Acusação contra Moro desafia a lógica e a realidade
O Globo
Relator do processo de cassação do senador
não encontrou motivo para desprezar o voto de quase 2 milhões
O senador Sergio Moro (União-PR),
eleito com quase 2 milhões de votos, cometeu diversos erros em sua carreira
como juiz da Operação Lava-Jato e como político. Mas as falhas da Lava-Jato
nada têm a ver com o processo que ele enfrenta na Justiça Eleitoral. Nas ações
do PT e do PL pedindo a cassação de seu mandato, as evidências apresentadas
desafiam a lógica e a realidade dos fatos.
Moro é acusado de gastos excessivos, caixa dois e uso indevido dos meios de comunicação na pré-campanha de 2022. No início daquele ano, ele tentava viabilizar sua candidatura à Presidência pelo Podemos. Por falta de recursos da legenda para sustentar uma campanha presidencial, migrou para o União Brasil. No novo partido, seu nome foi deixado de lado. Decidiu então concorrer a deputado federal por São Paulo. Sem conseguir provar domicílio eleitoral no estado, optou por disputar uma vaga ao Senado pelo Paraná.
Em cada um desses passos, houve gastos
compatíveis com seus planos no momento. Pela acusação do PT, porém, Moro
planejou tudo de antemão, com a intenção de “usufruir estrutura e exposição de
pré-campanha presidencial para, num segundo momento, migrar para uma disputa de
menor visibilidade”. É uma acusação ridícula. Por pelo menos dois motivos.
Primeiro, pressupõe poderes sobrenaturais de premonição, planejamento e
execução. Segundo, Moro já era nome nacionalmente conhecido. Não tem cabimento
achar que precisava se lançar à Presidência para disputar uma eleição ao Senado
em seu estado natal.
O desembargador Luciano Carrasco Falavinha
Souza, relator dos processos no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR),
considerou não haver prova das acusações. “Entender que esses valores [gastos
na campanha] seriam abuso de poder é hipérbole que o Direito não contempla”,
escreveu Falavinha em seu voto contrário à cassação.
Determinar quando começa a pré-campanha é
fundamental para estimar o total gasto e avaliar se houve abuso de poder
econômico. Para o PT, Moro gastou R$ 21,6 milhões ao todo, incluindo despesas
da pré-campanha para presidente. O PL estima o valor em R$ 7,6 milhões. Em seu
voto, Falavinha trouxe racionalidade ao debate, argumentando não ser possível
somar despesas de pré-campanhas a diferentes cargos. Mudanças de candidatura
são corriqueiras, como prova o exemplo do tucano gaúcho Eduardo Leite, outro
que sonhou com o Planalto e acabou governador. Pelos cálculos de Falavinha,
Moro gastou R$ 224 mil no Paraná, não havendo desequilíbrio.
Por suas virtudes e defeitos, Moro colecionou
adversários em sua trajetória. A Lava-Jato desvendou mecanismos intrincados de
corrupção e atingiu políticos de vários partidos. Ao decidir concorrer ao
Senado, Moro desalojou Alvaro Dias, seu ex-aliado. Ao entrar no ministério de
Jair Bolsonaro e sair brandindo acusações contra o então presidente, enfureceu
a base bolsonarista. É sintomático que sua cassação seja iniciativa dos rivais
PT e PL.
Em caso de absolvição no TRE-PR, é tido como
certo que os acusadores recorrerão ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas
nenhum tribunal pode sucumbir a interesses partidários ou distanciar-se dos
fatos e das leis. O risco de uma cassação motivada por acusações tão frágeis
não é apenas cercear o voto dos quase 2 milhões de eleitores de Moro, mas pôr
em questão a credibilidade da própria Justiça Eleitoral.
