segunda-feira, 22 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Biden fez bem em desistir de candidatura

O Globo

Com ele no páreo, derrota democrata era quase certa. Agora partido tem nova oportunidade

Joe Biden precisou de quase um mês para se convencer do óbvio. Depois do desempenho constrangedor no debate com Donald Trump em junho, até tentou permanecer no páreo em busca da reeleição em novembro. Deu entrevistas tentando disfarçar o declínio, fez discursos negando que desistiria, ligou para doadores e chamou congressistas à Casa Branca. Nada funcionou. Deputados e senadores democratas continuaram exigindo a desistência. A queda nas doações de campanha e nas pesquisas enfim o persuadiu. Ainda se recuperando da Covid-19, Biden acabou neste domingo com as especulações e tomou a decisão acertada. “É do interesse do meu partido e do país que eu desista e me concentre apenas no cumprimento de meus deveres como presidente no que me resta de mandato”, afirmou em carta aberta. Em seguida, numa rede social, apoiou o nome da vice-presidente, Kamala Harris, como candidata democrata.

Com Biden no páreo, a derrota era quase certa. Agora, o cenário muda. Embora a desistência esteja longe de significar vitória do Partido Democrata, traz oportunidade para uma candidatura com mais chance de derrotar Trump. Antes, o partido precisa chegar a consenso sobre o novo candidato. Dois cenários são possíveis. O primeiro é o nome ser escolhido em votação virtual antes da convenção de agosto em Chicago. O segundo é uma convenção disputada, de desfecho imprevisível.

Da última vez que isso aconteceu, o final não foi feliz para os democratas. Em 1968, o presidente Lyndon Johnson desistiu de concorrer à reeleição. Depois de uma convenção marcada por violência e repressão policial, também em Chicago, o vice Hubert Humphrey foi indicado candidato. Menos de três meses depois, o republicano Richard Nixon venceu nas urnas.

Desta vez, a situação se desenha diferente. Kamala larga como favorita. Em levantamento anterior ao atentado a Trump, chegou a exibir números superiores a Biden em estados críticos para a vitória. O endosso pesa a favor dela, já que Biden tinha o compromisso de 3.896 dos 3.939 delegados que votam no primeiro turno da convenção. Com a desistência, eles estão tecnicamente livres para escolher quem quiserem, mas basta que 1.976 sigam a recomendação para ela se consagrar candidata.

Há duas dificuldades. A primeira é unir o partido, quando há outros postulantes viáveis entre os governadores e senadores do Partido Democrata (ou mesmo o ex-democrata e hoje independente Joe Manchin III). É certo, porém, que candidatos fortes, como os governadores democratas da Pensilvânia, Josh Shapiro, e da Califórnia, Gavin Newsom, já apoiaram Kamala. A segunda — e maior — dificuldade é derrotar Trump.

A desistência de Biden é o último capítulo surpreendente num ano eleitoral único. Em menos de dois meses, Trump se tornou o primeiro ex-presidente condenado criminalmente, beneficiou-se de decisão da Suprema Corte sobre imunidade presidencial e do cancelamento de um processo, foi alvo de uma tentativa de assassinato, escolheu um herdeiro político (J.D. Vance, seu vice na chapa) e uniu os republicanos sob seu comando. A perspectiva da volta de Trump e comando republicano na Câmara e no Senado assustou os democratas, por significar retrocesso em políticas adotadas nos últimos quatro anos. Depois de muito relutar, Biden enfim acabou convencido a pensar em seu legado. Fez bem.

Situação precária da internet na escola pública desperta preocupação

O Globo

Nove meses depois de anunciado programa de conexão digital, cenário continua desanimador

A internet por si só não pode trazer a melhoria na qualidade do ensino de que o Brasil precisa, mas sua ausência e precariedade na rede pública certamente tornam a tarefa mais difícil. Assim como outros programas de governo, o Escolas Conectadas foi lançado em Brasília em setembro do ano passado, com promessa de investimento para conectar a rede pública do ensino básico à rede de banda larga. Mais de nove meses depois de lançado, o cenário não é nada animador.

O Ministério da Educação (MEC) anunciou investimentos de R$ 8,8 bilhões para comprar equipamentos e treinar as equipes. É um volume razoável de recursos, cuja aplicação precisa ser feita com transparência e controle, para que não se repitam desvios já ocorridos na aquisição em massa de computadores por governos.

Por enquanto, preocupa a lentidão na execução do programa. Levantamento do GLOBO a partir do Sistema de Medição de Tráfego de Internet (Simet) revelou que 81% das 71,1 mil escolas com dados disponíveis (ou 57,6 mil) têm conexão de qualidade “ruim” ou “péssima”. Apenas 19% (13,5 mil) contam com sinal de internet considerado “bom” ou “ótimo”. O Censo Escolar de 2023 encontrou 15,7 mil escolas desconectadas da rede, ainda na era analógica.

Outro problema grave é que os gestores das secretarias de Educação nos estados e municípios não monitoram a qualidade da conexão de 77.715 escolas, 48% dos 138 mil estabelecimentos de ensino do país. Isso acontece, segundo o MEC, porque elas não contam com o software que mede a velocidade de conexão. Mas essa tarefa é trivial. Pode ser realizada em dezenas de sites gratuitos por qualquer navegador.

Atenção especial precisa ser dada às regiões menos desenvolvidas. No Amapá, em 80% das escolas (ou 637 de 787) os gestores não sabem a qualidade da conexão à internet. O mesmo acontece em Roraima (86%) e no Acre (82%). O MEC diz que as primeiras a ser atendidas serão as escolas sem banda larga, 79% das quais estão nas regiões Norte e Nordeste.

Conexão de baixa qualidade e falta de monitoramento da velocidade do acesso existem em todas as regiões, independentemente do estágio de desenvolvimento. A pior situação é a de Mato Grosso do Sul, onde 64% da rede escolar tem conexão de má qualidade. Mesmo em São Paulo o índice é de 51%, enquanto 36% dos estabelecimentos escolares não monitoram a velocidade de conexão. No Rio de Janeiro, os índices para os mesmos parâmetros são 48% e 38%. No Sul, o Paraná aparece com 57% de escolas mal conectadas e 23% sem monitoramento de velocidade.

O acompanhamento desses indicadores é importante para as secretarias de Educação saberem se as escolas têm condições de navegar na internet sem dificuldades. Mas isso de nada vale se não houver um projeto pedagógico competente, executado por bons professores, para que as ferramentas digitais resultem em aprendizado para os alunos.

Países têm dever de agir pela lisura da eleição na Venezuela

Valor Econômico

Pela primeira vez desde que chegou ao poder em 2013, Nicolás Maduro enfrentará um candidato com reais chances de derrotá-lo, o que renova os temores de que o chavismo agirá para subverter o resultado das urnas

Os venezuelanos vão às urnas no domingo para escolher seu novo presidente em mais um pleito marcado pela falta de independência das autoridades eleitorais, pela perseguição à oposição e pela ameaça de que a votação seja fraudada pelo regime de Nicolás Maduro, apesar da pressão internacional para que o país realize eleições justas e limpas. Pela primeira vez desde que chegou ao poder em 2013, o atual mandatário enfrentará um candidato com reais chances de derrotá-lo, segundo pesquisas recentes, o que renova os temores de que o chavismo agirá para subverter o resultado das urnas e permanecer no poder.

A ameaça ao chavismo é representada pelo diplomata aposentado Edmundo González, de 74 anos, uma figura desconhecida da população até ser alçado ao posto de líder da Plataforma Unitária Democrática (PUD), a coalizão de partidos de oposição, no lugar de María Corina Machado, impedida de disputar o pleito pela Justiça venezuelana, dominada por aliados de Maduro, assim como Corina Yoris, a primeira escolhida para substituí-la. Outros adversários populares também foram inabilitados pelos tribunais chavistas.

Embora o regime esteja no controle da máquina pública e tenha à disposição amplos e já conhecidos instrumentos de coerção para mudar as tendências até a votação, Gonzaléz aparece em algumas pesquisas com mais de 20 pontos de vantagem sobre Maduro. Há, claro, dúvidas sobre a confiabilidade dos levantamentos eleitorais feitos no país, que precisam ser vistos com cautela, mas os números ligaram um sinal de alerta entre os chavistas, já que sugerem a insatisfação da população com o colapso da economia local e com o crescente autoritarismo por parte do governo.

Diante da situação praticamente inédita para o chavismo, que em fevereiro completou 25 anos no poder entre os mandatos de Hugo Chávez e do próprio Maduro, o governo venezuelano tem recorrido a velhas práticas para impedir que o descontentamento seja expresso nas urnas. A tática mais recente envolve dificultar o registro eleitoral de parte dos 8 milhões de venezuelanos que fugiram para o exterior em meio à derrocada do país. Segundo especialistas, apenas 69 mil estarão aptos a votar - de um universo que varia entre 3,5 milhões e 5,5 milhões de pessoas, a grande maioria delas críticas do governo.

Já na última quarta-feira, o regime prendeu o chefe da segurança de María Corina, que vem acompanhando González em atos de campanha em todo o país e segue como a principal figura da campanha contra Maduro. Segundo a oposição, a prisão do ex-policial Milciades Ávila se soma à de outros 23 correligionários também detidos ao longo do processo eleitoral. Outros teriam se escondido para evitar serem alvo do regime.

Analistas e representantes da oposição veem a prisão mais recente como um prenúncio de que medidas mais extremas podem ser adotadas na reta final da corrida eleitoral. Cogita-se, inclusive, a possibilidade de que Maduro suspenda as eleições ou arranje algum pretexto para desqualificar e retirar González do pleito. Ambas seriam opções mais simples para o regime do que ter que eventualmente manipular a contagem dos votos no domingo, mesmo com o domínio do chavismo sobre o Conselho Nacional Eleitoral, os tribunais e os quartéis do país.

O conjunto de medidas repressivas se dá após Maduro ter se comprometido, no ano passado, a permitir a realização de eleições transparentes e justas no país, monitoradas pela comunidade internacional. Em outubro de 2023, governo e oposição chegaram a anunciar o Acordo de Barbados, na época visto como passo importante rumo à normalização política no país e que também levou à retirada de sanções impostas à Venezuela pelos Estados Unidos.

O aceno democrático se provou um jogo de cena, sendo seguido pelas ameaças de invadir militarmente a vizinha Guiana para tomar a província de Essequibo, rica em petróleo - outra carta que pode ser tirada da manga na tentativa de mudar os rumos da eleição. Sem a perspectiva de um processo eleitoral limpo, os EUA retomaram as sanções ao país. Já a União Europeia, que também havia se comprometido a suspendê-las, sequer avançou nesse sentido, o que fez com que Maduro reagisse e suspendesse o convite ao bloco para atuar como observador no pleito.

Apesar da crescente insatisfação popular, é pouco provável que Maduro deixe voluntariamente o Palácio de Miraflores, já que teme o que pode lhe acontecer fora do poder. Prova disso é ter afirmado, em discurso recente, que haverá um “banho de sangue” no país se for derrotado no domingo. O líder chavista e vários funcionários do governo são investigados no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. Nos EUA, Maduro e aliados respondem por ligações com o narcotráfico.

Com o quadro que se desenha para o dia da votação, o Brasil e outros países que mantêm diálogo com Caracas, como a Colômbia, têm o dever de agir para garantir a lisura do processo. É preciso também se preparar para atuarem como mediadores no cenário pós-eleitoral, que pode envolver a hipótese de pressionar Maduro a garantir a transição de poder, em caso de derrota, ou de evitar uma escalada de violência, como ocorreu em 2017. As gestões do presidente Lula por um pleito democrático, mesmo moderadas, não deram em nada até agora.

Zoneamento em SP deve buscar interesse comum

Folha de S. Paulo

Regras precisam observar ocupação ordenada e sustentável; criação de áreas verdes é imperiosa diante da crise climática

Apelidado de "revisão da revisão" e atualizado apenas seis meses após a aprovação da reforma inicial, em dezembro, o novo conjunto de alterações na Lei de Zoneamento da cidade de São Paulo foi ratificado recentemente pela Câmara Municipal. Nos próximos dias, enfim, deverá passar por sanções e vetos do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

As mudanças no diploma, que vigorava desde 2016 e determina os tipos de construções que podem ser feitas em cada bairro, são alvo de críticas de arquitetos e urbanistas, que veem açodamento nas decisões e escasso debate público.

De modo geral, o pacote favorece a expansão imobiliária em regiões valorizadas e pontuais da capital. Vereadores que o defendem argumentam que ajustes eram necessários para regularizar quadras que ficaram sem zoneamento, além de tornar aplicáveis alterações aprovadas no Plano Diretor, também revisado no ano passado.

Um dos pontos controversos está em emendas de última hora à minirreforma que deram aval à construção de edifícios mais altos e largos em pontos específicos de bairros nobres —o chamado potencial construtivo, que leva em conta o tamanho do terreno, de amplo interesse do mercado imobiliário.

O adensamento popular em áreas bem estruturadas, com serviços próximos e transporte público, reduz grandes deslocamentos, evita novos espraiamentos para as franjas da metrópole e atenua o dramático déficit habitacional.

O que põe em xeque tal perspectiva é o evidente objetivo das construtoras de priorizar prédios de alto padrão, geralmente com apartamentos maiores. Dilui-se, assim, o alto custo dos terrenos e atrai-se as classes mais abastadas —em condições de arcar com financiamentos em tempos de juros altos.

Projetar algum ordenamento sustentável ao desajustado tecido urbano paulistano é imposição premente também em razão de inevitáveis eventos climáticos extremos.

Nesse ponto, de forma acertada, o regramento revisado prevê dois novos parques —do Bixiga (centro), pleiteado há décadas, e do Clube Banespa (zona sul). Paralelamente, licitação também deverá transformar o Campo de Marte (zona norte) em área de lazer.

Espalhar oásis verdes por São Paulo pode ser um processo custoso e prolongado, mas, além dos óbvios benefícios à vida dos cidadãos, perímetros permeáveis abrandam efeitos das clássicas inundações.

Harold Samuel, notório incorporador britânico do século 20, cunhou a máxima do setor em 1944. Ele dizia que só três coisas realmente importam nesse ramo: "localização, localização e localização".

Para o interesse público, contudo, o que vale mesmo é o destino responsável dos espaços urbanos.

Calafrios climáticos

Folha de S. Paulo

Cenários da crise ambiental se agravam com a perda de geleiras em várias regiões

Proliferam registros sobre eventos extremos do clima, como inundações, deslizamentos de terra e ondas de calor. Menos perceptível para o público se mostra o derretimento de geleiras, com o efeito temível de elevação dos mares.

Várias notícias preocupantes têm surgido nesse campo de pesquisa. A mais recente indica que geleiras do Alasca recuam mais rápido do que se previa e, pior, que tal deterioração pode se tornar irreversível.

O Campo de Gelo de Juneau perdeu já um quarto do volume que tinha no século 18. Entre 2010 e 2020, a velocidade de derretimento duplicou. Toda essa água foi parar no mar, elevando seu nível —outro fator a contribuir é o aumento da temperatura dos oceanos, que expande o volume do líquido.

Não é só o Alasca. Plataformas de gelo da Groenlândia perderam 35% da massa em quatro décadas, pondo em risco seu papel de freio à marcha das geleiras rumo ao oceano. Se tais torrentes também se acelerarem, cada vez mais icebergs se desprenderão e derreterão.

