sexta-feira, 23 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ingerência política é nociva para fundos das estatais

O Globo

Ao cobiçar dinheiro para PAC, Lula repete erro que provocou desperdício e corrupção noutras gestões petistas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva repete um erro de seus primeiros governos ao pleitear mudanças na política de investimentos dos fundos de pensão das estatais para que possam alavancar projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Se concretizada, a permissão será um equívoco, como era no tempo das obras em que o dinheiro dos cotistas escoou pelo ralo e escândalos de corrupção eram frequentes. O propósito dos fundos de pensão é garantir as aposentadorias e pensões de seus associados. Com as mudanças, passariam a ser regidos por interesses políticos, em detrimento desse objetivo.

Lula se reuniu com representantes dos fundos de Banco do Brasil (Previ), Petrobras (Petros), Caixa Econômica (Funcef) e Correios (Postalis). Sobre a mesa, uma proposta de resolução da Superintendência Nacional da Previdência Complementar (Previc), órgão regulador do setor. O texto prevê a inclusão de novas possibilidades de investimento, entre elas títulos de dívida (debêntures) de infraestrutura. Pela regra atual, os fundos estão proibidos de aplicar em imóveis e têm até dezembro de 2030 para se desfazer daqueles ainda presentes nas suas carteiras.

A proibição foi imposta por bons motivos. Uma CPI instalada no Senado em 1992 concluiu haver tráfico de influência nas decisões de investimento dos fundos, principalmente em negócios com imóveis. Na década seguinte, no primeiro ano de seu primeiro mandato, Lula se reuniu com representantes dos fundos de estatais para que colaborassem no financiamento a projetos de infraestrutura. Com o lançamento do PAC em 2007, a pressão se acentuou. Como era esperado, não tardou para aparecerem indícios de má aplicação do dinheiro e irregularidades.

No início do quarto mandato consecutivo do PT na presidência, em 2015, os conselheiros eleitos da Associação de Mantenedores-Beneficiários do Petros escreveram uma carta aberta para explicar resultados negativos e o envolvimento do Petros em investigações da Operação Lava-Jato. Entre os problemas, os conselheiros citaram “a aquisição de diversos ativos que temos denunciado como prejudiciais à Fundação, em especial relativas aos investimentos em infraestrutura em ‘parceria’ com o governo federal”. Em 2015, quando o fundo perdeu patrimônio, os imóveis eram 6% da carteira. Também por pressão do governo, o Petros foi um dos fundos a investir na Sete Brasil, estaleiro que resultava de devaneio nacionalista sem lastro no mercado. Quando a companhia entrou em recuperação judicial, a aplicação se esfacelou.

O Petros não estava sozinho. A CPI sobre fundos de pensão iniciada em 2015 concluiu que, juntos, Funcef, Petros, Postalis e Previ somaram naquele ano um rombo de R$ 88 bilhões, em valores corrigidos. Lançada em 2016 para investigar os fundos de pensão, a Operação Greenfield ajuizou 50 ações penais e 33 de improbidade contra 176 pessoas físicas e 29 empresas.

Em tempos de emendas parlamentares anabolizadas e ajuste fiscal, é compreensível que Lula busque alternativas para financiar investimentos pelos quais tem carinho especial. Os R$ 691 bilhões sob administração de fundos de pensão federais parecem atraentes. Mas não há como acreditar que, daqui para a frente, os gestores terão a liberdade de escolher apenas os projetos mais promissores. Quando se repete a mesma fórmula, o resultado teima em ser o mesmo.

Projeto que enfraquece Lei da Ficha Limpa é prejudicial à democracia

O Globo

Em tempos de infiltração do crime organizado na política, é temerário afrouxar legislação que deu certo

Não faz bem à democracia brasileira o avanço do Projeto de Lei que reduz o prazo de inelegibilidade dos atingidos pela Lei da Ficha Limpa. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a proposta não tem outro objetivo senão enfraquecer a legislação que tem funcionado como barreira eficaz para impedir a ascensão de políticos enredados em atos de improbidade administrativa ou criminosos. A ânsia de acelerá-la é tamanha que a CCJ aprovou requerimento de urgência para tramitação do projeto.

