Atualmente, a taxa bruta de participação brasileira no ensino superior é uma das mais altas do mundo. Nossos percentuais estão colados a média da praticada pelos países da OCDE. Ou seja, o acesso à vida universitária tornou-se acessível, gerando reações entre aqueles que preferem concebê-lo tão somente como capital que pode produzir retorno ao mercado de trabalho. Tanto fontes estatais como não-estatais contribuem para este enorme esforço.
Entretanto, não há espaço para estatizar
sonhos. O Brasil atingiu um nível mais elevado de investimento exclusivamente
em virtude de ter um sistema misto de provisão.
Esta característica mista está profundamente
enraizada na economia política do sistema: permite mobilizar um grande volume
de recursos; garante acesso; apoia uma rede institucional diversificada e
plural; oferece programas diferenciados em três níveis (SISU, PROUNI e FIES).
Garante uma cobertura territorialmente descentralizada e apoia uma comunidade
científica altamente produtiva a nível comparativo regional.
Um tal esquema – custos mistos e partilhados
– tem justificações poderosas. Primeiro, o Estado, pelo SISU, não tem condições
de manter um ensino superior de acesso universal e de qualidade garantida. Em
segundo lugar, para sustentar este padrão seria necessário aumentar
continuamente o gasto na produção, transmissão e aplicação de conhecimento.
Terceiro, o ES gera simultaneamente benefícios públicos e privados, o que
justifica que tanto a sociedade como um todo (contribuintes) como os
beneficiários individualmente, contribuam para cobrir os custos desta função
pública crucial.
Na verdade, a sociedade se beneficia de
diversas formas com um ensino superior com ampla cobertura e qualidade. Por
exemplo, terá um maior número de profissionais encarregados de serviços
essenciais, como saúde, educação escolar, segurança cidadã, judiciário,
legislativo, comunicações, Concurso Público Nacional Unificado e outros. Da
mesma forma, contará com uma plataforma de conhecimento técnico-científico em
permanente renovação e pessoas especializadas para a sua gestão. Melhora a
competitividade histórica empresarial e das organizações. E será incentivada a
educação cidadã, fator decisivo para a deliberação informada de políticas
públicas.
Para tal, os Estados e as sociedades
democráticas protegem a autonomia das universidades, instituições que, por sua
vez, devem garantir a liberdade acadêmica e o pluralismo deliberativo no seu
interior. Nem cancelamentos, nem acampamentos, nem ocupações, nem perseguições
ou universidades monitorizadas cabem no espaço cultural do ES. Quando ocorrem,
colocam em risco o valor público do conhecimento.
Mas a ES também produz benefícios privados de
natureza individual. O nível salarial e a rentabilidade do capital humano
adquirido são a sua expressão imediata, mas não a única. Devem também ser
considerados a socialização dos valores e da ética profissional, uma melhor
compreensão do mundo e de si mesmo, a participação em redes de pares e não só,
o cultivo de uma visão não puramente paroquial da contemporaneidade, um sentido
de responsabilidade para com a natureza e o desenvolvimento do senso crítico.
A partir do momento em que reconhecemos a
geração – pela economia social – de valor público e privado, individual e
coletivo, a partilha de custos também é legitimada como critério norteador
deste sistema. O Brasil possui um esquema poderoso que envolve diversas fontes
estatais e privadas e dezenas de instrumentos para alocar recursos a
instituições e estudantes.
A operação deste esquema misto apresenta
resultados. A qualidade das nossas instituições de ensino superior melhorou.
Nossa pesquisa acadêmica, apesar da escassez de recursos, apresenta nível
positivo de produtividade e impacto. Além disso, uma parte substancial está
orientada para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ao mesmo
tempo, nosso sistema ainda goza de saúde financeira e a proporção de matrículas
encontradas em instituições com perfis de risco é baixa. Entretanto, isso já
não se pode dizer do ensino infantil, do pré-escolar e de toda a educação
básica.
Ainda assim, existem questões críticas que
precisam ser abordadas. A falta de uma Política Nacional de Educação Superior
associada a uma concepção do gratuito, combinada com a regulação do MEC e afins
estaduais, cria pressões onerosas sobre as instituições e dificulta o seu
desenvolvimento. O sistema de garantia de qualidade aumenta os custos das
funções institucionais sem que sejam disponibilizados recursos para esse fim.
Os gastos com P&D são muito baixos – um dos mais baixos entre os países da
OCDE – intensificando a competição entre pesquisadores, disciplinas, núcleos e
áreas de conhecimento.
Também o atual regime de créditos estudantis, dos quais o PROUNI e FIES são peças, já deveria ter sido modificado há muito tempo. É insustentável, mas segue funcionando devido à falta de clareza diagnóstica. É urgente desfazer este nó, incluindo o não pagamento e as dívidas acumuladas, e criar um esquema de crédito – ou outro de manutenção de custos – para estabelecermos uma política de financiamento sustentável para o ensino superior.
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