O Estado de S. Paulo
A expansão do Estado do bem-estar social prejudicou o investimento público e o crescimento econômico, gerando também o Estado do mal-estar social
O conceito de Estado do bem-estar social teve
origem no final do século 19 e é creditado ao estadista alemão Otto von
Bismarck. Embora alguns programas assistenciais já existissem há tempos, ele
foi o primeiro a introduzir programas compulsórios de assistência e previdência
social em escala nacional na Alemanha. Mais detalhes em
https://capitalresearch.com.br/blog/welfare-state/.
Na primeira metade do século 20, o Brasil passou a seguir a mesma linha, com destaque para a criação da Previdência Social. A chamada Lei Eloy Chaves, de 1923, é tida como o marco inicial da história dessa previdência. Mais recentemente, cresceram muito os chamados benefícios sociais, em particular o Bolsa Família. Neste artigo, argumentarei que a expansão a meu ver desequilibrada de programas como esses prejudicaram os investimentos públicos como em infraestrutura e, assim, o crescimento econômico do País, gerando mal-estar na forma de maior desemprego, subemprego e salários baixos, entre outros aspectos.
Em vários artigos, venho insistindo em que o
crescimento econômico brasileiro caiu muito a partir da década de 1980. Em
números, o crescimento anual médio do Produto Interno Bruto (PIB) se acelerou
nas quatro décadas anteriores e foi de 6,8%. A partir da década de 1980, ele
caiu fortemente e a taxa média anual até 2019 foi de apenas 2,4% (!).
No seu artigo do dia 11 de fevereiro passado
neste jornal, o jornalista Rolf Kuntz disse: “Pesadão e emperrado, o Brasil
continuará correndo no segundo ou terceiro pelotão da economia mundial”.
Infelizmente, as lideranças políticas e institucionais do País não dão a devida
atenção a esse desastre, que gera mal-estar social.
Neste olhar sobre o crescimento cabe atenção
especial ao investimento, porque é a formação bruta de capital fixo em áreas
como infraestrutura, fábricas, fazendas e outras que cria capacidade produtiva
adicional e gera emprego e renda. Concentrarei atenção especial no investimento
público. Um gráfico do Observatório de Política Fiscal do Ibre-FGV, relativo ao
período 1947-2022, mostra que ele cresceu até perto de 1975, quando atingiu
cerca de 10% do PIB, e depois foi sendo reduzido até cair para apenas cerca de
2,25% (!) do PIB no quinquênio que alcança 2022.
Apresentarei dados que, primeiramente, vi num
artigo do economista Raul Velloso no jornal Estado de Minas de 31/10/2023. Ele
examinou dados do investimento público e da Previdência Social entre 1987 e
2021 que me pareceram interessantes, pois cobrem o início e o estado atual
deste período de estagnação pós1980, assim chamado porque o PIB vem crescendo
abaixo de seu potencial. Acredito que o leitor concordará que, com uma boa
arrumada na economia, o nosso PIB poderia crescer bem mais.
Velloso aponta que, “comparando a estrutura
do gasto federal em 1987 (o último antes da atual Carta Magna) com o último ano
sobre o qual consegui levar as informações relevantes (2021), vê-se que o
chamado gasto obrigatório (todos exceto investimentos mais demais gastos
correntes discricionários) havia subido de 66,3% para 96,8% do total. Já os
3,2% restantes de 2021 se referiam a investimento (2,3%) e demais gastos
correntes (0,9%). Em 1987, esses dois itens tinham sido de 16% e 17,7%
respectivamente”. Em particular, é evidente a enorme queda da participação do
investimento nos gastos.
No seu artigo, Velloso se dispôs a oferecer
ao leitor interessado mais dados sobre o tema que abordou. Aceitei a oferta e,
ao recebê-los, vi que foi uma ótima opção, o que lhe agradeço. Ele inicialmente
ressalta que o principal fator que asfixiou os gastos federais em investimentos
foi o aumento da participação da Previdência nos gastos federais.
Ela passou de 19,2%, em 1987, para 51,8% (!),
em 2021. A assistência social também cresceu bastante: de 9,1%, em 1987, para
16,4%, em 2021. Saúde e educação também aumentaram sua participação: a
primeira, de 8% para 10,1%; e a segunda, de 2,6% para 6,5%. E volto a repetir,
os investimentos caíram de 16% para apenas 2,3% no período.
Considerando todas as esferas de governo
(União, Estados, municípios e o Regime Geral da Previdência Social,
administrado pela União), houve forte crescimento dos gastos previdenciários de
2005 a 2021, e foi mais acentuado no caso municipal.
Velloso também mostra uma forte correlação da
taxa de investimentos público em infraestrutura e a do crescimento do PIB,
ambas em queda no período 1980-2022. E conclui com um gráfico, relativo ao
mesmo período, que mostra novamente a forte queda dos investimentos públicos em
infraestrutura e uma estagnação dos investimentos privados na mesma área.
Fica claro, portanto, que a expansão do
Estado do bemestar levou também a um malestar na esteira da contenção dos
investimentos públicos. Não sou contra uma expansão do bem-estar, mas moderada
de forma a conter esse desequilíbrio indesejável. Também ajudaria muito se o
governo reexaminasse os gastos obrigatórios, abrindo espaço para mais
investimentos.
*Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é
consultor econômico e de ensino superior
Um comentário:
Muito interessante.
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