Pela proposta, a inelegibilidade de quem é condenado em segunda instância continuaria a durar oito anos, mas o prazo seria contado a partir da condenação, e não mais do final do cumprimento da pena. Na prática, a mudança beneficia os fichas-sujas, uma vez que reduz significativamente o tempo de inelegibilidade. Não é difícil protelar os processos indefinidamente. A proposta também limita a 12 anos o prazo máximo para aplicação da sanção, mesmo quando houver mais de uma condenação. E determina a necessidade de comprovação de dolo nos casos de improbidade.

Da forma como foi desenhado, o projeto tende a beneficiar políticos punidos pela lei, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (Dani Cunha, sua filha, é autora da proposta) ou os ex-governadores Anthony Garotinho (Rio de Janeiro) e José Roberto Arruda (Distrito Federal).

O projeto tem sido criticado por entidades da sociedade civil. A Associação Brasileira de Eleitoralistas, que reúne entre seus integrantes o advogado Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, chama a atenção para seus efeitos danosos. Políticos condenados por crimes graves, como homicídio, estupro ou tráfico de drogas, poderão até escapar da inelegibilidade, pois, contando o prazo de oito anos a partir da condenação, ao término da pena já estariam quites com a legislação.

Em pouco mais de uma década, a Lei da Ficha Limpa representou um avanço incontestável ao barrar o acesso ao Executivo e ao Legislativo de candidatos condenados em segunda instância por crimes diversos. Surgiu de uma iniciativa popular que reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas e contou com a colaboração do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Trata-se de uma conquista da sociedade, para protegê-la de políticos que não honram o cargo que ocupam. Parlamentares deveriam blindá-la, e não enfraquecê-la. Se políticos estão preocupados em continuar a aparecer nas urnas, basta agir dentro da lei. Num momento em que se discute a infiltração do crime organizado no Executivo e no Legislativo, é uma temeridade afrouxar uma legislação que tem dado certo.

Uso político de fundos de pensão e agências terá maus resultados

Valor Econômico

A perda de independência das agências obrigaria os reguladores a seguirem orientações políticas dos governos de turno, e os pilares da regulação - confiabilidade, previsibilidade, estabilidade das regras - seriam destruídos

O governo Lula promoveu reformas vitais para o país, como a tributária, mas, ao mesmo tempo e com frequência, se engaja em retrocessos, ameaçando reeditar políticas fracassadas do passado. Desde que assumiu a Presidência pela primeira vez, em 2003, ele critica as agências reguladoras - órgãos de Estado, não de governos - por sua demasiada independência. Na quarta-feira, emitiu um decreto que levanta os temores de que pode mais uma vez tentar enquadrá-las. O presidente reuniu-se também na quarta com os fundos de pensão estatais para discutir formas para que possam investir seus recursos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O velho PAC deixou milhares de obras inacabadas e um legado de corrupção e prejuízos para as fundações, que tiveram de ser cobertos pelos cotistas. Não há qualquer garantia de que o novo programa será mais virtuoso que o anterior.

As agências reguladoras são independentes e foram criadas em 1997, quando deslanchou o processo de privatização das estatais, no governo Fernando Henrique Cardoso. Lula quis trazê-las de volta para o seio do Executivo e subordiná-las aos ministérios, mas nunca teve sucesso. Em 2007 tentou aprovar a Lei Geral das Agências Reguladoras, que não prosperou no Congresso. Continua descontente até hoje. Em decreto publicado no Diário Oficial, o governo tenta revisar a regulação geral, com a Estratégia Regula Melhor, no âmbito do Pró-reg, criado em outubro passado. O governo nega com veemência que seu objetivo seja subjugar os entes reguladores.

Como raramente há coincidências na política de Brasília, o presidente Lula, em reunião ministerial no dia 8, disse que as agências foram loteadas por interesses empresariais no governo Bolsonaro e que estão servindo aos desígnios das grandes empresas, não dos usuários. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fez coro na semana seguinte, ao dizer que quem ganhou as eleições tem o direito de formular políticas públicas e que as agências boicotam o poder público porque a maioria de suas diretorias foi escolhida no governo Bolsonaro.

Silveira, cujo documento encaminhado ao governo antes da posse, para averiguação de conflitos de interesses, foi declarado sigiloso por 100 anos, desentendeu-se com a Aneel, agência de energia, e ameaçou-a de intervenção. Foi uma manifestação inócua: o ministro simplesmente não tem poderes legais para isso.

