fornecer mais armas e munição à Ucrânia. Além disso, precisam
acelerar os gastos em defesa e a modernização de suas forças. Sem os EUA, mesmo
um gasto de 3% do PIB em defesa pode ser insuficiente.
A desmoralização da Otan é uma ameaça à
segurança dos EUA. Se os membros de uma aliança multilateral não podem contar
com o apoio do país que a liderou em seus mais de 80 anos de existência no
momento em que a Europa sofre sua maior ameaça desde a 2.ª Guerra, tanto maior
será a desconfiança de aliados bilaterais ou informais no Oriente Médio (como
Israel ou Arábia Saudita) ou no Pacífico (como Japão, Austrália e Coreia do
Sul), e tanto mais encorajados se sentirão os inimigos do país, como a Rússia,
a China e o Irã.
A irresponsabilidade de Trump é patente
quando ele aceita pagar esse preço na expectativa de debilitar a campanha à
reeleição de seu adversário, o presidente Joe Biden. Mesmo após senadores
republicanos e democratas terem engendrado um pacote de apoio à Ucrânia, Israel
e Taiwan condicionado a mais recursos à defesa das fronteiras contra imigrantes
ilegais, os congressistas trumpistas estão sabotando essas medidas para
disseminar a percepção de uma administração caótica e fracassada nas políticas
domésticas e internacionais.
As democracias liberais precisam fazer seus
cálculos de defesa considerando o pior dos cenários: não tanto o isolacionismo
dos EUA, mas um unilateralismo imprevisível e irresponsável. Elas podem nutrir
a esperança de que os eleitores americanos saibam punir quem realmente está
atentando contra a segurança de seu país e traindo a confiança de seus aliados,
mas precisa se preparar para o pior. Com Trump no poder, as democracias já não
poderão contar com o apoio dos EUA. Os autocratas de todo o mundo se sentirão
mais encorajados em suas aventuras revisionistas e imperialistas. A corrida
armamentista vai se acelerar. Será, em resumo, um mundo mais perigoso.
Cruzada aérea
O Estado de S. Paulo
Campanha por tarifas aéreas baratas é a
inversão de prioridades de um governo populista
O governo está movendo céu e terra para
tentar baratear as passagens aéreas. A mais recente etapa dessa cruzada
populista foi anunciada por Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia.
Silveira montou um “grupo de trabalho” no Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE) para estudar maneiras de reduzir o preço do querosene de
aviação (QAV), administrado pela Petrobras.
O objetivo é explicitamente eleitoreiro.
Silveira disse que a ideia é “democratizar a tarifa das passagens aéreas no
País”, para que “a classe média e as pessoas menos favorecidas voltem a usar
aeroportos, assim como aconteceu nos primeiros mandatos do presidente Lula”.
Há uma indisfarçável tentativa de fazer o
País voltar no tempo, a uma época em que Lula se jactava de fazer o “pobre
andar de avião”. Esse romantismo lulopetista, como toda mistificação sobre o
passado, omite que os pobres, no governo Lula, até melhoraram ligeiramente de
vida à custa de transferência forçada de renda, mas era um avanço insustentável
– e bastou a sacolejante crise dos anos Dilma para que esses brasileiros fossem
devolvidos à sua condição real de pobreza, muito distante das fantasias demagógicas
de Lula. Os poucos pobres que efetivamente conseguiram viajar de avião o
fizeram à base de endividamento, e a maioria absoluta continuou a viver em
condições muito precárias, pois faltaram investimentos e políticas para dar a
essa população condições de ascender socialmente, como boa educação e boas
condições de saneamento básico.
O mesmo se dá hoje, com a agravante de que a
conjuntura econômica atual é muito mais desafiadora do que nos idílicos anos de
Lula 1 e Lula 2. Mas a natureza do lulopetismo tende a ignorar os fatos. Basta
a vontade do demiurgo.
Ademais, o CNPE, convocado para participar da
campanha do governo, tem tarefas mais relevantes, como assessorar a Presidência
da República na formulação da política de transição energética. Seria, no
mínimo, irresponsável comprometer o trabalho dos profissionais do CNPE na
tentativa de baixar na marra o preço do combustível de aviação a um nível que
permita às companhias aéreas oferecer passagens ao valor que pretende o
governo.
Alçado de forma incompreensível à condição de
prioridade, o tal programa Voa Brasil pode até ser bancado pelo governo, desde
que o caixa da Petrobras seja recomposto por verbas públicas. É o que diz a
lei. Ou seja, em última instância, a benesse seria financiada pelos
contribuintes. Não há nem como chamar tal medida de “política pública”.