Igualmente inquietantes são estudos mostrando que estão se desfazendo por baixo os glaciares da Antártida, continente do polo Sul onde se encontra a maior massa de gelo do planeta. Essa camada de água funciona como lubrificante que facilita o deslizamento do gelo, mais uma vez, até o mar.

De 2006 a 2018, as águas costeiras subiram em média quase 4 milímetros por ano, o triplo da velocidade observada entre 1901 e 1971.

Até 2100, estimam os cientistas, a elevação ficará entre 0,5 e 1 metro, a depender do quanto se consiga reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Se cumprida a meta mais estrita do Acordo de Paris (2015), a de não ultrapassar 1,5ºC de aquecimento, a alta dos oceanos ficaria naquele meio metro.

Dá-se como certo que esse limite de segurança será cruzado, para apreensão de países insulares cujas populações serão gravemente flageladas. No Brasil, 1 milhão de pessoas estão sob ameaça nos litorais; no mundo todo, 300 milhões.

A combinação de alta do mar com chuvas torrenciais, como as que afogaram Porto Alegre, pode produzir cenas trágicas de alagamentos. Um futuro de dar calafrios.

 Biden se rende

O Estado de S. Paulo

Em gritante contraste com o delinquente Trump, Biden sai da disputa como um político de grande estatura, que só foi abatido pela idade. Já no campo moral, o presidente ganhou de lavada

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou ontem, a escassos 107 dias da eleição, que desistiu de tentar a reeleição, ampliando o caráter dramático da campanha presidencial americana.

Pode-se ler sua decisão como um gesto de grandeza e espírito público, ante o fato de que sua permanência na disputa parecia ampliar drasticamente as chances de seu adversário, o ex-presidente Donald Trump, tido e havido como uma ameaça à democracia no país. Mas também é possível concluir que Biden não tinha alternativa, ante o fato de que sua candidatura estava sangrando – com perdas substanciais em financiamento e em apoio dentro de seu próprio partido. A pressão por sua desistência se tornou irresistível, e Biden, político experientíssimo aos 81 anos, concluiu o óbvio: sua candidatura estava morta.

Foram semanas de agonia após o desempenho desastroso no já antológico debate com Trump na TV. Recorde-se, aliás, que os democratas haviam desafiado Trump para o debate antes mesmo da confirmação das candidaturas porque tinham interesse em mostrar que, ao contrário das aparências, Biden estava em forma e pronto para o combate. Como se sabe, não foi o que se viu: os americanos, atônitos, puderam constatar que seu idoso presidente é um homem com limitações evidentes para o desafio de uma campanha eleitoral e, o mais importante, de governar os Estados Unidos por mais quatro anos.

Para piorar, as últimas semanas foram particularmente generosas para a campanha de Trump. Além da evidente fragilidade do adversário, o ex-presidente teve vitórias judiciais expressivas, que praticamente limparam seu caminho rumo à Casa Branca, onde terá poder para enterrar todos os inúmeros processos que tem contra si. Ademais, mas não menos importante, Trump sofreu uma tentativa de assassinato durante um comício, transformando-se automaticamente em mártir e em santo para seus inúmeros devotos. A sobrevivência de Trump foi transformada por sua campanha em prova de que o ex-presidente é um enviado de Deus para salvar a América. Nada menos.

Não foram poucos os que vaticinaram que a eleição, mantido o atual cenário, estava liquidada, ainda que as pesquisas de intenção de voto não tenham mostrado variações muito significativas em favor de Trump mesmo depois do atentado. E isso possivelmente se dá porque os Estados Unidos estão solidamente divididos entre democratas e trumpistas. A luta será para convencer os eleitores que não se identificam automaticamente com um ou outro – e eles terão peso significativo para decidir a eleição.

Para o Partido Democrata, começa agora a busca por um candidato viável, depois de semanas de angústia. Biden endossou sua vice, Kamala Harris, que não é exatamente um portento eleitoral, mas a esta altura não é possível imaginar uma disputa aberta entre os democratas pela vaga na chapa. Logo, salvo surpresas de última hora, os democratas irão de Kamala mesmo.