Falta apoio psicológico para os alunos da
rede pública de ensino
O Globo
Psicólogos se tornaram essenciais nas escolas
depois da pandemia e da onda de ataques violentos
Para melhorar a qualidade sofrível do ensino
no Brasil, faltam ações dentro, mas também fora das salas de aula. É obviamente
necessário aprimorar as práticas pedagógicas e o corpo de professores,
principalmente na rede pública. Sem apoio, porém, eles não poderão ir muito
longe. Dados do Censo Escolar, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revelam que em 2023 apenas 12% das escolas
públicas contavam com psicólogos.
As desigualdades regionais são visíveis nesse
aspecto. Em Santa Catarina, 30% da rede pública tem psicólogos. Em Alagoas,
25%. No Tocantins, 22%. No Amapá, no Pará e no Espírito Santo, apenas 3%. No
Rio e em São Paulo, 7% e 11% respectivamente. Em todo o país, faltam
profissionais qualificados nas escolas.
O apoio psicológico aos alunos se tornou
fundamental nos últimos anos, tanto em virtude da pandemia, que os manteve
afastados e isolados, quanto da traumática onda de ataques que atingiu escolas
por todo o país.
De 2022 a 2023, houve 164 desses ataques (16
só no ano passado). Para impedir que se disseminem, a assistência psicológica é
fundamental. O histórico dos ataques demonstra que mudanças no comportamento
dos alunos podem ser percebidas com antecedência por profissionais
especializados. Por meio do acolhimento e do envolvimento dos pais, é possível
evitar o pior.
Outra precaução importante é o monitoramento
on-line, para mapear as ameaças externas, sugestão feita por um grupo de
trabalho de pesquisadores instituído pelo Ministério da Educação (MEC)
no ano passado. O relatório do grupo também recomenda medidas no campo da
“proteção, assistência e ações psicossociais”. Uma lei de 2019 prevê a atuação
de psicólogos na “melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem,
atuando nas relações sociais”. Não vem sendo cumprida, pelo visto.
“É importante psicólogos estarem na escola
acompanhando o cotidiano, para pensar estratégias que superem os obstáculos que
aparecem entre aprender e ensinar e nas relações da escola”, afirma Marilda
Facci, do programa de pós-graduação em psicologia da Universidade Estadual de
Maringá e presidente da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional. É um equívoco, segundo ela, usar psicólogos de unidades de saúde
para esse atendimento. O foco do profissional precisa ser ajustado. “As
dificuldades estão na escola, no processo de escolarização, e é lá que isso
precisa ser resolvido”, diz. As estatísticas do Censo Escolar precisam ser
levadas a sério pelo poder público. A rede pública tem um apoio psicológico
muito aquém do necessário.
Justiça não é instrumento de desforra
O Estado de S. Paulo
Não são os erros do senador Sérgio Moro na
Lava Jato que estão sob julgamento
O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná
(TRE-PR) iniciou o julgamento das Ações de Investigação Judicial Eleitoral
(AIJE) movidas pelo PT e pelo PL contra o senador Sérgio Moro (União-PR). No
limite, as AIJEs podem levar à cassação do mandato de Moro e torná-lo
inelegível por oito anos. Entretanto, caso a busca por justiça prevaleça sobre
o desejo de vingança, como convém em um tribunal, o resultado almejado pelos
autores dessas ações não deve ser alcançado. O consistente voto do relator,
desembargador Luciano Carrasco, foi claríssimo nesse sentido.
O principal acerto do relator foi ter
demonstrado, à guisa de preâmbulo de seu extenso voto, que perante a Corte
Eleitoral paranaense não estavam nem o todo-poderoso juiz da Lava Jato nem o
ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. Sob julgamento está um senador
que, enquanto candidato em 2022, teria abusado do poder econômico e usado
indevidamente os meios de comunicação, como acusam PT e PL nas respectivas
AIJEs que movem contra Moro.
De antemão, era fundamental ter esse limite
bem traçado para que o TREPR possa chegar a uma decisão percebida pela
sociedade como justa, vale dizer, tomada de acordo com as provas carreadas aos
autos. Se isso vai acontecer, o tempo dirá. Mas ter clara essa distinção era de
extrema importância já no início do julgamento. Não fosse assim, na correta
visão de Carrasco, abrir-seia um perigoso espaço para que a Justiça fosse vista
como mero instrumento de desforra dos não poucos adversários políticos de Moro.