As companhias aéreas, por certo, estão cientes disso, mas aproveitam para reforçar o lobby por um socorro robusto ao setor. Além da queda de preço do QAV – que, é bom lembrar, desde o ano passado registra sucessivos recuos –, pleiteiam linhas especiais de crédito e reclamam das muitas ações judiciais de passageiros contra o serviço de transporte. Sensível aos apelos, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, promete um pacote para breve. Como em todo bom programa demagógico, o pobre provavelmente não chegará nem perto de um avião, mas já se sabe quem vai na primeira classe.
Crise hídrica é ameaça mundial
Correio Braziliense
O Brasil não só abriga a maior floresta
tropical do mundo, situada na Amazônia Legal, como também os dois maiores
aquíferos. O primeiro, situado na Região Norte — Alter do Chão —, com
capacidade de 162.520km³ e aquífero Guarani, no Centro-Oeste
Não é recente nem a primeira vez que
cientistas, hidrólogos e ambientalistas alertam o mundo para os impactos das
mudanças climáticas e como essas transformações afetam a vida no planeta.
Reportagens do The New York Times e do jornal O Estado de
S.Paulo trouxeram, ontem, nova advertência: "Metade dos reservatórios
de água no mundo está secando".
Entre 1.700 aquíferos em mais de 40 países
investigados, os cientistas constataram que os níveis de água subterrânea
caíram em quase metade deles desde 2000 e só cerca de 7% registraram aumento
dos níveis nesses últimos 23 anos. Os alertas são preocupantes e não deveriam
ser ignorados pelas autoridades e sociedade brasileiras.
O professor Scott Jasechko, associado da
Brend School of Environmental Science and Management da Universidade da
Califórnia, em Santa Bárbara, dos Estados Unidos, e principal autor do estudo,
avisa que "o declínio das águas subterrâneas tem consequências. Essas
consequências podem incluir o esvaziamento de riachos, afundamento de terras, a
contaminação de aquíferos costeiros pela água do mar e a secagem de
poços". Essas alterações não excluem a América Latina.
O Brasil não só abriga a maior floresta
tropical do mundo, situada na Amazônia Legal, como também os dois maiores
aquíferos. O primeiro, situado na Região Norte — Alter do Chão —, com
capacidade de 162.520km³, segundo estudo de pesquisadores da Universidade
Federal do Pará. Conforme os pesquisadores, ele poderia oferecer água à
população mundial por 250 anos.O segundo é o aquífero Guarani, no Centro-Oeste,
que se estende pelo Sul e Sudeste do país e abrange parte da Argentina, do
Uruguai e do Paraguai. Com 39 mil km³, chegou a ser considerado o maior
aquífero do planeta.
Mas essa riqueza brasileira corre sério
risco, devido ao desmatamento desenfreado tanto na Amazônia Legal quanto no
Cerrado, biomas que têm os maiores aquíferos e o mais elevado número de
nascentes das principais bacias hidrográficas. Os índices de redução das
agressões ambientais não deixam de ser positivos.
Ciente da gravidade da supressão da vegetação
do Cerrado, às vésperas da 28ª Conferência do Clima da ONU (COP 28), ocorrida
em Dubai, o Ministério do Meio Ambiente divulgou o Plano de Ação para Para
Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado). A meta é zerar as
perdas de vegetação até 2030, ano-chave para conter o aquecimento do planeta,
como previsto no Acordo de Paris.
Estancar as agressões ao meio ambiente é uma
questão de vida ou morte. Os eventos climáticos extremos, resultantes do
aquecimento global,têm dado este recado ao mundo há vários anos. No início
deste mês, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) divulgou o
estudo Impacto das Mudanças Climáticas nos Recursos Hídricos do Brasil. O aviso
aponta para um cenário preocupante, semelhante ao desenhado pelos pesquisadores
estrangeiros. De acordo com o estudo da ANA, mantido o atual comportamento de todos
os setores da sociedade frente às mudanças climáticas, as regiões Norte,
Nordeste e parte do Centro-Oeste do Brasil poderão ter uma perda de 40% da água
disponível para uso em 2040.
Embora o estudo preveja que na Região
Sul, a tendência seja de um aumento, em média, de 5% da oferta de recurso
hídrico, isso não será constante. Haverá momentos em que a maior
quantidade de água decorrerá dos eventos climáticos extremos, provocando
inundações e cheias, o que, na realidade, não seria uma conjuntura positiva. No
Sudeste, os modelos climáticos, usados no estudo, não são tão claros na
projeção do futuro para a região. Mas, ainda assim, prepondera cenários mais
secos.
A convergência das pesquisas e estudos, de especialistas de fora e de dentro do Brasil, impõe à sociedade uma mudança de hábitos, uma educação ambiental mais rigorosa. Essa demanda exige igual comprometimento do setor produtivo, seja no campo, seja nas cidades, a fim de acelerar a transição energética e a migração para uma economia verde, oferecer ao mundo uma expressiva contribuição para conter o aquecimento global e garantir o que mais de precioso há no mundo: a vida.
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