O presidente Lula e alguns ministros querem apensar as agências aos ministérios. A perda de independência obrigaria os reguladores a seguirem orientações frequentemente políticas, não técnicas, dos governos de turno, e os pilares da regulação - confiabilidade, previsibilidade, estabilidade das regras - seriam destruídos. Como é sabido que da qualidade da regulação depende a atração de investimentos, o governo não terá nada a ganhar e muito a perder com isso.

O que está em jogo é o poder político, expresso na quantidade de cargos que poderão ser divididos entre partidos da disforme base governista. O processo de loteamento das agências se iniciou nos governos petistas e continua agora, atendendo ao apetite sempre desperto das legendas do Centrão. Vale mais a influência política, que tende a se refletir na consecução de interesses particulares, do que a preocupação com regras técnicas e regulação justa.

Limitar a independência das agências pode ter consequências muito desastrosas para o país, que teve uma experiência prática sobre o tema. Se a Anvisa, durante a pandemia, não fosse independente e não tivesse assegurado que iria vacinar menores de 12 anos contra a covid-19, apesar das ameaças, desafios e calúnias do então presidente Jair Bolsonaro, que queria impedi-la, possivelmente as mortes seriam em maior número do que as 700 mil registradas.

O presidente Lula se reuniu com Funcef (fundo da Caixa Econômica Federal), Petros (Petrobras), Previ (Banco do Brasil) e Postalis (Correios), quatro dos maiores fundos de pensão estatais, para que invistam em obras do PAC, por meio de ampliação do leque de investimentos permitidos. Esses fundos tiveram prejuízos e estiveram envoltos em corrupção, objeto da Operação Greenfield, em 2015. Os Fundos de Investimentos em Participações eram veículos para isso. Previ, Funcef e Valia (Vale) perderam dinheiro, por exemplo, com o FIP Sondas, da Sete Brasil, companhia escolhida para produzir mais de duas dezenas de plataformas para a Petrobras e que faliu ruidosamente depois. No novo cardápio de aplicações estariam as debêntures de infraestrutura (O Globo, ontem).

A experiência de pouco atrás francamente desaconselha a atração dos fundos. "O histórico recente da participação dos fundos estatais em iniciativas apoiadas pelo governo é trágico", diz Marcos Mendes, pesquisador do Insper. Como entidades privadas, têm de proteger o patrimônio de seus cotistas e garantir-lhes a melhor rentabilidade com segurança. O governo em geral não é um bom assessor financeiro. "Investimentos que focam em agendas políticas são inconcebíveis", afirma Geraldo Ferreira, conselheiro independente de empresas. "Os resultados já conhecemos e os cotistas sofreram muito no bolso" (Valor, ontem).

Marçal, de conduta abjeta, embola disputa

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra ex-coach empatado na liderança com Boulos e Nunes em São Paulo; Datena e Tabata ficam para trás

A paisagem mudou na corrida pela Prefeitura de São Paulo. Após meses de calmaria e previsibilidade, a mais recente pesquisa do Datafolha registra a ascensão de um elemento inesperado, capaz de embolar a eleição na capital paulista e adicionar um suspense até então inexistente na disputa deste ano.

Trata-se do influenciador Pablo Marçal (PRTB), cuja conduta como candidato tem sido nada menos que abjeta. Segundo o levantamento, Marçal saltou de 14% das intenções de voto para 21% e alcançou a liderança, empatado com Guilherme Boulos (PSOL), que oscilou de 22% para 23%, e Ricardo Nunes (MDB), que foi de 23% para 19%.

Até a pesquisa divulgada nesta quarta-feira (22), o deputado federal Boulos e o prefeito Nunes dividiam com folga a liderança, distantes por larga margem de qualquer terceiro colocado. Pareciam poder tocar a bola de lado e esperar o confronto no segundo turno.

Não mais. Sobretudo para Nunes, os números do Datafolha indicam a necessidade de reavaliar a estratégia. Embora o alcaide seja o nome apoiado por Jair Bolsonaro (PL) no município, é Marçal quem lidera as intenções de voto entre eleitores do ex-presidente.

O autointitulado ex-coach, com forte engajamento nas redes sociais e sem compromisso com o debate de ideias, concorre com Nunes pelo posto de candidato mais forte da direita para enfrentar Boulos, cujo principal padrinho é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Desse ponto de vista, Nunes tem pouco a se queixar; a pesquisa mostra que, num eventual segundo turno, o atual prefeito derrotaria Boulos por 47% a 38% (o Datafolha não testou cenários com Marçal, já que, na rodada anterior, ele não tinha empatado na liderança).