Ainda que abundem incertezas no campo democrata, a sensação certamente é de alívio. Não será mais necessário preocupar-se com cada frase dita por Biden – cujas declarações, todas elas, eram tomadas como medida de sua senilidade. A energia do partido poderá ser usada agora exclusivamente para construir uma candidatura forte o bastante para enfrentar Trump. A rigor, qualquer um seria melhor que Biden para cumprir essa missão.

É preciso energia e vigor para enfrentar Trump, que transformou o tradicional Partido Republicano numa seita que o idolatra, que nunca se conformou com a democracia e com sua derrota na eleição de 2020, que incitou uma tentativa de golpe de Estado e que tem profundo desprezo pelas instituições e pelos americanos que não o apoiam.

Em gritante contraste com o delinquente Trump, Biden sai da disputa como um político de grande estatura, que só foi abatido pelas limitações de sua idade, disputa que é impossível vencer. Já no campo moral, Biden ganhou de lavada.

O bem-vindo retorno das vacinas

O Estado de S. Paulo

Brasil melhora em ranking global de vacinação, livra-se aos poucos da doença do negacionismo e retoma um programa que já foi referência no mundo – mas ainda há muito a avançar

Depois de anos de quedas sucessivas na cobertura vacinal, o Brasil saiu, enfim, do indesejável ranking dos 20 países com mais crianças não vacinadas. A auspiciosa notícia vem do relatório divulgado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sobre os níveis de vacinação no mundo. A saída da lista é a confirmação de que, aos poucos, o País vem se livrando da doença trágica do negacionismo e da ineficiência de um programa de imunização que um dia já foi referência no planeta.

A melhora dos índices de cobertura vacinal do Brasil destoa do que acontece no panorama global – de acordo com o relatório, a taxa de imunização no mundo ficou estagnada. A título de exemplo, o número de crianças que não receberam nenhuma dose da DTP1, que protege contra difteria, tétano e coqueluche, caiu de 418 mil em 2022 para 103 mil em 2023 no Brasil. Ao mesmo tempo, no mundo, o número de crianças que ficaram sem qualquer dose dessa vacina aumentou de 13,9 milhões em 2022 para 14,5 milhões no ano passado. A cobertura vacinal global desse imunizante ficou estagnada no patamar de 89%, enquanto no Brasil o índice passou de 84% para 96%. O relatório da OMS e do Unicef também mostra a força da vacinação nos países das Américas: foi a única região a exceder os níveis de vacinação pré-pandemia de 2019, o que indica uma aceleração considerável na recuperação.

Em abril, o Ministério da Saúde já havia apresentado dados que mostravam o aumento da cobertura vacinal no País. Na ocasião, informou que 13 dos 16 imunizantes do calendário infantil tiveram alta na adesão. Motivo suficiente, na época, para reconhecer os méritos da atual gestão da pasta, que buscou revigorar em 2023 o Programa Nacional de Imunizações, abalado pela gestão anterior. Além de retomar o personagem Zé Gotinha, também lançou o Movimento Nacional pela Vacinação, no qual se incluíram a adoção do microplanejamento, o repasse de recursos para ações regionais nos Estados e municípios e o programa Saúde com Ciência, iniciativa interministerial voltada para a promoção e valorização da ciência nas políticas públicas de saúde. Iniciativas como essas levam a Sociedade Brasileira de Imunizações a destacar tanto a cultura de vacinação do País quanto as estratégias de imunização adotadas no nível municipal. Isso teria sido essencial para o aumento da cobertura vacinal, garantindo que fossem vacinadas as pessoas que estavam com o calendário atrasado.