Traçada a linha saneadora, restou a pergunta:
afinal, Moro deve ter o mandato cassado pelas infrações eleitorais apontadas
por PT e PL nos processos? O relator foi taxativo ao dizer que não. “Não houve
abuso de poder econômico, não houve prova de caixa 2, muito menos abuso nos
meios de comunicação”, votou Carrasco. “Não se provou corrupção, compra de
apoio ou mesmo uso indevido dos meios de comunicação, considerando que o
investigado Sergio Moro tinha, já de muito tempo, ampla exposição midiática”,
concluiu o relator.
Sucintamente, ambas as AIJEs tratam do
“rebaixamento” da candidatura de Moro e dos supostos abusos que teriam sido
cometidos por ele ao se valer dos recursos empregados em sua pré-campanha
inicial à Presidência da República na posterior candidatura ao Senado pelo
Paraná, ao final vitoriosa. Na visão do relator, nem uma coisa nem outra
restaram comprovadas nos autos, devendo prevalecer o princípio de salvaguarda
da soberania popular manifestada pelo voto – isto é, não se cassa um mandato
apenas com base em suposições.
Sobre o eventual abuso de poder econômico,
Carrasco afirmou que, “por mais que o limite de gastos possa ser um dos
parâmetros a ser adotado, ainda não há ideia consolidada acerca de qual
porcentual de gastos da campanha seria considerado razoável como um limite de
gastos para a pré-campanha”. Ou seja, Moro está sendo acusado de ter
extrapolado um limite de gastos que, ora vejam, nenhuma lei define qual seja.
Nesse sentido, o relator foi perspicaz ao apontar para as próprias
incongruências do PT e do PL em suas prestações de contas durante as eleições
de 2022.
Sobre a acusação de que Moro teria se valido
do chamado downgrade de sua candidatura para burlar o teto de gastos imposto a
cada cargo pleiteado – presidente e senador –, fica claro que a motivação das
ações não é jurídica. Afinal, Moro não foi o único a alterar o cargo almejado
durante a última campanha eleitoral, mas, curiosamente, só ele responde por
isso. E não por acaso em ações movidas pelos partidos de Lula da Silva e Jair
Bolsonaro.
Não há dúvida de que Moro tem contas a
acertar – a julgar por uma recente correição realizada pelo Conselho Nacional
de Justiça, o senador pode ter cometido crimes enquanto esteve à frente da 13.ª
Vara Federal de Curitiba. Mas não é disso que deve se ocupar nem o TRE-PR agora
nem o Tribunal Superior Eleitoral em eventual grau de recurso. Se a Justiça não
se dobrar aos imperativos políticos, como se espera, os inimigos de Moro terão
que esperar outra oportunidade para se vingar.
As Forças Armadas a serviço da Constituição
O Estado de S. Paulo
É constrangedor o STF ter de dizer o óbvio:
que as Forças Armadas nem são um Poder nem têm papel moderador. Em outras
palavras, não há possibilidade de um ‘golpe constitucional’
Por 6 votos a 0, o Supremo Tribunal Federal
(STF) formou maioria para afastar qualquer interpretação da Constituição que
autorize uma intervenção das Forças Armadas sobre os Poderes da República ou
que as classifiquem como um “poder moderador” em meio a crises institucionais.
Mais de um ministro manifestou perplexidade
ante a necessidade de a Corte afastar, mais de 30 anos após a redemocratização,
pretensões há muito sepultadas por todas as democracias sérias do planeta.
Chega a ser constrangedor e seria ocioso se a interpretação golpista não
tivesse sido gestada e disseminada por um presidente da República, Jair
Bolsonaro, com as consequências que todos conhecem: uma multidão de celerados
invadindo as sedes dos Três Poderes a fim de suscitar uma intervenção militar.
Mau militar, Bolsonaro se provou um péssimo
democrata. No fundo de uma carreira política errática e atrabiliária, houve
sempre uma constante fundamental: o inconformismo com o fim da ditadura militar
e o revanchismo contra a Constituição de 88, não só em relação à restauração do
regime democrático, mas também a propósito de direitos e garantias fundamentais
contra o arbítrio, a censura, a repressão e o cerceamento às liberdades civis.
Previsivelmente, o bolsonarismo submeteu as
Forças Armadas ao seu maior teste de estresse desde a redemocratização.
Inúmeras vezes Bolsonaro se referiu ao Exército como “meu Exército”. Para dar
um verniz de legitimidade ao seu voluntarismo, propagou a tese de que as Forças
Armadas estariam constitucionalmente autorizadas a intervir em qualquer momento
por convocação presidencial e que seriam uma espécie de “poder moderador”
autorizado a arbitrar conflitos entre os Poderes.
Desde a dissolução da Assembleia Constituinte
de 1823, passando pelo “regime da espada” após a decretação da República, o
Estado Novo ou a ditadura militar, a história mostra que as Forças Armadas têm
pouca experiência com moderação. A Constituição de 88 estabeleceu em seu art.
142 que elas tampouco são um “Poder”, mas instituições destinadas “à defesa da
Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem”.
Como havia dúvida sobre a possibilidade de o
emprego das Forças ser determinado diretamente pelo Judiciário ou pelo
Legislativo, a Lei Complementar 97/99 regulamentou a competência do presidente
da República para acioná-las por iniciativa própria ou a pedido dos outros
Poderes. Mas o oportunismo de Bolsonaro gerou a exegese bastarda de que as
Forças estariam totalmente submetidas ao arbítrio do presidente da República. A
ação movida pelo PDT se voltava justamente a dirimir qualquer controvérsia a
propósito da compatibilidade desta lei com a Constituição.
Restou à Corte afirmar o óbvio: que as Forças
Armadas são instituições de Estado, não de governo, subordinadas ao poder
civil, que tem seus próprios limites constitucionais. Assim, sua missão
institucional não admite o exercício de qualquer atuação moderadora entre os
Três Poderes; a chefia do Executivo é uma prerrogativa limitada, que não admite
o emprego das Forças para cercear a independência dos outros Poderes; e seu
emprego para a “garantia da lei e da ordem”, embora não se limite às hipóteses
de intervenção federal, de estado de defesa e de estado de sítio, cabe somente,
nas palavras do relator, o ministro Luiz Fux, “ao excepcional enfrentamento de
grave e concreta violação à segurança pública, em caráter subsidiário, após o
esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. E isso somente com o
aval do Congresso.
Ao sepultar a tese natimorta e surreal de um
“golpe constitucional”, seria bom que a decisão do STF servisse para lançar uma
pá de cal nas tentativas de tramitar uma alteração do artigo 142 da
Constituição, um comportamento de risco que só abre margem à instabilidade,
controvérsias desnecessárias e eventuais retrocessos. Como diz o bordão, “a
regra é clara”. Basta segui-la.
PT à cubana
O Estado de S. Paulo
Acordo com o Partido Comunista de Cuba é mais
uma amostra dos delírios petistas
Em seu prodigioso talento para demonstrar o
apreço lulopetista a ditaduras amigas, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann,
viajou a Havana com o companheiro Lindbergh Farias – e de lá voltou com um
acordo de “cooperação e intercâmbio” assinado com o Partido Comunista cubano.
Segundo ela informou, o acordo prevê “troca de experiências”, seja lá o que
isso signifique, entre petistas e o partido único de Cuba. Gleisi também se
encontrou com o presidente Miguel Díaz-Canel, transmitindo-lhe o interesse de
encontrar ainda mais meios de o Brasil ajudar Cuba, “em meio ao bloqueio que
está sofrendo”.
Fosse o PT irrelevante, o desvario
diplomático permaneceria restrito ao breviário esquerdista de quem nutre
fidelidade aos comunistas cubanos e à memória do ditador Fidel Castro. Como se
trata do partido que tem a Presidência da República e influência na política
externa, o gesto de Gleisi ganha contornos mais sérios. Na cosmologia
lulopetista, o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos é a única razão
da gravíssima crise econômica de Cuba – um zelo persecutório no qual se omite o
preço pago por uma ditadura que transforma a vida dos cubanos comuns num
inferno de escassez e paranoia.
Não se trata de um gesto pontual. O governo
de Lula da Silva vem promovendo sucessivos atos em defesa da ditadura cubana –
e de outras igualmente odiosas, como a Venezuela de Maduro, a Rússia de Putin e
a Nicarágua de Ortega. No caso de Cuba, tem estimulado a retomada de
investimentos no País e tentado oferecer projetos em áreas como agricultura e
energia. Seriam gestos louváveis para ajudar o sofrido povo cubano não fosse o
silêncio voluntário de
Lula e da companheirada diante das
atrocidades pelo governo de Cuba e seu Partido Comunista. Quase sempre à margem
do Itamaraty, a política externa também trabalha para livrar a barra dos
grupelhos autoritários que comandam Cuba há mais de 60 anos.
É mais um sintoma de um partido que tem a
bússola moral e política avariada, para usar a feliz expressão do cientista
político Sergio Fausto, em artigo no Estadão que analisou a felicitação do PT a
Putin e sua reeleição fajuta. Parece difícil exigir que certas lideranças
partidárias mudem suas convicções seletivas sobre democracia. Também é tarefa
inútil esperar que modernize seu pensamento rupestre – aquele que usa o
“imperialismo americano” para justificar o apoio a tiranos sanguinários mundo
afora. Mas não se pode admitir que o vício do esquerdismo infantil siga
intoxicando nossa política externa.
O PT de Gleisi e de Lula ainda não entendeu:
sua volta ao poder não foi obra e graça de um Lula redivivo depois do calvário
da Lava Jato, mas fruto de circunstâncias excepcionais de resistência a um
autoritarismo iminente e de defesa da democracia. A frente ampla que o elegeu
desabona tentações autoritárias, menos ainda se forem de inspiração cubana.
Promover a pacificação nacional, espírito central da eleição de 2022, requer
também romper com o vício de confundir partido e Estado. O Brasil não pode ser
uma mera correia de transmissão dos delírios petistas.
Militares não são poder moderador no Brasil
Folha de S. Paulo
STF se vê instado a julgar interpretações
tresloucadas do artigo 142 da Constituição e forma maioria sobre o óbvio
Chega às raias do esdrúxulo, para não dizer
ridículo, que o Supremo Tribunal Federal precise
gastar horas a fio para formar maioria em torno do óbvio: as Forças
Armadas não têm a atribuição de funcionar como um poder
moderador no Brasil e a Constituição não
permite intervenção militar sobre Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Na atual conjuntura de polarização,
entretanto, chega-se a julgar até o evidente, pois grassam em alguns setores da
sociedade noções tortuosas acerca do Estado de Direito, alimentadas por
fanatismo, quando não por rematada má-fé.
Em uma dessas interpretações tresloucadas,
tomou-se o artigo 142 da nossa Carta Magna para convertê-lo —ou melhor,
subvertê-lo— em amparo legal ao apetite golpista do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) e de seus seguidores.
Redigido ainda em meio aos escombros da
ditadura militar (1964-1985), o artigo em questão estabelece que as Forças
Armadas são instituições organizadas sob a autoridade suprema do presidente da
República e destinadas "à defesa da pátria, à garantia dos Poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Conceda-se que o texto poderia ter saído mais
claro; daí não decorre, porém, que sejam defensáveis leituras abstrusas de seu
sentido, como se tal conteúdo pairasse acima das demais normas. No que consiste
em mais uma obviedade, é preciso interpretá-lo à luz do espírito democrático
que perpassa toda a Constituição de 1988.
Eis o que têm feito os ministros do Supremo
que já se manifestaram sobre o tema, em ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo PDT em 2020. O partido, diante da escalada do golpismo
bolsonarista, pretendeu pôr uma pedra definitiva no assunto.
Coube ao ministro Luiz Fux,
relator do processo, assumir a dianteira. Em seu voto, afirmou, sem
ambiguidades, que as teses da intervenção militar e da atuação moderadora das
Forças Armadas estão "em
completo descompasso com o desenho institucional estabelecido pela
Constituição".
Seu colega Flávio Dino,
de modo mais enfático, definiu como "delirante construção teórica" a
ideia de que as Forças Armadas poderiam exercer o poder moderador.
Em linha parecida, Gilmar Mendes sustentou
que "a hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição" e
pontificou que rejeitar a distorção do artigo 142 é imperativo, dada a
"tentativa abjeta e infame de invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de
janeiro de 2023".
A eles já se somaram outros ministros, com o
que se formou maioria no STF a
favor do que nunca esteve em dúvida: o Brasil é uma democracia, na qual os
Poderes são apenas três, todos eles civis.
Olho no dólar
Folha de S. Paulo
Alta que gerou reação do BC tem razão
externa; deve-se buscar real menos volátil
Altas e quedas das cotações do dólar costumam
ser associadas a erros ou méritos do governante de turno, mas em geral também
há fatores externos em ação, não raro mais determinantes.
É o que se nota na recente escalada da moeda
americana ante o real. Na
segunda-feira (1º), a divisa chegou a R$ 5,06, maior nível desde
outubro —o que levou o Banco Central a
anunciar a primeira intervenção no mercado de câmbio durante
o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Pelo que se pode observar, não existem novos
fatos ou percepções sobre a política econômica doméstica que motivem essa
tendência. Segundo a leitura mais consensual, a mudança das taxas reflete mais
a força da economia dos
EUA que um enfraquecimento da brasileira.
Na segunda foram divulgados dados sobre o
vigor do setor industrial americano, que se somam a outros indicadores
favoráveis, em particular do mercado de trabalho.
Isso significa perspectiva de juros elevados
por mais tempo para conter a inflação na
maior potência econômica global, o que obviamente favorece as aplicações em
dólar e a procura pela divisa.
O mesmo movimento ajuda a explicar a queda da
Bolsa de Valores, dada a retirada de investimentos por parte de estrangeiros.
Entretanto a motivação externa não significa
que a alta do dólar deva deixar de merecer atenção e providências. Ela tende a
encarecer os produtos importados e dificultar o combate à inflação doméstica e,
no limite, a trajetória de redução dos juros.
Nos próximos dias saberemos se
o BC pretende tomar novas medidas nessa área. A experiência do
câmbio flutuante ensina, de todo modo, que se deve apenas intervir de maneira
pontual, em momentos de maior instabilidade ou riscos para a liquidez, sem
pretender impor cotações artificiais.
Para além das dúvidas imediatas, a política econômica precisa contribuir para que o real seja uma moeda menos volátil e suscetível aos humores de mercado, com avanços nas reformas das receitas e dos gastos públicos, além de abertura da economia e da corrente de comércio internacional.
Senado precisa melhorar projeto de lei de
falências
Valor Econômico
Relatora manteve a previsão de que, nas
transações tributárias, a PGFN terá que conceder o maior desconto possível à
empresa em processo falimentar
Festejado no início do ano por prometer a
redução do Custo Brasil, o projeto do governo de reforma da Lei de Falências e
Recuperação Judicial das Empresas acabou saindo da Câmara dos Deputados com
importantes alterações que frustraram algumas expectativas iniciais. O projeto
de lei 3/2024 agora vai ao Senado, e a esperança é que correções de rota possam
ser feitas.
Apresentado ao Congresso ainda durante o
recesso parlamentar, o projeto de lei faz parte do pacote para reduzir o custo
do crédito, ao lado de medidas para disseminar o consignado no setor privado,
melhorar a governança das empresas do mercado de capitais e dar mais proteção
aos acionistas minoritários, na esteira dos casos Americanas e Light.
Era a medida que o governo imaginava que
demoraria mais tempo para avançar diante da complexidade e de implicações
bilionárias do assunto. O histórico também fundamentava essa expectativa. A
primeira lei de falências e concordatas, editada em 1945, vigorou até 2005,
quando foi reformulada pela lei 11.101. Novas mudanças foram feitas em 2021,
focando nos gargalos da recuperação judicial e criando mecanismos de
financiamento para empresas em dificuldades. Mas o processo todo continuou
carecendo de agilidade.
Agora, a tramitação surpreendeu pela
celeridade, e levantou críticas pela falta de debate. Em 5 de março foi
escolhida como relatora do projeto a deputada Daniella Cunha (União-RJ), filha
do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e que está em seu primeiro mandato.
Onze dias depois, Dani Cunha apresentou seu primeiro parecer, com dezenas de
mudanças. Outras mais vieram, após negociação com o governo e a oposição. O
substitutivo teve duas versões divulgadas, com 70 páginas cada. A última
versão, a que foi votada em 26 de março, foi protocolada às 18h43 e aprovada 17
minutos depois.
Nem tudo que o governo pretendia conseguiu.
Ao contrário do que havia sido combinado, a relatora manteve a previsão de que,
nas transações tributárias, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
terá que conceder o maior desconto possível à empresa em processo falimentar. A
expectativa agora é mudar esse ponto no Senado ou o presidente Lula vetar o
artigo.
Não se pode dizer que o governo foi
surpreendido. O projeto foi aprovado por 378 votos a 25 e teve apoio dos
governistas. Apenas a federação Psol/Rede votou contra o parecer da deputada
por entender que os créditos trabalhistas sairão prejudicados na ordem de
pagamentos. O líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE),
afirmou que o texto contempla o Executivo “em 90%”. No dia da votação, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com o presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e deputados para discutir o projeto, de olho em
temas com impacto fiscal, como isenção de imposto sobre lucro na venda de
alguns ativos das empresas falimentares.
Anteriormente, o secretário de Reformas
Econômicas, Marcos Pinto, havia participado de reuniões com deputados
articuladas por Lira. O governo não foi o único com interesses contrariados com
o novo projeto. Ele retira dos juízes o poder de indicar o administrador
judicial que acompanhará os trâmites e fiscalizará o processo falimentar e cria
a figura do gestor fiduciário, que será escolhido pelos credores para fazer
esse mesmo papel. O gestor fiduciário poderá realizar o leilão dos ativos e
elaborar um plano de falências.
Esse ponto recebeu críticas de advogados, do
Ministério Público e de juízes, que afirmam que os maiores credores serão
beneficiados e que a transparência e a imparcialidade no pagamento de credores
poderão ser prejudicadas. Os principais beneficiados seriam bancos, fundos de
investimentos e gestoras de recursos especializadas em comprar ativos de
empresas em dificuldades. No entanto, os bancos se queixam de outro ponto, a
suspensão, por até 360 dias, do acesso do credor aos recebíveis dados em
garantia, o que vai afetar o mercado de fundos de direitos creditórios (FIDCs)
e títulos securitizados, os CRIs e CRAs, o que pode encarecer ou limitar o
crédito, objetivos do projeto do governo.
Os administradores judiciais e os gestores
tiveram mandato e remuneração controlados no projeto de lei. O mandato de ambos
será de três anos, prorrogável por mais três. Quem já estiver há mais de seis
anos como gestor de um processo, na data de sanção da lei, terá que ser
substituído. O projeto afeta mais de 10 mil processos de falência em curso no
Brasil, como os da Vasp e do Banco Santos, e pode levar à destituição do
administrador judicial do banco, que está no cargo desde o início do processo,
em 2005. Incluindo as recuperações judiciais, são quase 60 mil as ações em
andamento.
