Ingerência política é nociva para fundos das estatais
O Globo
Ao cobiçar dinheiro para PAC, Lula repete
erro que provocou desperdício e corrupção noutras gestões petistas
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva repete um erro de seus primeiros governos ao pleitear mudanças na
política de investimentos dos fundos de pensão das estatais para que possam
alavancar projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Se
concretizada, a permissão será um equívoco, como era no tempo das obras em que
o dinheiro dos cotistas escoou pelo ralo e escândalos de corrupção eram
frequentes. O propósito dos fundos de pensão é garantir as aposentadorias e
pensões de seus associados. Com as mudanças, passariam a ser regidos por
interesses políticos, em detrimento desse objetivo.
Lula se reuniu com representantes dos fundos de Banco do Brasil (Previ), Petrobras (Petros), Caixa Econômica (Funcef) e Correios (Postalis). Sobre a mesa, uma proposta de resolução da Superintendência Nacional da Previdência Complementar (Previc), órgão regulador do setor. O texto prevê a inclusão de novas possibilidades de investimento, entre elas títulos de dívida (debêntures) de infraestrutura. Pela regra atual, os fundos estão proibidos de aplicar em imóveis e têm até dezembro de 2030 para se desfazer daqueles ainda presentes nas suas carteiras.
A proibição foi imposta por bons motivos. Uma
CPI instalada no Senado em 1992 concluiu haver tráfico de influência nas
decisões de investimento dos fundos, principalmente em negócios com imóveis. Na
década seguinte, no primeiro ano de seu primeiro mandato, Lula se reuniu com
representantes dos fundos de estatais para que colaborassem no financiamento a
projetos de infraestrutura. Com o lançamento do PAC em 2007, a pressão se
acentuou. Como era esperado, não tardou para aparecerem indícios de má aplicação
do dinheiro e irregularidades.
No início do quarto mandato consecutivo do PT
na presidência, em 2015, os conselheiros eleitos da Associação de
Mantenedores-Beneficiários do Petros escreveram uma carta aberta para explicar
resultados negativos e o envolvimento do Petros em investigações da Operação
Lava-Jato. Entre os problemas, os conselheiros citaram “a aquisição de diversos
ativos que temos denunciado como prejudiciais à Fundação, em especial relativas
aos investimentos em infraestrutura em ‘parceria’ com o governo federal”. Em
2015, quando o fundo perdeu patrimônio, os imóveis eram 6% da carteira. Também
por pressão do governo, o Petros foi um dos fundos a investir na Sete Brasil,
estaleiro que resultava de devaneio nacionalista sem lastro no mercado. Quando
a companhia entrou em recuperação judicial, a aplicação se esfacelou.
O Petros não estava sozinho. A CPI sobre
fundos de pensão iniciada em 2015 concluiu que, juntos, Funcef, Petros,
Postalis e Previ somaram naquele ano um rombo de R$ 88 bilhões, em valores
corrigidos. Lançada em 2016 para investigar os fundos de pensão, a Operação
Greenfield ajuizou 50 ações penais e 33 de improbidade contra 176 pessoas
físicas e 29 empresas.
Em tempos de emendas parlamentares
anabolizadas e ajuste fiscal, é compreensível que Lula busque alternativas para
financiar investimentos pelos quais tem carinho especial. Os R$ 691 bilhões sob
administração de fundos de pensão federais parecem atraentes. Mas não há como
acreditar que, daqui para a frente, os gestores terão a liberdade de escolher
apenas os projetos mais promissores. Quando se repete a mesma fórmula, o
resultado teima em ser o mesmo.
Projeto que enfraquece Lei da Ficha Limpa é
prejudicial à democracia
O Globo
Em tempos de infiltração do crime organizado
na política, é temerário afrouxar legislação que deu certo
Não faz bem à democracia brasileira o avanço
do Projeto de Lei que reduz o prazo de inelegibilidade dos atingidos pela Lei
da Ficha Limpa. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado,
a proposta não tem outro objetivo senão enfraquecer a legislação que tem
funcionado como barreira eficaz para impedir a ascensão de políticos enredados
em atos de improbidade administrativa ou criminosos. A ânsia de acelerá-la é
tamanha que a CCJ aprovou requerimento de urgência para tramitação do projeto.
