Folha de S. Paulo
Regras constitucionais inadequadas e visões
opostas sobre o assunto vêm bloqueando os necessários avanços
A segurança pública é o grande fracasso do sistema democrático que se construiu sob a égide da Constituição de 1988. Nos 36 anos desde a sua promulgação, o país promoveu profundas reformas no sistema de proteção social. Elas permitiram a universalização da atenção primária em saúde por meio do SUS; o acesso à educação básica para todos —além da ampliação do ensino médio e do ensino superior; a existência de um conjunto robusto de políticas assistenciais organizadas no Suas (Sistema Único de Assistência Social), ancoradas no Bolsa Família e no BPC (Benefício de Prestação Continuada).
No livro "Segurança Pública: um projeto para o Brasil", de
2020, o professor Daniel Vargas, da Escola de Direito da FGV, argumenta que
regras constitucionais e visões opostas sobre esse tema vêm bloqueando avanços.
De um lado, a Carta de 1988 estabeleceu um regime de segurança descentralizado,
com o centro de gravidade nos estados; compartimentado entre os diversos órgãos
encarregados de manter a ordem e combater o crime (polícias, Ministério
Público, Judiciário e sistema penitenciário); e rígido, devido ao
estabelecimento, detalhado em lei, das atribuições de cada um deles.
De outro lado, duas visões influentes e diametralmente opostas dificultaram a
convergência em torno de inovadoras soluções institucionais. A primeira, típica
das direitas, que delas usam e abusam para fins eleitorais, é o punitivismo. Ou seja, na sua versão mais polida, a crença de
que as coisas podem se resolver com mais cadeia e endurecimento do direito
penal. Sua tradução mais crua é a legitimação da violência policial
desenfreada.
A segunda visão seria própria dos
progressistas. Estes, cativos da memória dos desmandos da ditadura militar, não
conseguem ir além da oposição de princípio ao primado da barbárie oferecida
pelo punitivismo.
Sob a democracia, não faltaram experiências nos estados. Embora promissoras,
foram abandonadas sem gerar legados duradouros. Tampouco faltou consciência da
necessidade de articulação federativa tanto na lei de 2018 que criou o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), quanto
na proposta do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski de transformá-la em dispositivo
constitucional.
Mas, tudo continuará como está —um consumado desastre— enquanto, primeiro, não
surgir uma comunidade de especialistas mais pragmática, influente e apta a
construir consensos e pensar em incentivos para a cooperação entre os entes da
federação e os diferentes órgãos do sistema de segurança. E, segundo, sobretudo
enquanto Brasília não se dispuser a dar a devida atenção àquilo que é
prioridade para os brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário