Correio Braziliense
Um Congresso de maioria conservadora tem a
tendência de reduzir impostos e forçar o governo a enxugar gastos; no nosso
caso, o gasto migra para os parlamentares
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), fugiu ao seu estilo mineiro, nesta terça-feira, e disse que a medida
provisória do governo que reonerava as folhas de pagamento de empresas e
municípios “só gerou atraso e instabilidade”. Pacheco respondeu a declarações
do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se disse surpreso com a decisão do
presidente do Senado. Nos bastidores, a equipe de Haddad qualificava a decisão
como “susto” e “pancada”.
Ao mesmo tempo em que Haddad se dizia
surpreso, Pacheco reiterava de público que o governo sabia do posicionamento do
Senado contrário à reoneração. E que havia avisado também que o assunto não
seria resolvido por medida provisória, como pretendia o governo. As medidas
provisórias têm vigência imediata de seis meses, mas precisam ser referendadas
pelo Congresso para não perderem a validade.
No governo, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, segundo Pacheco, estava informado da sua decisão. De certa forma, o susto e a surpresa de Haddad revelam falta de comunicação entre a equipe econômica e o Palácio do Planalto. Para o presidente do Senado, não existe constitucionalidade na medida provisória que revogava uma lei promulgada pelo Congresso, a da desoneração. Cerca de 3 mil prefeituras estão sendo beneficiadas, num ano em que prefeitos e vereadores pressionam intensamente o Congresso.
Caducaram trechos da MP que reoneravam a
folha de pagamento de cerca de 3 mil prefeituras com população abaixo de 135
mil habitantes. Entretanto, Pacheco manteve a perspectiva do entendimento:
“Governo teve e ainda tem tempo para propor o modelo que deseja de desoneração,
via projeto de lei. Se for um modelo justo, certamente será aprovado”.
O caso das desonerações é mais um lance da
queda de braço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o Congresso sobre a
gestão do Orçamento da União. Com ampla maioria conservadora, tanto o Senado
quanto a Câmara são refratários a aumentos de impostos, pelo contrário, querem
reduzi-los, com a aprovação de renúncias fiscais significativas, à revelia do
governo. Ao mesmo tempo, aumentam os gastos com emendas parlamentares ao
Orçamento da União. Como a conta não fecha, o programa de investimentos do governo
é sacrificado, o que interessa à oposição.
As emendas parlamentares ao Orçamento da
União saltaram de R$ 6,14 bilhões em 2014 para R$ 44,67 bilhões em 2024.
Representavam 4% das despesas discricionárias em 2014, agora chegarão a 20%,
neste ano. As transferências federais para estados e municípios representavam
83% dos recursos discricionários em 2014 e agora somam 54% do total, o que
mostra uma tendência de descentralização política, com a transferência da
intermediação de demandas e interesses municipais do Executivo para o
Legislativo.
Semipresidencialismo
Como a maioria das emendas obedecem a
interesses eleitorais locais e imediatos, os projetos estruturantes do
desenvolvimento do governo Lula dão lugar à pulverização dos recursos federais.
O Congresso não tem meios nem quadros para gerir esses recursos com qualidade.
Tampouco responsabilidade em relação às políticas públicas nacionais, que
acabam muito prejudicadas.
Entretanto, não há a menor possibilidade de
rever esse processo no sentido de centralizar a gestão dos recursos no
Executivo. O Congresso não aceita, as emendas parlamentares são um instrumento
de reprodução dos atuais mandatários, beneficiados por enorme disparidade de
meios nos processos eleitorais, em relação aos candidatos sem mandato. Qualquer
tentativa no sentido contrário esbarra em ferrenha oposição do Congresso, até
porque o aumento do valor das emendas, que são impositivas, deu mais autonomia política
aos deputados e senadores.
Esse processo começou no governo de Michel
Temer, que empoderou o Congresso e defende a adoção do semipresidencialismo.
Presidente da Câmara por duas vezes, ao assumir a Presidência, com o
impeachment de Dilma Rousseff, Temer adotou o compartilhamento de poder com o
Congresso por meio da execução orçamentária, ao mesmo tempo que aprovou medidas
para evitar o loteamento de cargos nas estatais da União.
No governo Bolsonaro, o poder dos
parlamentares aumentou ainda mais, com o empoderamento do Centrão. Por causa do
escândalo das “rachadinhas”, no começo de seu governo, Bolsonaro temia um
impeachment e praticamente entregou o Orçamento da União para o Congresso. Lula
assumiu o governo com uma bancada minoritária no Congresso e não tem a menor
condição de reverter esse processo; precisaria de uma maioria parlamentar
robusta, que não existe.
Em qualquer lugar do mundo, um Congresso de
maioria conservadora tem a tendência de reduzir impostos e forçar o governo a
enxugar gastos com pessoal, políticas públicas e investimentos. Mas no caso
atual não é o que acontece com os gastos de investimentos, que o Congresso
abocanhou. Vivemos uma espécie de “semipresidencialismo irresponsável”.
Um comentário:
Exatamente,vamos dividir as responsas.
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