Pela proposta, a inelegibilidade de quem é
condenado em segunda instância continuaria a durar oito anos, mas o prazo seria
contado a partir da condenação, e não mais do final do cumprimento da pena. Na
prática, a mudança beneficia os fichas-sujas, uma vez que reduz
significativamente o tempo de inelegibilidade. Não é difícil protelar os
processos indefinidamente. A proposta também limita a 12 anos o prazo máximo
para aplicação da sanção, mesmo quando houver mais de uma condenação. E
determina a necessidade de comprovação de dolo nos casos de improbidade.
Da forma como foi desenhado, o projeto tende
a beneficiar políticos punidos pela lei, como o ex-presidente da Câmara Eduardo
Cunha (Dani Cunha, sua filha, é autora da proposta) ou os ex-governadores
Anthony Garotinho (Rio de Janeiro) e José Roberto Arruda (Distrito Federal).
O projeto tem sido criticado por entidades da
sociedade civil. A Associação Brasileira de Eleitoralistas, que reúne entre
seus integrantes o advogado Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha
Limpa, chama a atenção para seus efeitos danosos. Políticos condenados por
crimes graves, como homicídio, estupro ou tráfico de drogas, poderão até
escapar da inelegibilidade, pois, contando o prazo de oito anos a partir da
condenação, ao término da pena já estariam quites com a legislação.
Em pouco mais de uma década, a Lei da Ficha
Limpa representou um avanço incontestável ao barrar o acesso ao Executivo e ao
Legislativo de candidatos condenados em segunda instância por crimes diversos.
Surgiu de uma iniciativa popular que reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas
e contou com a colaboração do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
Trata-se de uma conquista da sociedade, para protegê-la de políticos que não
honram o cargo que ocupam. Parlamentares deveriam blindá-la, e não enfraquecê-la.
Se políticos estão preocupados em continuar a aparecer nas urnas, basta agir
dentro da lei. Num momento em que se discute a infiltração do crime organizado
no Executivo e no Legislativo, é uma temeridade afrouxar uma legislação que tem
dado certo.
Uso político de fundos de pensão e agências
terá maus resultados
Valor Econômico
A perda de independência das agências
obrigaria os reguladores a seguirem orientações políticas dos governos de
turno, e os pilares da regulação - confiabilidade, previsibilidade,
estabilidade das regras - seriam destruídos
O governo Lula promoveu reformas vitais para
o país, como a tributária, mas, ao mesmo tempo e com frequência, se engaja em
retrocessos, ameaçando reeditar políticas fracassadas do passado. Desde que
assumiu a Presidência pela primeira vez, em 2003, ele critica as agências
reguladoras - órgãos de Estado, não de governos - por sua demasiada
independência. Na quarta-feira, emitiu um decreto que levanta os temores de que
pode mais uma vez tentar enquadrá-las. O presidente reuniu-se também na quarta
com os fundos de pensão estatais para discutir formas para que possam investir
seus recursos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O velho PAC
deixou milhares de obras inacabadas e um legado de corrupção e prejuízos para
as fundações, que tiveram de ser cobertos pelos cotistas. Não há qualquer
garantia de que o novo programa será mais virtuoso que o anterior.
As agências reguladoras são independentes e
foram criadas em 1997, quando deslanchou o processo de privatização das
estatais, no governo Fernando Henrique Cardoso. Lula quis trazê-las de volta
para o seio do Executivo e subordiná-las aos ministérios, mas nunca teve
sucesso. Em 2007 tentou aprovar a Lei Geral das Agências Reguladoras, que não
prosperou no Congresso. Continua descontente até hoje. Em decreto publicado no
Diário Oficial, o governo tenta revisar a regulação geral, com a Estratégia
Regula Melhor, no âmbito do Pró-reg, criado em outubro passado. O governo nega
com veemência que seu objetivo seja subjugar os entes reguladores.