A reprodução da polarização nacional abre pouco espaço para outros candidatos. O apresentador José Luiz Datena (PSDB), por exemplo, passou de 14% no último levantamento para 10% agora —cifra que pode aumentar a dúvida quanto a sua permanência. A deputada Tabata Amaral (PSB), por sua vez, oscilou de 7% para 8%.

Se Tabata aparece atrás dos principais candidatos, tem a vantagem de possuir a menor rejeição entre os cinco, com 18% dos eleitores dizendo que não votariam nela de jeito nenhum. Boulos (37%), Marçal (34%), Datena (32%) e Nunes (25%) sofrem mais nesse aspecto. Quanto a Datena, resta-lhe menos tempo para transformar em votos a popularidade que amealhou na TV.

De todo modo, como os paulistanos já aprenderam em eleições recentes, reviravoltas de última hora nunca devem ser descartadas.

Problema invisível

Folha de S. Paulo

Taxa de alunos com deficiência pode ser maior no Brasil, o que impacta políticas

Executar políticas públicas sem diagnósticos corretos é como navegar sem bússola, e não são poucos os setores no Brasil que precisam refinar seus dados estatísticos. O resultado é desperdício do erário com alocação de recursos já escassos em áreas não prioritárias, o que contribui para o aumento de desigualdades.

Estudo da ONG Equidade.info, supervisionado por pesquisadores da Escola de Educação da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, por exemplo, traz à tona informações sobre alunos com deficiência que estavam submersas devido a problemas metodológicos de aferições oficiais.

Segundo o levantamento, cerca de 6 milhões (12,82%) de estudantes brasileiros na educação básica têm algum tipo de deficiência. Mas o Censo Escolar de 2023 indica que apenas 1,8 milhão (3,74%) enquadram-se nessa categoria. Ou seja, quase 4,3 milhões estão invisíveis para o poder público.

A diferença se dá porque os dados do Censo são obtidos com formulários preenchidos na sua maioria (73%) pelos secretários dos diretores das escolas e, em 66% delas, alunos não são ouvidos. Não à toa, 91% dos gestores acreditam que há mais alunos com deficiência ou transtornos de aprendizagem do que os registrados no sistema.

A sondagem foi feita em uma amostra representativa da realidade social brasileira a partir de entrevistas presenciais com 2.889 estudantes, 373 professores e 222 gestores de 160 escolas por todo o país.

Há fortes indícios de que o dado aferido pelos pesquisadores é mais exato. De acordo com a OCDE, em 2022, a taxa global de pessoas de 5 a 19 anos com deficiência era de 12,6% —na América Latina e Caribe, 12,7%. Revisão de literatura feita pela Unicef no ano passado apontou 12,8% nas Américas.

O critério de deficiência engloba uma ampla gama de condições físicas e mentais que vão de problemas de visão e audição até dislexia, autismo e síndrome de Down.

Governos nas três esferas precisam aperfeiçoar diagnósticos, ou complementá-los com pesquisas amostrais. Só assim o poder público pode direcionar recursos para atender os alunos que necessitam de ensino especializado —o que envolve, entre outras medidas, capacitação de professores e produção de materiais didáticos adequados.

O novo consenso em Washington

O Estado de S. Paulo

Sob a animosidade político-ideológica e com abordagens distintas, democratas e republicanos convergem na demagogia nacionalista que está prejudicando a expansão econômica do país

Republicanos e democratas têm mais semelhanças do que gostariam de admitir, se não no conteúdo, na forma. Ambos veem uns aos outros como uma “ameaça existencial”. Os democratas prometem salvar a democracia do “fascismo” republicano; os republicanos prometem salvar o estilo de vida americano do “socialismo” democrata; e ambos competem por quem instilará nos corações dos eleitores mais pavor com a ameaça do outro. E competem também por quem os seduzirá com o pacote econômico mais populista.

Nos anos 80 consolidou-se um consenso econômico bipartidário: dólar forte, impostos baixos, regulação moderada e livre comércio. Em 1996, o democrata Bill Clinton chegou a dizer que “a era do big government acabou”. Mas após a crise de 2008 esse consenso foi invertido, e a pandemia acelerou essa trajetória.

