sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Entrevista | Belluzzo: ‘Galípolo sabe que não vai escrever um livro no BC’

Anais Fernandes e Victor Rezende / Valor Econômico

Para Luiz Gonzaga Belluzzo, autoridade monetária poderia ser mais ativa no câmbio

Nome mais cotado para ser anunciado como o novo presidente do Banco Central (BC) nos próximos dias, Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária do órgão, é uma pessoa de “muitas dimensões” e “muitas qualidades”, afirma Luiz Gonzaga Belluzzo.

Professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundador da Faculdades de Campinas (Facamp), Belluzzo é amigo de Galípolo, com quem já escreveu diversos livros. “Ele sabe perfeitamente que não vai escrever um livro no BC”, afirma o professor.

Na avaliação de Belluzzo, Galípolo fez bem em ir a público recentemente e dizer que o BC não descartava uma alta de juros. “Ele sabe que as convicções e as palavras funcionam para orientar os mercados”, diz. “Uma coisa é ser um economista que está fora do governo, outra coisa é estar no governo.”

Ao Valor, no entanto, Belluzzo, que também foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987), diz não ser a hora de subir a Selic. “Nem ele [Galípolo] disse que era o momento; ele disse que poderia, que isso não estava descartado.”

Conhecido torcedor do Palmeiras - foi presidente do clube entre 2009 e 2011 -, Belluzzo compara o governo Lula 3 a um time que quer atacar, no sentido de realizar investimentos, e enfrenta outro time “retranqueiro”, notadamente o mercado financeiro e seu recorrente discurso sobre o risco fiscal. “Se você tiver unha encravada, eles vão falar para tomar cuidado com o fiscal”, diz Belluzzo.

Para ele, os movimentos do câmbio, inclusive a recente desvalorização do real ante o dólar, têm mais relação com fatores externos e com a configuração do sistema monetário financeiro internacional, e o BC poderia adotar uma postura mais ativa. 

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Como tem acompanhado as recentes oscilações do câmbio?

Luiz Gonzaga Belluzzo: Tento olhar fundamentos. Houve um momento em que o Jerome Powell [presidente do banco central dos Estados Unidos] deu a impressão de que não iria baixar a taxa de juros, e ocorreu uma valorização do dólar em relação a todos os países, ninguém ficou de fora. No Brasil, temos um movimento de mercados futuros que torna o real a moeda mais líquida entre emergentes.

Valor: O sr. está sugerindo que a flutuação do câmbio forte no Brasil é por uma questão de liquidez? Muitos economistas citam o fiscal

Belluzzo: Se você tiver unha encravada, eles vão falar para tomar cuidado com o fiscal. É um chavão e uma coisa equivocada. É inverter a importância das relações. Os fatores externos, hoje, são determinantes no movimento das moedas. O câmbio está refletindo as formas que adquiriu o sistema financeiro internacional. [Os economistas John Maynard] Keynes e [Harry] Dexter White tentaram, cada um com as suas propostas, propor um ambiente favorável à estabilidade das economias, partindo de um sistema monetário financeiro internacional mais adequado. As discussões sobre [os acordos de] Bretton Woods [em 1944] eram no sentido de não permitir que as economias nacionais ficassem submetidas às trombadas dos movimentos de capitais.

Valor: Como assim?

Belluzzo: Quando ocorre qualquer desarranjo nas economias, os detentores de riqueza, em geral, correm para a moeda reserva. O Plano Real foi muito bem sucedido na estabilização da economia porque nos tirou daquele período de hiperinflação, mas as circunstâncias e constituições do sistema monetário financeiro internacional não ajudaram uma gestão mais favorável, tanto que, em 1999, houve uma desvalorização [do real] importante. O [economista americano e professor em Berkeley] Barry Eichengreen fala em um “novo Bretton Woods”. Isso é pouco provável no curto prazo, mas, no longo prazo, não é sustentável mais esse sistema monetário. Essa condição, digamos, um pouco desconfortável que temos no Banco Central tem muito a ver com essa dominância do setor externo.

Essa história do ‘risco fiscal’ está nos levando a uma situação muito difícil, não se pode mobilizar nada”

Valor: O sr. acha que o BC deveria ser mais ativo no câmbio?

Belluzzo: Eu acho. Vender dólar à vista não é bom porque temos de preservar as reservas, mas swap é uma alternativa. Os países estão dando muita importância a esse instrumento para se proteger de instabilidades cambiais.

Valor: O presidente do BC, Roberto Campos Neto, falou em entrevista ao jornal “O Globo” que eles pensaram em intervir no câmbio recentemente, mas resolveram esperar

Belluzzo: Eu fico surpreso.

Valor: Ele disse que consultou o diretor de política monetária

Belluzzo: Que eles resolveram esperar eu acredito. Assim como acredito que o Gabriel [Galípolo, diretor de política monetária do BC] falou que pode subir a taxa de juros porque ele sabe que as convicções e as palavras funcionam para orientar os mercados. Ele fez certo. Uma coisa é ser um economista que está fora do governo, outra coisa é estar no governo; você tem de seguir outras recomendações, outras regras, porque o que você fala tem repercussão.

Valor: O sr já escreveu diversos livros com o Galípolo, que, hoje, é o nome mais cotado para assumir o BC. O que acharia dessa indicação?