Como raramente há coincidências na política
de Brasília, o presidente Lula, em reunião ministerial no dia 8, disse que as
agências foram loteadas por interesses empresariais no governo Bolsonaro e que
estão servindo aos desígnios das grandes empresas, não dos usuários. O ministro
de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fez coro na semana seguinte, ao dizer
que quem ganhou as eleições tem o direito de formular políticas públicas e que
as agências boicotam o poder público porque a maioria de suas diretorias foi
escolhida no governo Bolsonaro.
Silveira, cujo documento encaminhado ao
governo antes da posse, para averiguação de conflitos de interesses, foi
declarado sigiloso por 100 anos, desentendeu-se com a Aneel, agência de
energia, e ameaçou-a de intervenção. Foi uma manifestação inócua: o ministro
simplesmente não tem poderes legais para isso.
O presidente Lula e alguns ministros querem
apensar as agências aos ministérios. A perda de independência obrigaria os
reguladores a seguirem orientações frequentemente políticas, não técnicas, dos
governos de turno, e os pilares da regulação - confiabilidade, previsibilidade,
estabilidade das regras - seriam destruídos. Como é sabido que da qualidade da
regulação depende a atração de investimentos, o governo não terá nada a ganhar
e muito a perder com isso.
O que está em jogo é o poder político,
expresso na quantidade de cargos que poderão ser divididos entre partidos da
disforme base governista. O processo de loteamento das agências se iniciou nos
governos petistas e continua agora, atendendo ao apetite sempre desperto das
legendas do Centrão. Vale mais a influência política, que tende a se refletir
na consecução de interesses particulares, do que a preocupação com regras
técnicas e regulação justa.
Limitar a independência das agências pode ter
consequências muito desastrosas para o país, que teve uma experiência prática
sobre o tema. Se a Anvisa, durante a pandemia, não fosse independente e não
tivesse assegurado que iria vacinar menores de 12 anos contra a covid-19,
apesar das ameaças, desafios e calúnias do então presidente Jair Bolsonaro, que
queria impedi-la, possivelmente as mortes seriam em maior número do que as 700
mil registradas.
O presidente Lula se reuniu com Funcef (fundo
da Caixa Econômica Federal), Petros (Petrobras),
Previ (Banco do
Brasil) e Postalis (Correios), quatro dos maiores fundos de pensão
estatais, para que invistam em obras do PAC, por meio de ampliação do leque de
investimentos permitidos. Esses fundos tiveram prejuízos e estiveram envoltos
em corrupção, objeto da Operação Greenfield, em 2015. Os Fundos de
Investimentos em Participações eram veículos para isso. Previ, Funcef e Valia
(Vale) perderam dinheiro, por exemplo, com o FIP Sondas, da Sete Brasil,
companhia escolhida para produzir mais de duas dezenas de plataformas para a Petrobras e
que faliu ruidosamente depois. No novo cardápio de aplicações estariam as
debêntures de infraestrutura (O Globo, ontem).
A experiência de pouco atrás francamente
desaconselha a atração dos fundos. "O histórico recente da participação
dos fundos estatais em iniciativas apoiadas pelo governo é trágico", diz
Marcos Mendes, pesquisador do Insper. Como entidades privadas, têm de proteger
o patrimônio de seus cotistas e garantir-lhes a melhor rentabilidade com
segurança. O governo em geral não é um bom assessor financeiro.
"Investimentos que focam em agendas políticas são inconcebíveis",
afirma Geraldo Ferreira, conselheiro independente de empresas. "Os
resultados já conhecemos e os cotistas sofreram muito no bolso" (Valor,
ontem).
Marçal, de conduta abjeta, embola disputa
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra ex-coach empatado na
liderança com Boulos e Nunes em São Paulo; Datena e Tabata ficam para trás
A paisagem mudou na corrida pela Prefeitura
de São Paulo.