Há diferenças de abordagem. A agenda econômica de Donald Trump combina antigos fundamentos liberais, como menos regulação e impostos, com uma voracidade protecionista na forma de tarifas de importação, aversão a imigrantes e hostilidade à independência do Banco Central. O intervencionismo democrata, agora encampado por Kamala Harris, é mais desconfiado dos grandes negócios e aposta em controle de preços e subsídios financiados com mais impostos.

Em tese, o programa trumpista tem maior potencial de danos, mas, na prática, eles tendem a ser mitigados pelas inconsistências do próprio Trump e pelas divergências entre os “velhos” e “novos” republicanos. Na política econômica, os democratas são mais homogêneos e disciplinados. Com o estatismo em alta, gastos sociais irrealistas, regulações excessivas ou ferramentas exóticas, como controle de preços, podem ser desastrosos. Os freios e contrapesos às aventuras de ambos os lados dependerão em boa medida das composições das duas Casas no Congresso.

Mas, sob as diferenças, há uma desconfiança comum da globalização econômica. Em áreas como a política industrial e a competição com a China, ambos convergem. A gestão de Biden-Harris acrescentou novas tarifas às erguidas por Trump contra a China, e a “segurança nacional” é um pretexto conveniente para ambos os lados fabricarem outras. Se eleito, Trump pode até redirecionar os estímulos aprovados por Biden à indústria – por exemplo, da economia verde àquela movida a combustíveis fósseis –, mas não os reduzirá.

A realocação da produção industrial em casa e os ataques ao comércio e investimentos internacionais podem ter apelo popular, mas não podem apagar 200 anos de história econômica. Mais cedo ou mais tarde, as falácias do nacionalismo – de que a autossuficiência é possível, de que subsídios geram produtividade, de que a produção local é o que realmente importa – cobram seu preço. Políticas intervencionistas contingentes e focadas podem ser úteis para corrigir distorções circunstanciais ou alavancar indústrias incipientes. Mas adotadas como regra geral elas sempre reduzem a liberdade econômica, e com isso as fontes últimas de crescimento sustentável de um país: produtividade, inovação e competitividade.

Mesmo com os intervencionismos de lado a lado nas gestões de Trump e de Biden-Harris, os fundamentos da economia americana seguem fortes. Desde 2019, ela cresceu mais do que duas vezes mais rápido que a da zona do euro, por exemplo. Ambos os partidos tendem a superestimar, a um só tempo, os danos causados pelo outro e os benefícios de suas próprias políticas. Por consequência, seja lá qual assuma o comando, a tendência é dobrar a aposta em seu modelo intervencionista para promover a expansão econômica, quando na verdade a porá em perigo.

O caso americano é instrutivo ao mostrar que, preservadas certas funções básicas do Estado – como a cobrança de impostos ou a segurança física e jurídica –, a economia pode prosperar mesmo em períodos relativamente longos de uma política disfuncional e divisiva. A economia pode resistir a um sistema político ruim. Mas até onde ela pode resistir a políticas econômicas ruins é algo que, seja lá quem vença as eleições nos EUA, será testado nos próximos quatro anos.

O litígio da desoneração da folha

O Estado de S. Paulo

Governo cometeu erros em série desde início da tramitação da proposta, enquanto o Senado, mesmo pressionado pelo STF, demonstrou união e marcou posição em defesa da prorrogação

O Senado finalmente aprovou o projeto de lei que prorroga a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de pequenos e médios municípios de todo o País até 2027. O impasse durou meses, uma vez que o governo cobrava dos senadores que encontrassem formas de compensar a renúncia associada à proposta, estimada em R$ 25 bilhões.

Para a equipe econômica, as perdas teriam de ser ressarcidas com aumento de impostos, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para defender a ideia, apelou inclusive ao Supremo Tribunal Federal (STF), transformando a desoneração no bode na sala a impedir o cumprimento da meta fiscal. Mas o Senado ganhou tempo engambelando o governo e recusando, uma a uma, as alternativas apresentadas pelo ministro Fernando Haddad.

Inicialmente, o governo enviou uma medida provisória para limitar o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas. Depois, defendeu um aumento de 1 ponto porcentual na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas. Por fim, propôs elevar de 15% para 20% a cobrança do Imposto de Renda sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP), medida que só valeria a partir de 2025.