Não é uma vitória trivial e, portanto, deve ser comemorada. Mas mantê-la exigirá vigilância e trabalho. Por exemplo, as coberturas vacinais da maioria dos imunizantes seguem abaixo da meta. E o próprio Ministério da Saúde informou ter pesquisas segundo as quais 20% da população não confia ou confia pouco em algumas vacinas – índice que, no passado, não passava de 5%. E mais: os anos críticos da pandemia de covid-19 deixaram no Brasil a triste marca dos 700 mil mortos pela doença e a trágica cultura do negacionismo, impulsionada por uma legião que não apenas se recusava a seguir as recomendações da ciência, como difundia desinformação e inverdades sobre supostos riscos e inutilidade das vacinas.

Durante quase dois anos de pandemia, o então presidente Jair Bolsonaro foi um inimigo da imunização. Chegou a dizer que as mortes de crianças pela covid-19 no Brasil não justificavam a vacinação, em razão de inexistentes “efeitos colaterais adversos”. Também recorreu ao deboche, como na infame declaração segundo a qual “se você virar um jacaré, problema seu”. Apesar das forças contrárias e da negação da realidade, prevaleceram a ciência, a boa governança e o espírito público dos agentes de Estado.

Convém reconhecer, no entanto, que, embora a queda na cobertura vacinal tenha se intensificado durante o governo Bolsonaro, já vinha apresentando piora desde 2016, com números decrescentes entre os imunizantes do calendário infantil. Uma evidência de que só a confiança da população nas vacinas não basta. É preciso fazer campanha permanente.

Pouco a comemorar

O Estado de S. Paulo

Índice de homicídios no País caiu em 2023, mas segue 4 vezes maior que o mundial

O País recebeu com alívio alguns números apresentados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mas há poucos motivos para comemoração. A violência persiste na sociedade. Serão longas ainda as batalhas para que o Brasil vença a criminalidade. Os dados sobre homicídios mostram que há muito a ser feito.

Em 2023, foram 46.328 assassinatos, uma taxa de 22,8 casos para cada 100 mil habitantes – queda de 3,4% ante o indicador do ano anterior. Trata-se do menor registro da série histórica do levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, iniciada em 2011. A taxa de homicídios no País, porém, é quatro vezes maior que a mundial, além de superar a de países vizinhos. Isso, por si só, expõe a dificuldade do Brasil no combate ao crime.

Para Renato Sérgio Lima, presidente do Fórum, “a boa notícia é que na maior parte dos países as mortes vêm caindo e, entre as grandes causas, há um componente demográfico importante, já que a população está envelhecendo”. A parcela de homens jovens – sobretudo os negros – concentra as vítimas de mortes violentas. Até a idade da população virou uma esperança para refrear as estatísticas.

Enquanto São Paulo (7,8 por 100 mil) e Santa Catarina (8,9) trazem os menores índices do País, as maiores taxas foram registradas no Amapá (69,9) e na Bahia (46,5), onde o Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) disputam territórios para consolidar novas rotas de envio de cocaína por via marítima para o exterior. Nesses Estados, o crime organizado e a letalidade policial escancaram um cenário de embate constante com consequências trágicas.

As polícias do Amapá e da Bahia, na avaliação de Lima, atuam de forma tumultuada. Não à toa, no topo do ranking, os dois Estados alcançam as taxas de letalidade policial de 23,6 e 12 mortes por 100 mil habitantes, respectivamente, revelando uma distância superlativa em relação a Rondônia (0,6) e Minas Gerais (0,7).

Além de migrar pelo País, o crime também migrou para o mundo virtual, para infortúnio dos cidadãos. Os bandidos têm preferido dar golpes virtuais a cometer crimes nas ruas, aproveitando-se do Pix, de aplicativos e de jogos online. Enquanto houve queda em furtos e roubos – inclusive de celular –, há alta no número de estelionatos, o que impõe às polícias o dever de aperfeiçoar seus recursos tecnológicos.

A violência contra as mulheres também preocupa. Houve crescimento nos números de estupro, importunação sexual e feminicídio. A tipificação de novos crimes, como stalking (perseguição), e campanhas para reduzir a subnotificação explicam parte da alta, mas o aumento generalizado acende o alerta de que ações para reverter esse quadro devem ser prioritárias.