Após meses de calmaria e previsibilidade, a mais recente pesquisa do Datafolha registra
a ascensão de um elemento inesperado, capaz de embolar a eleição na capital
paulista e adicionar um suspense até
então inexistente na disputa deste ano.
Trata-se do influenciador Pablo Marçal (PRTB),
cuja conduta como candidato tem sido nada menos que abjeta. Segundo o
levantamento, Marçal
saltou de 14% das intenções de voto para 21% e alcançou a
liderança, empatado com Guilherme
Boulos (PSOL),
que oscilou de 22% para 23%, e Ricardo Nunes (MDB),
que foi de 23% para 19%.
Até a pesquisa divulgada nesta quarta-feira
(22), o deputado federal Boulos e o prefeito Nunes dividiam com folga a
liderança, distantes por larga margem de qualquer terceiro colocado. Pareciam
poder tocar a bola de lado e esperar o confronto no segundo turno.
Não mais. Sobretudo para Nunes, os números do
Datafolha indicam a necessidade de reavaliar a estratégia. Embora o alcaide
seja o nome apoiado por Jair
Bolsonaro (PL) no município, é Marçal
quem lidera as intenções de voto entre eleitores do ex-presidente.
O autointitulado ex-coach, com forte
engajamento nas redes sociais e sem compromisso com o debate de ideias,
concorre com Nunes pelo posto de candidato mais forte da direita para enfrentar
Boulos, cujo principal padrinho é o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Desse ponto de vista, Nunes tem pouco a se
queixar; a pesquisa mostra que, num eventual segundo turno, o atual prefeito
derrotaria Boulos por 47% a 38% (o Datafolha não testou cenários com Marçal, já
que, na rodada anterior, ele não tinha empatado na liderança).
A reprodução da polarização nacional abre
pouco espaço para outros candidatos. O apresentador José Luiz Datena (PSDB),
por exemplo, passou de 14% no último levantamento para 10% agora —cifra que
pode aumentar a dúvida quanto a sua permanência. A deputada Tabata Amaral (PSB), por sua
vez, oscilou de 7% para 8%.
Se Tabata aparece atrás dos principais
candidatos, tem a vantagem de possuir a menor rejeição entre os cinco, com 18%
dos eleitores dizendo que não votariam nela de jeito nenhum. Boulos (37%),
Marçal (34%), Datena (32%) e Nunes (25%) sofrem mais nesse aspecto. Quanto a
Datena, resta-lhe menos tempo para transformar em votos a popularidade que
amealhou na TV.
De todo modo, como os paulistanos já
aprenderam em eleições recentes,
reviravoltas de última hora nunca devem ser descartadas.
Problema invisível
Folha de S. Paulo
Taxa de alunos com deficiência pode ser maior
no Brasil, o que impacta políticas
Executar políticas públicas sem diagnósticos
corretos é como navegar sem bússola, e não são poucos os setores no Brasil que
precisam refinar seus dados estatísticos. O resultado é desperdício do erário
com alocação de recursos já escassos em áreas não prioritárias, o que contribui
para o aumento de desigualdades.
Estudo da ONG
Equidade.info, supervisionado por pesquisadores da Escola de Educação da
Universidade Stanford, nos Estados Unidos, por exemplo, traz à tona informações
sobre alunos com deficiência que estavam submersas devido a problemas
metodológicos de aferições oficiais.
Segundo o levantamento, cerca de 6 milhões
(12,82%) de estudantes brasileiros na educação básica têm algum tipo de
deficiência. Mas o Censo Escolar de 2023 indica que apenas 1,8 milhão (3,74%)
enquadram-se nessa categoria. Ou seja, quase 4,3 milhões estão invisíveis para
o poder público.
A diferença se dá porque os dados do Censo
são obtidos com formulários preenchidos na sua maioria (73%) pelos secretários
dos diretores das escolas e, em 66% delas, alunos não são ouvidos. Não à toa,
91% dos gestores acreditam que há mais alunos com deficiência ou transtornos de
aprendizagem do que os registrados no sistema.