Ao fim e ao cabo, o líder do governo no Senado e relator do projeto, Jaques Wagner (PT-BA), teve de se contentar com as medidas paliativas que o Senado propunha desde o início das negociações, como a atualização de bens como imóveis na declaração do Imposto de Renda, a repatriação de ativos mantidos no exterior e a renegociação de multas e taxas aplicadas por agências reguladoras e já vencidas.

O governo não saiu completamente derrotado. Pela proposta, a União poderá restituir as perdas com recursos de depósitos judiciais retidos indevidamente pela Caixa, precatórios abandonados e recursos esquecidos em contas bancárias. Em conjunto, eles podem garantir R$ 20 bilhões extras. São receitas pontuais, que podem até salvar a meta fiscal deste ano, mas que não terão efeito estrutural sobre a arrecadação.

O Executivo também conseguiu incluir medidas no lado das despesas, como a revisão do cadastro do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, e do seguro-defeso, destinado a pescadores artesanais. Nos últimos anos, eles têm crescido bem mais do que os técnicos estimavam, e, se houver indício de irregularidades ou fraudes, o benefício poderá ser bloqueado.

Para Haddad, foi um “avanço institucional”. O ministro não descartou a possibilidade de que medidas adicionais tenham de ser adotadas até dezembro caso as contas da desoneração não fechem, mas a hipótese parece improvável diante do calendário, das disputas municipais e da resistência do Congresso em elevar impostos.

O projeto foi aprovado de maneira simbólica, expressão do consenso que a proposta sempre reuniu na Casa. Ainda terá de passar pela Câmara, mas os deputados não devem impor dificuldades. Para as empresas e os municípios, nada muda neste ano. A reoneração da folha de pagamento será retomada de maneira gradual entre 2025 e 2027.

A exemplo do imbróglio das emendas parlamentares, a decisão do STF de suspender a desoneração deu alguma força para o governo reabrir as negociações com o Congresso sobre um assunto que já parecia encerrado.

O Executivo errou ao ignorar o avanço do projeto no ano passado, ao vetá-lo e ao propor a retomada da reoneração em meio ao recesso parlamentar. Equivocou-se também ao adotar uma estratégia litigante que gerou um enorme desgaste e foi coroada pela humilhante devolução de trechos de uma medida provisória pelo Congresso. Mesmo pressionado pelo STF, o Senado conseguiu marcar posição e reafirmou não estar disposto a acatar tudo que o governo quer.

Por ora, a equipe econômica respira aliviada e provavelmente conseguirá atingir a meta fiscal deste ano. Terá, no entanto, de vencer muitas batalhas para cumpri-la em 2025 e 2026, sabendo que terá de convencer um Congresso avesso a aumentos de impostos e ao fim de benefícios fiscais. Receitas extraordinárias e pentes-finos em benefícios sociais tampouco serão suficientes para dar conta da tarefa.

Mais um ardil na Codevasf

O Estado de S. Paulo

Estatal conhecida como feudo do Centrão estende mandato irregular de diretor de governança

O subterfúgio usado para manter no cargo o diretor de Governança da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Gil Cutrim, ex-deputado federal pelo Republicanos e representante do Centrão na estatal, comprova que governança é algo que, definitivamente, inexiste na companhia. Conhecida como “a estatal do Centrão”, a Codevasf esteve no cerne da distribuição dos recursos do “orçamento secreto” e ainda hoje é apontada como instrumento de expedição de verbas de emendas cartoriais.

O mandato de Cutrim, como informou a Coluna do Estadão, expirou no último dia 10, e a renovação está fora de cogitação desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por maioria, a liminar camarada do ministro aposentado – e atual ministro da Justiça de Lula – Ricardo Lewandowski, expedida em março do ano passado, que autorizava as indicações do governo para companhias públicas que feriam a Lei das Estatais. O STF demorou um ano e dois meses para julgar o mérito, mas terminou por reconhecer a validade da Lei das Estatais.

Mesmo assim, por unanimidade, os juízes da Corte permitiram, sob a alegação de que é preciso evitar instabilidade, que os que já haviam sido empossados, caso de Cutrim, poderiam permanecer até o fim dos respectivos mandatos. A autorização de Cutrim acabou, mas ele continuou, pendurado no expediente de que o estatuto da companhia, vinculada ao Ministério dos Portos e Aeroportos – cujo titular é Silvio Costa Filho, seu padrinho político –, permite a permanência até que um substituto seja indicado.

