O Globo
Com dois anos de governo, ele não pode ficar
vivendo do passado, tem de jogar o país para a frente
O presidente Lula revelou na conversa
informal que teve por celular com a atriz Fernanda Torres, quando a parabenizou
pela vitória no Globo de Ouro, que pretende transformar 2025 no ano da defesa
da democracia. Num momento em que o governo se debate com críticas que
consideram que a questão da dívida pública pode desaguar numa crise econômica
grave, ele saca da cartola um movimento de defesa da democracia para reavivar o
clima que o levou à vitória em 2022.
Naquele momento, no entanto, saíamos de um governo de tendências autocráticas que deixara marcas profundas, confirmadas meses depois da eleição por uma tentativa de golpe que marcou o 8 de Janeiro na nossa História. Hoje já se passaram dois anos desse novo governo que, se de um lado reconstruiu setores simbólicos para a democracia, nada mais mostrou que indicasse um futuro melhor. A não ser a compreensão democrática, que não impede erros recorrentes, como a complacência com regimes autoritários de esquerda.
A politização da defesa da democracia ficou
clara ontem, pois o presidente Lula errou ao dar um tom político à solenidade
no Palácio do Planalto. Esvaziada pela ausência dos presidentes das Casas
Legislativas e do Judiciário, a solenidade ainda colocou onde não deviam estar
os comandantes militares e o ministro da Defesa. Usar o 8 de Janeiro como
referência em defesa da democracia, numa solenidade no Palácio do Planalto,
tudo bem, inclusive com o simbolismo de receber de volta as obras de arte que
foram vandalizadas.
Mas Lula errou quando foi para a Praça dos
Três Poderes para o abraço simbólico à democracia, tendo como convocadores da
cerimônia a CUT, o PT e outros órgãos ligados à esquerda. O PT poderia fazer
outra comemoração em outro lugar; Lula poderia comparecer como presidente de
honra do partido, e não como presidente da República. Houve um exagero, e o
presidente não deve seguir essa linha. Se insistir nisso até a eleição de 2026,
se colocando como o defensor da democracia, mais uma vez contra a ameaça do bolsonarismo,
acirrará a polarização, o que provavelmente quer, mas não avançará.
Em 2022, ele ganhou nesse papel, que
provavelmente não será suficiente em 2026. Com dois anos de governo, ele não
pode ficar vivendo do passado, tem de jogar o país para a frente. Nos Estados
Unidos, a invasão do Capitólio foi muito pior, houve mortes até, e o governo
não ficou se aproveitando do fato. Podemos também relembrar que levar militares
para tal tipo de reunião política não é recomendável, mas comum entre políticos
populistas, de direita ou de esquerda.
A principal autoridade militar dos Estados
Unidos, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Mark
Milley, teve a reputação desgastada em junho de 2020, quando foi levado por
Trump a uma sessão fotográfica na Igreja de St. John. O presidente foi a pé ao
local após forças federais dispersarem de forma violenta uma multidão pacífica
de manifestantes pela justiça social. Milley usava uniforme militar camuflado
durante o incidente. Mais tarde, se desculpou, dizendo:
— Eu não deveria ter ido lá.
Também aqui no Brasil o ministro da Defesa,
Fernando Azevedo, sobrevoou de helicóptero, ao lado do então presidente Jair
Bolsonaro, uma manifestação de bolsonaristas marcada por faixas contra o
Supremo Tribunal Federal (STF) e a favor de intervenção militar. Lamentou-se ao
final e acabou sendo demitido por Bolsonaro, insatisfeito com sua pouca ligação
com as ações políticas do governo. A primeira investida do novo chefe de
comunicação do governo foi equivocada, piorada pelo improviso de Lula que, em
mais um arroubo machista, se disse amante da democracia porque marido gosta
mais da amante do que da mulher. Uma boutade fora de propósito.
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