A sondagem foi feita em uma amostra
representativa da realidade social brasileira a partir de entrevistas
presenciais com 2.889 estudantes, 373 professores e 222 gestores de 160 escolas
por todo o país.
Há fortes indícios de que o dado aferido
pelos pesquisadores é mais exato. De acordo com a OCDE,
em 2022, a taxa global de pessoas de 5 a 19 anos com deficiência era de 12,6% —na América
Latina e Caribe, 12,7%. Revisão de literatura feita pela Unicef no
ano passado apontou 12,8% nas Américas.
O critério de deficiência engloba uma ampla
gama de condições físicas e mentais que vão de problemas de visão e audição até
dislexia, autismo e síndrome de Down.
Governos nas três esferas precisam
aperfeiçoar diagnósticos, ou complementá-los com pesquisas amostrais. Só assim
o poder público pode direcionar recursos para atender os alunos que necessitam
de ensino especializado —o que envolve, entre outras medidas, capacitação
de professores e produção de materiais didáticos adequados.
O novo consenso em Washington
O Estado de S. Paulo
Sob a animosidade político-ideológica e com
abordagens distintas, democratas e republicanos convergem na demagogia
nacionalista que está prejudicando a expansão econômica do país
Republicanos e democratas têm mais
semelhanças do que gostariam de admitir, se não no conteúdo, na forma. Ambos
veem uns aos outros como uma “ameaça existencial”. Os democratas prometem
salvar a democracia do “fascismo” republicano; os republicanos prometem salvar
o estilo de vida americano do “socialismo” democrata; e ambos competem por quem
instilará nos corações dos eleitores mais pavor com a ameaça do outro. E
competem também por quem os seduzirá com o pacote econômico mais populista.
Nos anos 80 consolidou-se um consenso
econômico bipartidário: dólar forte, impostos baixos, regulação moderada e
livre comércio. Em 1996, o democrata Bill Clinton chegou a dizer que “a era
do big government acabou”. Mas após a crise de 2008 esse consenso foi
invertido, e a pandemia acelerou essa trajetória.
Há diferenças de abordagem. A agenda
econômica de Donald Trump combina antigos fundamentos liberais, como menos
regulação e impostos, com uma voracidade protecionista na forma de tarifas de
importação, aversão a imigrantes e hostilidade à independência do Banco
Central. O intervencionismo democrata, agora encampado por Kamala Harris, é
mais desconfiado dos grandes negócios e aposta em controle de preços e
subsídios financiados com mais impostos.
Em tese, o programa trumpista tem maior
potencial de danos, mas, na prática, eles tendem a ser mitigados pelas
inconsistências do próprio Trump e pelas divergências entre os “velhos” e
“novos” republicanos. Na política econômica, os democratas são mais homogêneos
e disciplinados. Com o estatismo em alta, gastos sociais irrealistas,
regulações excessivas ou ferramentas exóticas, como controle de preços, podem
ser desastrosos. Os freios e contrapesos às aventuras de ambos os lados
dependerão em boa medida das composições das duas Casas no Congresso.
Mas, sob as diferenças, há uma desconfiança
comum da globalização econômica. Em áreas como a política industrial e a
competição com a China, ambos convergem. A gestão de Biden-Harris acrescentou
novas tarifas às erguidas por Trump contra a China, e a “segurança nacional” é
um pretexto conveniente para ambos os lados fabricarem outras. Se eleito, Trump
pode até redirecionar os estímulos aprovados por Biden à indústria – por
exemplo, da economia verde àquela movida a combustíveis fósseis –, mas não os
reduzirá.
