Valor Econômico
Mais da metade dos países de baixa renda estão em dificuldades com dívidas ou perto disso
Os altos níveis de endividamento estão mais
uma vez disparando alarmes em todo o mundo. Nos países desenvolvidos, a atenção
está voltada para o rápido aumento da dívida pública, enquanto as economias em
desenvolvimento lutam para pagar suas obrigações externas em meio à
desaceleração do crescimento e a estagnação das exportações.
Apesar dos desafios atuais, a maioria dos economistas acredita que as economias desenvolvidas conseguirão evitar uma crise total, graças à sua capacidade de emitir dívida em suas próprias moedas e implementar metas fiscais e monetárias direcionadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o déficit fiscal ultrapassou 6% do PIB em 2024 e está projetado para alcançar 8% ou mais em 2025. Mesmo assim, as taxas de juros em queda sugerem que as autoridades estão bem posicionadas para enfrentar o problema, que recebeu pouca atenção durante o ciclo eleitoral de 2024.
Por outro lado, as perspectivas para as
economias emergentes e em desenvolvimento parecem cada vez piores. Em 2023, os
países em desenvolvimento gastaram 1,2% de seus PIBs com o pagamento de juros,
enquanto o serviço da dívida chegou a quase 6% das receitas de exportação em
países elegíveis para a ajuda da International Develoment Association (IDA). O
mais recente Relatório da Dívida divulgado pelo Banco Mundial alerta que os
países de baixa renda enfrentam uma “crise de solvência em metástase”.
Vários países em desenvolvimento, como Zâmbia
e Sri Lanka, já deixaram de pagar suas obrigações externas, desencadeando um
lento e doloroso processo de reestruturação de dívida e amplas reformas
econômicas. Muitos outros estão à beira de uma crise - em Moçambique, por
exemplo, os pagamentos de juros chegaram a 38% das receitas de exportação em
2023. Segundo o Banco Mundial, 52% dos países de baixa renda estão em
dificuldades com dívidas ou perto disso.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial o mundo
testemunhou numerosas crises financeiras decorrentes da natureza peculiar do
endividamento soberano. Por um lado, a dívida pública pode refletir a busca por
investimentos com retornos potencialmente altos que não podem ser financiados
apenas pela poupança interna. Foi o caso da Coreia do Sul no começo dos anos
60, quando o país contraiu empréstimos de até 10% de seu PIB anualmente para
viabilizar investimentos produtivos. Esses investimentos tiveram um excelente
retorno, permitindo ao país honrar sua dívida com facilidade e manter a
estabilidade, apesar do endividamento contínuo.
Os credores soberanos tradicionais precisam
convencer os emergentes da necessidade de um mecanismo de reestruturação mais
rápido e eficaz. Sem tal estrutura, os países mais pobres continuarão presos em
um ciclo interminável de crises
Mas os empréstimos também podem financiar
gastos improdutivos, como o emprego público excessivo ou o consumo privado, que
geram pouco ou nenhum retorno. Consequentemente, o serviço da dívida cresce sem
nenhum aumento correspondente na capacidade do governo de sustentar os
pagamentos. Isso raramente é um problema para os países que investem em
projetos de alto retorno. Mas quando os recursos são mal alocados e os custos
com o serviço da dívida aumentam sem os meios para cobri-los, uma crise se
torna inevitável.
Nesses casos, as instituições financeiras
internacionais (IFIs, na sigla em inglês) - especialmente o Fundo Monetário
Internacional (FMI) - desempenham um papel fundamental em ajudar os países a
recuperar a credibilidade, fornecendo financiamentos e recomendando reformas. O
FMI é especializado em avaliar as perspectivas macroeconômicas dos países
endividados, identificando as reformas econômicas necessárias e direcionando-os
de volta à estabilidade financeira e o crescimento sustentável.
As reformas recomendadas pelo FMI geralmente
envolvem cortes de gastos - limitando futuros aumentos de pensão, reduzindo os
salários de servidores públicos e reduzindo certos investimentos -, juntamente
com esforços para aumentar a receita tributária. Elas geralmente também incluem
ajustes estruturais, como modificar o regime cambial, remover controles de
preços internos e eliminar regulamentações que impedem o crescimento econômico.
Identificar as reformas mais urgentes é essencial, pois essas medidas frequentemente
determinam a capacidade de um país de promover o crescimento e melhorar os
padrões de vida.
Reformas de política econômica se tornam
particularmente importantes quando um governo carece de recursos para cumprir
pagamentos futuros de serviço da dívida ou financiar os investimentos
necessários para impulsionar a renda e o crescimento. Na ausência dessas
reformas, países muito endividados correm o risco de recair em padrões de
gastos excessivos, minando suas perspectivas de crescimento e resultando em
crises recorrentes.
Infelizmente, muitos líderes e formuladores
de políticas bem-intencionados ignoram a necessidade de combinar reestruturação
de dívida e novos financiamentos com reformas econômicas. A simpatia pelas
populações empobrecidas dos países endividados e o reconhecimento de seus
enormes encargos financeiros geralmente levam a apelos para que o FMI e o Banco
Mundial forneçam apoio adicional sem exigir ajustes estruturais. Quando
instituições internacionais sucumbem a essas pressões, os ganhos econômicos
tendem a ter vida curta: o crescimento estagna e as dificuldades com o serviço
da dívida retornam.
Esses desafios são agravados pelo surgimento
de novos grandes credores, especialmente a China, e o papel crescente de atores
do setor privado em empréstimos soberanos. Nos últimos anos, a China
ultrapassou o Banco Mundial como maior emprestador para muitos países de baixa
renda. Como resultado, a implementação de reformas econômicas agora exige o
apoio da China e outros credores.
As negociações prolongadas entre credores
sempre que a dívida soberana precisa ser reestruturada, ressaltam a necessidade
urgente de reformas não apenas em países altamente endividados, mas também na
abordagem da comunidade internacional para resolver os problemas de dívida
desses países. Sri Lanka e Zâmbia ficaram economicamente paralisados por anos
enquanto os credores, incluindo IFIs, lutavam para chegar a acordos de
reestruturação.
Os credores soberanos tradicionais, como os
EUA e a União Europeia, precisam convencer os principais credores emergentes da
necessidade de um mecanismo de reestruturação mais rápido e eficaz. Sem tal
estrutura, os países mais pobres do mundo continuarão presos em um ciclo
interminável de crises de endividamento. (Tradução de Mário Zamarian)
*Anne Krueger,
ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-primeira vice-diretora administrativa
do FMI, é professora sênior de pesquisa em economia internacional na Escola de
Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins e membro sênior
do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade Stanford.
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