Esse é apenas mais um exemplo das artimanhas que envolvem a estatal criada durante a ditadura para atuar como veículo de desenvolvimento das margens do Rio São Francisco e há muitos anos é sinônimo de fisiologismo e corrupção. A mais recente reportagem do Estadão sobre desmandos na estatal mostrou, no fim de julho, que uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) detectou o superfaturamento no preço do asfalto usado em obras da Codevasf em dez Estados do País.

Em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, a Polícia Federal (PF) no Maranhão deflagrou uma operação para investigar suspeitas de fraudes em licitações da empresa no Estado, uma “associação criminosa estruturada”, como descreveu a PF. Em junho deste ano, a Polícia Federal concluiu o inquérito e indiciou o atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), à época deputado federal pelo Maranhão, por suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no desvio de emendas parlamentares em seu Estado.

A Codevasf foi transformada em veículo para circulação de verbas orçamentárias usadas sem transparência e serve como sumidouro do dinheiro público. A cooptação pelo Centrão não foi à toa, e a dependência do governo Lula da Silva explica, por certo, a vista grossa do petista às inúmeras acusações e suspeitas que recaem sobre seus “ministros de coalizão”. O governo Lula, com a ajuda do STF, conseguiu driblar a lei para avalizar arranjos políticos em estatais, mas a imoralidade, neste e em outros casos, grita.

Inteligência artificial e a urgência da evolução

Correio Braziliense

Parte significativa da população brasileira vê a inteligência artificial como uma aliada que pode complementar habilidades, em vez de substituí-las

Não há dúvidas de que a inteligência artificial (IA) tem transformado a vida de pessoas e empresas. Também não é novidade que essa transformação tem fatores positivos e negativos, gerando uma infinidade de discussões entre autoridades de diversas áreas do conhecimento. 

O recente estudo IA: problema ou solução? Como os brasileiros percebem os impactos da inteligência artificial, realizado pela MindMiners, empresa de tecnologia especializada em consumer insights, traz dados que mostram os impactos da IA sobre o nosso cotidiano. Participaram do levantamento 2 mil pessoas acima de 18 anos, de todas as regiões do Brasil.

Mais da metade dos entrevistados (56%) acredita que a IA está gerando impactos na sociedade. A mesma porcentagem (56%) interage com alguma ferramenta, aplicativo, sistemas ou serviços que tenham inteligência artificial, e 54% acreditam que a IA vai ajudá-los no dia a dia, melhorando a produtividade. Enquanto 12% esperam ver essas mudanças em um ano, outros 20% preveem impactos em cinco anos e 7%, em 10. Apenas 4% não acreditam que a IA trará impactos. 

A pesquisa identificou também os principais sentimentos em relação às mudanças observadas e as que ainda estão por vir com o avanço da tecnologia: curiosidade (25%),  insegurança (15%), receio (13%), otimismo (12%) e medo (8%). Em outras palavras, as pessoas têm percebido as mudanças e demonstrado interesse pelo tema. No entanto, essas transformações ainda são nebulosas, gerando um desconforto, apesar da curiosidade. Quando questionadas as áreas de atuação daqueles que utilizam a IA no trabalho, 21% são do setor de tecnologia, 10%, de educação e 8%, de vendas e atendimento ao cliente.

É real o receio de que a automação possa substituir empregos, tornando-se motivo de preocupação no ambiente corporativo. Conforme a pesquisa, 33% dos respondentes têm medo de perder seus empregos para a IA, e esse montante não pode ser ignorado, especialmente em um país em que as desigualdades socioeconômicas e disparidades entre quem usufrui e quem não tem acesso à tecnologia são gigantescas. 

Por outro lado, 40% discordam dessa ideia, o que sugere que uma parte significativa da população vê a IA como uma aliada, que pode complementar habilidades em vez de substituí-las. É o caso das instituições de ensino cujos estudantes e docentes participam ativamente de discussões sobre o tema, com o uso de plataformas de aprendizagem ajustadas a demandas individuais.

Fato é que a inteligência artificial deixou de ser um artifício futurista e está moldando a forma como nos comunicamos, como trabalhamos, enfim, como vivemos. E a tendência é de que esses processos evoluam e, cada vez mais, façam parte das nossas vidas. A nós, cabe observar e participar dessa transformação, compreendendo a temática e tirando o maior proveito possível dos avanços tecnológicos, sem deixar de lado o bem-estar social.


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