A realocação da produção industrial em casa e
os ataques ao comércio e investimentos internacionais podem ter apelo popular,
mas não podem apagar 200 anos de história econômica. Mais cedo ou mais tarde,
as falácias do nacionalismo – de que a autossuficiência é possível, de que
subsídios geram produtividade, de que a produção local é o que realmente
importa – cobram seu preço. Políticas intervencionistas contingentes e focadas
podem ser úteis para corrigir distorções circunstanciais ou alavancar indústrias
incipientes. Mas adotadas como regra geral elas sempre reduzem a liberdade
econômica, e com isso as fontes últimas de crescimento sustentável de um país:
produtividade, inovação e competitividade.
Mesmo com os intervencionismos de lado a lado
nas gestões de Trump e de Biden-Harris, os fundamentos da economia americana
seguem fortes. Desde 2019, ela cresceu mais do que duas vezes mais rápido que a
da zona do euro, por exemplo. Ambos os partidos tendem a superestimar, a um só
tempo, os danos causados pelo outro e os benefícios de suas próprias políticas.
Por consequência, seja lá qual assuma o comando, a tendência é dobrar a aposta
em seu modelo intervencionista para promover a expansão econômica, quando na
verdade a porá em perigo.
O caso americano é instrutivo ao mostrar que,
preservadas certas funções básicas do Estado – como a cobrança de impostos ou a
segurança física e jurídica –, a economia pode prosperar mesmo em períodos
relativamente longos de uma política disfuncional e divisiva. A economia pode
resistir a um sistema político ruim. Mas até onde ela pode resistir a políticas
econômicas ruins é algo que, seja lá quem vença as eleições nos EUA, será
testado nos próximos quatro anos.
O litígio da desoneração da folha
O Estado de S. Paulo
Governo cometeu erros em série desde início
da tramitação da proposta, enquanto o Senado, mesmo pressionado pelo STF,
demonstrou união e marcou posição em defesa da prorrogação
O Senado finalmente aprovou o projeto de lei
que prorroga a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de
pequenos e médios municípios de todo o País até 2027. O impasse durou meses,
uma vez que o governo cobrava dos senadores que encontrassem formas de
compensar a renúncia associada à proposta, estimada em R$ 25 bilhões.
Para a equipe econômica, as perdas teriam de
ser ressarcidas com aumento de impostos, como determina a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). Para defender a ideia, apelou inclusive ao
Supremo Tribunal Federal (STF), transformando a desoneração no bode na sala a
impedir o cumprimento da meta fiscal. Mas o Senado ganhou tempo engambelando o
governo e recusando, uma a uma, as alternativas apresentadas pelo ministro
Fernando Haddad.
Inicialmente, o governo enviou uma medida
provisória para limitar o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas.
Depois, defendeu um aumento de 1 ponto porcentual na Contribuição Social sobre
o Lucro Líquido (CSLL) das empresas. Por fim, propôs elevar de 15% para 20% a
cobrança do Imposto de Renda sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP), medida
que só valeria a partir de 2025.
Ao fim e ao cabo, o líder do governo no
Senado e relator do projeto, Jaques Wagner (PT-BA), teve de se contentar com as
medidas paliativas que o Senado propunha desde o início das negociações, como a
atualização de bens como imóveis na declaração do Imposto de Renda, a
repatriação de ativos mantidos no exterior e a renegociação de multas e taxas
aplicadas por agências reguladoras e já vencidas.
O governo não saiu completamente derrotado.
Pela proposta, a União poderá restituir as perdas com recursos de depósitos
judiciais retidos indevidamente pela Caixa, precatórios abandonados e recursos
esquecidos em contas bancárias. Em conjunto, eles podem garantir R$ 20 bilhões
extras. São receitas pontuais, que podem até salvar a meta fiscal deste ano,
mas que não terão efeito estrutural sobre a arrecadação.
O Executivo também conseguiu incluir medidas
no lado das despesas, como a revisão do cadastro do Benefício de Prestação
Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, e do
seguro-defeso, destinado a pescadores artesanais. Nos últimos anos, eles têm
crescido bem mais do que os técnicos estimavam, e, se houver indício de
irregularidades ou fraudes, o benefício poderá ser bloqueado.