Belluzzo: O Gabriel é um uma pessoa que tem muitas dimensões na vida, muitas qualidades. Ele sabe perfeitamente que não vai escrever um livro no BC. Ele vai ter de respeitar as condições que mencionamos aqui. No BC, eles falam em ancoragem e desancoragem. Tudo isso está na esfera da informação. Você está, na verdade, dando uma informação para o mercado, e o mercado retorna para você. E os mercados têm poder, eles que determinam as posições compradas, vendidas. É assim que é o jogo. A declaração dele sobre a taxa de juros, para mim, foi sintomática.

Valor: Por quê?

Belluzzo: Foi algo como: ‘Olha, eu não vou aqui impor os meus pontos de vista, vou conversar com o mercado, ver qual é a melhor forma de fazer’. Ou seja, trata as questões econômicas como humanas, porque parece que o único animal que consegue se comunicar pela palavra é o homem - talvez, alguns menos cuidadosos considerem que o papagaio também o faz.

O capitalismo não entrega o que promete e vai transformando as pessoas em ressentidas”

Valor: E isso vale para política econômica também?

Belluzzo: Não é diferente na economia, no BC, é linguagem. O cerco de Troia é muito intenso. Você não faz economia, não toma decisões de política humana a partir daquilo que você acha que deveria fazer. Você tem de olhar quais são o comportamento e a reação dos objetos da sua decisão - a sociedade. É a economia vista como uma dimensão da vida social. Como tem esse poder muito concentrado nos mercados financeiros, você tem de levar isso em consideração. Mas é importante dizer também que, frequentemente, economistas falam que é tudo “técnico”. Não é nada técnico. Isso é, na verdade, uma forma de compreensão que se transmite. Nessa avalanche de concentração de opiniões do mercado, inclusive na mídia, não há espaço para outras visões, e isso vai conformando a opinião.

Valor: O sr. acha que é o momento para elevar os juros?

Belluzzo: Não, acho que não. Mas nem ele [Galípolo] disse que era o momento; ele disse que poderia, que isso não estava descartado entre as possibilidades e tudo está na mesa. É claro que é indesejável ter uma inflação avançando, mas a exclusividade [que a taxa de juros como instrumento dos bancos centrais adquiriu] não beneficia muito as outras dimensões da vida social e econômica.

Valor: O sr. já assistiu a governos anteriores do PT. Como avalia o Lula 3 e, especificamente, o ministro Fernando Haddad na Fazenda?

Belluzzo: Eu acho que o Haddad está fazendo esse movimento com muita habilidade, tentando dialogar, conversar. Essa história do “risco fiscal” está nos levando a uma situação muito difícil porque não se pode mobilizar nada. O Estado não pode agir ou tem de agir muito cautelosamente na mobilização dos investimentos. Eu comparo o governo a um time que quer atacar e está enfrentando outro time que faz retranca - e a retranca é a opinião, sobretudo, do mercado financeiro. O governo Lula está conseguindo enfrentar barreiras de uma maneira bastante interessante. Eu dei uma entrevista ao Valor muito tempo atrás, no primeiro governo Lula, em que já falava que o Lula é um negociador, um conciliador. Essa imagem de radical que querem fazer dele é completamente equivocada e mal intencionada. Basta ver a conformação do governo dele. Ele está tentando encaminhar a economia na senda de uma trajetória que possa ser sustentável tanto do ponto de vista da inflação quanto do ponto de vista do crescimento. Esse ano, parece que [o PIB] vai ser em torno de 2,5%. Existem relações complicadas, mas tem de fazer a gestão politicamente. Inclusive, na direção de uma relação internacional mais diversificada. O Xi Jinping [presidente da China] vem aí em novembro. Será uma oportunidade de discutir programas comuns.

Valor: Que tipo de programas?

Belluzzo: O Brasil é o principal fornecedor de commodities para a China. As pessoas ficam um pouco nervosas por causa das commodities, mas eu acho que o agro deve ser respeitado pela capacidade de transformação que sofreu, tecnológica inclusive, a despeito do conservadorismo excessivo. E eu espero que o Brasil, agora com a neoindustrialização, consiga passar essas qualidades e virtudes para o setor industrial. Vai ter de fazer uma reconstrução muito cuidadosa, e a China pode ajudar.

Valor: O sr. gosta de falar de política. Temos a possibilidade de o republicano Donald Trump voltar à Casa Branca. Teme um retorno da direita, ou da extrema direita, à Presidência no Brasil?

Belluzzo: Eu não tenho mais idade para ter receio, estou fazendo 82 anos. Eu fui assessor do dr. Ulysses Guimarães durante vinte anos, tive de sair do Brasil em 1975, perseguido pela Operação Bandeirante... Então, eu não tenho receio, eu fico preocupado com a vida dos meus filhos. Porque, quem poderia assumir em um movimento de extrema-direita? Pablo Marçal? O que aconteceu recentemente no Brasil foi que esse contingente mais conservador engrossou, pegando todas as classes.

Valor: Isso se relaciona com a economia de alguma forma?

Belluzzo: A configuração do capitalismo financeiro provoca nas pessoas admiração pelos valores da ascensão social, da vitória na concorrência, mas a maioria perde. O capitalismo não entrega aquilo que promete. Isso vai transformando as pessoas em ressentidas, que buscam outras soluções.

Um comentário:

Daniel disse...

Muito bom! Belluzzo tem uma ótima visão política da Economia, que é tão importante quanto os fundamentos financeiros dela.