O anuário mostra um crime organizado que se antecipa facilmente à inteligência dos órgãos de investigação e repressão e aos sistemas de defesa privados. Há claramente uma migração da delinquência para o ambiente virtual – que, se reduz a letalidade dos criminosos, por outro lado aumenta substancialmente os prejuízos e dá ainda mais poder financeiro às quadrilhas, contrastando com a excruciante lentidão do Estado.

Avanço na imunização deve ser contínuo

Correio Braziliense

A melhora na vacinação de crianças não apaga o rastro de anos de baixa cobertura vacinal no Brasil. Também não ameniza o temor em relação ao retorno de doenças consideradas controladas ou erradicadas, como sarampo e poliomielite

Notícia divulgada na última semana movimentou as autoridades brasileiras da área de saúde de maneira positiva. O Brasil avançou na imunização infantil e deixou de fazer parte da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas no mundo. Os dados foram lançados em parceria pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância  (Unicef) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a partir de um estudo sobre imunização infantil no mundo, o WUENIC. 

Surpreendentemente, os dados gerais são inversamente proporcionais à nova realidade brasileira. A cobertura global de imunização infantil ficou estagnada em 2023, deixando 2,7 milhões de crianças a mais não vacinadas ou com imunização incompleta, em comparação aos níveis pré-pandemia de 2019, de acordo com o levantamento. Com relação às três doses da vacina contra difteria, tétano e coqueluche (DTP), considerada um indicador-chave para a cobertura vacinal global, o número de crianças que não receberam uma única dose aumentou de 13,9 milhões em 2022 para 14,5 milhões em 2023.

O salto no Brasil, por sua vez, foi significativo. Em 2021, 687 mil crianças não haviam recebido a primeira dose da DTP. Esse número caiu para 103 mil no ano passado. Já a não cobertura da DTP3 reduziu de 846 mil para 257 mil nos mesmos anos. Com importante evolução em 14 dos 16 imunizantes pesquisados, o país que ocupava o 7º lugar do perigoso ranking deixou de fazer parte da lista.

A boa notícia, no entanto, não apaga o rastro de anos de baixa cobertura vacinal. Principalmente em 2016, quando foi registrada uma queda vertiginosa nos índices de vacinação, e, a partir de 2020, quando os números de doses utilizadas não chegaram a 70%, bem aquém dos 95% recomendados pela OMS.  

Também não ameniza o temor em relação ao retorno de doenças consideradas controladas ou erradicadas em terras brasileiras, a exemplo do sarampo (o vírus voltou a circular no país em 2018) e da poliomielite (últimos registros são de 1990) — temas que tomaram as páginas dos jornais recentemente, diante da baixa frequência de crianças abaixo de 5 anos em postos de saúde e clínicas de imunização.  

Prova dessa preocupação é a nova onda de casos de coqueluche, registrada nos dois últimos meses, especialmente nos estados de São Paulo (165 casos) e Rio de Janeiro (34 casos), e com um quadro de disseminação muito mais preocupante na Europa — de acordo com o Centro Europeu de Controle e Prevenção das Doença, foram registrados 32 mil casos da infecção respiratória altamente transmissível apenas nos três primeiros meses de 2024, superando o registro de todo o ano anterior, de 25 mil casos. Não se pode esquecer, também, da febre amarela, cujos números deste ano no Brasil já são quatro vezes maiores do que os do ano anterior.

Os desafios persistem e envolvem uma série de ações, que vão desde a busca incansável por meninos e meninas que ainda não receberam vacinas até o envolvimento de serviços de saúde, escolas, pais,  autoridades governamentais, entre outros atores sociais. Como recomenda a ONU, é necessária a união de esforços de toda a sociedade para elevar as taxas de vacinação no Brasil e no mundo, tornando os 95% de cobertura vacinal recomendados pela OMS algo atingível ainda que nos próximos anos.

 

 

 

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