Para Haddad, foi um “avanço institucional”. O
ministro não descartou a possibilidade de que medidas adicionais tenham de ser
adotadas até dezembro caso as contas da desoneração não fechem, mas a hipótese
parece improvável diante do calendário, das disputas municipais e da
resistência do Congresso em elevar impostos.
O projeto foi aprovado de maneira simbólica,
expressão do consenso que a proposta sempre reuniu na Casa. Ainda terá de
passar pela Câmara, mas os deputados não devem impor dificuldades. Para as
empresas e os municípios, nada muda neste ano. A reoneração da folha de
pagamento será retomada de maneira gradual entre 2025 e 2027.
A exemplo do imbróglio das emendas
parlamentares, a decisão do STF de suspender a desoneração deu alguma força
para o governo reabrir as negociações com o Congresso sobre um assunto que já
parecia encerrado.
O Executivo errou ao ignorar o avanço do
projeto no ano passado, ao vetá-lo e ao propor a retomada da reoneração em meio
ao recesso parlamentar. Equivocou-se também ao adotar uma estratégia litigante
que gerou um enorme desgaste e foi coroada pela humilhante devolução de trechos
de uma medida provisória pelo Congresso. Mesmo pressionado pelo STF, o Senado
conseguiu marcar posição e reafirmou não estar disposto a acatar tudo que o
governo quer.
Por ora, a equipe econômica respira aliviada
e provavelmente conseguirá atingir a meta fiscal deste ano. Terá, no entanto,
de vencer muitas batalhas para cumpri-la em 2025 e 2026, sabendo que terá de
convencer um Congresso avesso a aumentos de impostos e ao fim de benefícios
fiscais. Receitas extraordinárias e pentes-finos em benefícios sociais tampouco
serão suficientes para dar conta da tarefa.
Mais um ardil na Codevasf
O Estado de S. Paulo
Estatal conhecida como feudo do Centrão estende mandato irregular de diretor de governança
O subterfúgio usado para manter no cargo o
diretor de Governança da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Gil Cutrim, ex-deputado federal pelo
Republicanos e representante do Centrão na estatal, comprova que governança é
algo que, definitivamente, inexiste na companhia. Conhecida como “a estatal do
Centrão”, a Codevasf esteve no cerne da distribuição dos recursos do “orçamento
secreto” e ainda hoje é apontada como instrumento de expedição de verbas de
emendas cartoriais.
O mandato de Cutrim, como informou a Coluna
do Estadão, expirou no último dia 10, e a renovação está fora de cogitação
desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por maioria, a liminar
camarada do ministro aposentado – e atual ministro da Justiça de Lula – Ricardo
Lewandowski, expedida em março do ano passado, que autorizava as indicações do
governo para companhias públicas que feriam a Lei das Estatais. O STF demorou
um ano e dois meses para julgar o mérito, mas terminou por reconhecer a
validade da Lei das Estatais.
Mesmo assim, por unanimidade, os juízes da
Corte permitiram, sob a alegação de que é preciso evitar instabilidade, que os
que já haviam sido empossados, caso de Cutrim, poderiam permanecer até o fim
dos respectivos mandatos. A autorização de Cutrim acabou, mas ele continuou,
pendurado no expediente de que o estatuto da companhia, vinculada ao Ministério
dos Portos e Aeroportos – cujo titular é Silvio Costa Filho, seu padrinho
político –, permite a permanência até que um substituto seja indicado.
Esse é apenas mais um exemplo das artimanhas
que envolvem a estatal criada durante a ditadura para atuar como veículo de
desenvolvimento das margens do Rio São Francisco e há muitos anos é sinônimo de
fisiologismo e corrupção. A mais recente reportagem do Estadão sobre
desmandos na estatal mostrou, no fim de julho, que uma auditoria da
Controladoria-Geral da União (CGU) detectou o superfaturamento no preço do
asfalto usado em obras da Codevasf em dez Estados do País.