Apesar de o projeto de lei em tramitação merecer reparos, não há dúvida de que a legislação de falência e recuperação judicial precisa ser aprimorada. Atualmente, um processo desse tipo leva em média 16 anos, segundo estudo da Associação Brasileira de Jurimetria. A demora reduz a meros 6% o valor dos créditos recuperados. O número de recuperações judiciais e falências decretadas pela Justiça vem crescendo. Segundo dados da Serasa Experian, entre 2022 e 2023, o aumento foi de 68,7% para recuperações e de 9% para falências.
É preciso não repetir o passado na energia
Correio Braziliense
Hoje, os descontos valem para os consumidores
industriais, comerciais, dos setores de serviços e agronegócio, e deixa as
despesas sobre clientes residenciais, as micro e pequenas empresas
A abertura do mercado de energia brasileiro,
historicamente estruturado para um ambiente regulado, para o regime de
contratação livre, trouxe ganhos para grandes consumidores, que reduziram o
custo com um dos principais insumos, e para os investidores que apostaram nas
novas fontes de energia. Hoje, o mercado livre de energia responde por mais de
40% da demanda de eletricidade do país, atendendo a apenas 40 mil consumidores,
enquanto 89 milhões ainda estão no mercado regulado. Quem contrata energia no mercado
livre não arca com todos os custos que recaem sobre o regulado, como taxas e
contribuições para a universalização do atendimento dos brasileiros, fontes
inovadoras e desenvolvimento do setor elétrico, incluindo a contratação de
termelétricas, com custo maior de geração.
Esse quadro empurrou descontos para os
consumidores industriais, comerciais e dos setores de serviços e agronegócio e
deixou as despesas sobre os clientes residenciais e as micro e pequenas
empresas. Quanto mais consumidores passarem para o mercado livre, maiores serão
os custos sobre as tarifas do mercado regulado, onde não há a possibilidade de
troca de fornecedor. O resultado dessa equação é o aumento na conta de luz
sempre embutindo essa distorção. Esse é um problema que acendeu o alerta no
governo federal, que tem propostas para baixar o custo da energia.
Há três opções apresentadas pelo Ministério
de Minas e Energia. Antes de falar sobre as medidas é preciso fazer a ressalva
que, no passado recente, a intromissão do governo no setor elétrico para baixar
as tarifas deixou perdas para as empresas e não surtiu o efeito desejado no
médio prazo. Em 2013, a então presidente Dilma Rousseff resolveu baixar a conta
na caneta. Antecipou a renovação das concessões dos ativos das empresas de
energia, que, em troca, reduziram a tarifa da eletricidade.
Naquele ano, a energia teve redução de
15,66%, mas no seguinte a seca esvaziou os reservatórios das hidrelétricas e
obrigou o acionamento das termelétricas, pressionando o valor da energia.
Resultado, de janeiro de 2014 a fevereiro de 2017, a tarifa de energia subiu
57,46%. Essa é uma lição que custou caro para os consumidores e para as
empresas do setor elétrico — a Cemig, concessionária de energia de Minas,
perdeu cerca de 50% da sua capacidade de geração por não aderir à renovação
antecipada.
O governo está certo em buscar uma saída para
esse quadro de custo maior para os consumidores do mercado regulado em
detrimento de incentivos concedidos às fontes de energia que atendem ao mercado
livre, mas é preciso que tenha cautela para não gerar uma solução de curto
prazo, com impacto sobre as tarifas de forma conjuntural, e não estrutural e
duradoura. Além disso, é preciso ser feito de forma a não encarecer a energia
para os consumidores do mercado desregulado. Outro ponto que deve ser
considerado é a previsão de abertura do mercado para que todos os consumidores
tenham acesso à liberdade de escolher o fornecedor até 2030.
Na mesa do governo, estão a possibilidade de uso dos recursos dos leilões de petróleo da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), a equalização de custos entre o mercado livre e o mercado regulado e a utilização do Orçamento da União. Também está bem encaminhada a proposta de usar recursos da privatização da Eletrobras e dos programas de Pesquisa e Desenvolvimento e de Eficiência Energética da Aneel para a redução de custos na conta de luz. Há medidas em discussão e a redução no custo da energia é tudo o que se deseja, mas exige cautela para que não se repitam erros do passado.
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