Em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro,
a Polícia Federal (PF) no Maranhão deflagrou uma operação para investigar
suspeitas de fraudes em licitações da empresa no Estado, uma “associação
criminosa estruturada”, como descreveu a PF. Em junho deste ano, a Polícia
Federal concluiu o inquérito e indiciou o atual ministro das Comunicações,
Juscelino Filho (União Brasil), à época deputado federal pelo Maranhão, por
suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no desvio de
emendas parlamentares em seu Estado.
A Codevasf foi transformada em veículo para circulação de verbas orçamentárias usadas sem transparência e serve como sumidouro do dinheiro público. A cooptação pelo Centrão não foi à toa, e a dependência do governo Lula da Silva explica, por certo, a vista grossa do petista às inúmeras acusações e suspeitas que recaem sobre seus “ministros de coalizão”. O governo Lula, com a ajuda do STF, conseguiu driblar a lei para avalizar arranjos políticos em estatais, mas a imoralidade, neste e em outros casos, grita.
Inteligência artificial e a urgência da
evolução
Correio Braziliense
Parte significativa da população brasileira
vê a inteligência artificial como uma aliada que pode complementar habilidades,
em vez de substituí-las
Não há dúvidas de que a inteligência
artificial (IA) tem transformado a vida de pessoas e empresas. Também não é
novidade que essa transformação tem fatores positivos e negativos, gerando uma
infinidade de discussões entre autoridades de diversas áreas do
conhecimento.
O recente estudo IA: problema ou solução?
Como os brasileiros percebem os impactos da inteligência artificial, realizado
pela MindMiners, empresa de tecnologia especializada em consumer insights, traz
dados que mostram os impactos da IA sobre o nosso cotidiano. Participaram do
levantamento 2 mil pessoas acima de 18 anos, de todas as regiões do Brasil.
Mais da metade dos entrevistados (56%)
acredita que a IA está gerando impactos na sociedade. A mesma porcentagem (56%)
interage com alguma ferramenta, aplicativo, sistemas ou serviços que tenham
inteligência artificial, e 54% acreditam que a IA vai ajudá-los no dia a dia,
melhorando a produtividade. Enquanto 12% esperam ver essas mudanças em um ano,
outros 20% preveem impactos em cinco anos e 7%, em 10. Apenas 4% não acreditam
que a IA trará impactos.
A pesquisa identificou também os principais
sentimentos em relação às mudanças observadas e as que ainda estão por vir com
o avanço da tecnologia: curiosidade (25%), insegurança (15%), receio
(13%), otimismo (12%) e medo (8%). Em outras palavras, as pessoas têm percebido
as mudanças e demonstrado interesse pelo tema. No entanto, essas transformações
ainda são nebulosas, gerando um desconforto, apesar da curiosidade. Quando
questionadas as áreas de atuação daqueles que utilizam a IA no trabalho, 21%
são do setor de tecnologia, 10%, de educação e 8%, de vendas e atendimento ao
cliente.
É real o receio de que a automação possa
substituir empregos, tornando-se motivo de preocupação no ambiente corporativo.
Conforme a pesquisa, 33% dos respondentes têm medo de perder seus empregos para
a IA, e esse montante não pode ser ignorado, especialmente em um país em que as
desigualdades socioeconômicas e disparidades entre quem usufrui e quem não tem
acesso à tecnologia são gigantescas.
Por outro lado, 40% discordam dessa ideia, o
que sugere que uma parte significativa da população vê a IA como uma aliada,
que pode complementar habilidades em vez de substituí-las. É o caso das
instituições de ensino cujos estudantes e docentes participam ativamente de
discussões sobre o tema, com o uso de plataformas de aprendizagem ajustadas a
demandas individuais.
Fato é que a inteligência artificial deixou
de ser um artifício futurista e está moldando a forma como nos comunicamos,
como trabalhamos, enfim, como vivemos. E a tendência é de que esses processos
evoluam e, cada vez mais, façam parte das nossas vidas. A nós, cabe observar e
participar dessa transformação, compreendendo a temática e tirando o maior
proveito possível dos avanços tecnológicos, sem deixar de lado o bem-estar
social.
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