quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

A urgência da reforma da dívida global - Anne Krueger

Valor Econômico

Mais da metade dos países de baixa renda estão em dificuldades com dívidas ou perto disso

Os altos níveis de endividamento estão mais uma vez disparando alarmes em todo o mundo. Nos países desenvolvidos, a atenção está voltada para o rápido aumento da dívida pública, enquanto as economias em desenvolvimento lutam para pagar suas obrigações externas em meio à desaceleração do crescimento e a estagnação das exportações.

Apesar dos desafios atuais, a maioria dos economistas acredita que as economias desenvolvidas conseguirão evitar uma crise total, graças à sua capacidade de emitir dívida em suas próprias moedas e implementar metas fiscais e monetárias direcionadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o déficit fiscal ultrapassou 6% do PIB em 2024 e está projetado para alcançar 8% ou mais em 2025. Mesmo assim, as taxas de juros em queda sugerem que as autoridades estão bem posicionadas para enfrentar o problema, que recebeu pouca atenção durante o ciclo eleitoral de 2024.

Por outro lado, as perspectivas para as economias emergentes e em desenvolvimento parecem cada vez piores. Em 2023, os países em desenvolvimento gastaram 1,2% de seus PIBs com o pagamento de juros, enquanto o serviço da dívida chegou a quase 6% das receitas de exportação em países elegíveis para a ajuda da International Develoment Association (IDA). O mais recente Relatório da Dívida divulgado pelo Banco Mundial alerta que os países de baixa renda enfrentam uma “crise de solvência em metástase”.

Vários países em desenvolvimento, como Zâmbia e Sri Lanka, já deixaram de pagar suas obrigações externas, desencadeando um lento e doloroso processo de reestruturação de dívida e amplas reformas econômicas. Muitos outros estão à beira de uma crise - em Moçambique, por exemplo, os pagamentos de juros chegaram a 38% das receitas de exportação em 2023. Segundo o Banco Mundial, 52% dos países de baixa renda estão em dificuldades com dívidas ou perto disso.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial o mundo testemunhou numerosas crises financeiras decorrentes da natureza peculiar do endividamento soberano. Por um lado, a dívida pública pode refletir a busca por investimentos com retornos potencialmente altos que não podem ser financiados apenas pela poupança interna. Foi o caso da Coreia do Sul no começo dos anos 60, quando o país contraiu empréstimos de até 10% de seu PIB anualmente para viabilizar investimentos produtivos. Esses investimentos tiveram um excelente retorno, permitindo ao país honrar sua dívida com facilidade e manter a estabilidade, apesar do endividamento contínuo.

Os credores soberanos tradicionais precisam convencer os emergentes da necessidade de um mecanismo de reestruturação mais rápido e eficaz. Sem tal estrutura, os países mais pobres continuarão presos em um ciclo interminável de crises

Mas os empréstimos também podem financiar gastos improdutivos, como o emprego público excessivo ou o consumo privado, que geram pouco ou nenhum retorno. Consequentemente, o serviço da dívida cresce sem nenhum aumento correspondente na capacidade do governo de sustentar os pagamentos. Isso raramente é um problema para os países que investem em projetos de alto retorno. Mas quando os recursos são mal alocados e os custos com o serviço da dívida aumentam sem os meios para cobri-los, uma crise se torna inevitável.

Nesses casos, as instituições financeiras internacionais (IFIs, na sigla em inglês) - especialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) - desempenham um papel fundamental em ajudar os países a recuperar a credibilidade, fornecendo financiamentos e recomendando reformas. O FMI é especializado em avaliar as perspectivas macroeconômicas dos países endividados, identificando as reformas econômicas necessárias e direcionando-os de volta à estabilidade financeira e o crescimento sustentável.

As reformas recomendadas pelo FMI geralmente envolvem cortes de gastos - limitando futuros aumentos de pensão, reduzindo os salários de servidores públicos e reduzindo certos investimentos -, juntamente com esforços para aumentar a receita tributária. Elas geralmente também incluem ajustes estruturais, como modificar o regime cambial, remover controles de preços internos e eliminar regulamentações que impedem o crescimento econômico. Identificar as reformas mais urgentes é essencial, pois essas medidas frequentemente determinam a capacidade de um país de promover o crescimento e melhorar os padrões de vida.

Reformas de política econômica se tornam particularmente importantes quando um governo carece de recursos para cumprir pagamentos futuros de serviço da dívida ou financiar os investimentos necessários para impulsionar a renda e o crescimento. Na ausência dessas reformas, países muito endividados correm o risco de recair em padrões de gastos excessivos, minando suas perspectivas de crescimento e resultando em crises recorrentes.

Infelizmente, muitos líderes e formuladores de políticas bem-intencionados ignoram a necessidade de combinar reestruturação de dívida e novos financiamentos com reformas econômicas. A simpatia pelas populações empobrecidas dos países endividados e o reconhecimento de seus enormes encargos financeiros geralmente levam a apelos para que o FMI e o Banco Mundial forneçam apoio adicional sem exigir ajustes estruturais. Quando instituições internacionais sucumbem a essas pressões, os ganhos econômicos tendem a ter vida curta: o crescimento estagna e as dificuldades com o serviço da dívida retornam.

Esses desafios são agravados pelo surgimento de novos grandes credores, especialmente a China, e o papel crescente de atores do setor privado em empréstimos soberanos. Nos últimos anos, a China ultrapassou o Banco Mundial como maior emprestador para muitos países de baixa renda. Como resultado, a implementação de reformas econômicas agora exige o apoio da China e outros credores.

As negociações prolongadas entre credores sempre que a dívida soberana precisa ser reestruturada, ressaltam a necessidade urgente de reformas não apenas em países altamente endividados, mas também na abordagem da comunidade internacional para resolver os problemas de dívida desses países. Sri Lanka e Zâmbia ficaram economicamente paralisados por anos enquanto os credores, incluindo IFIs, lutavam para chegar a acordos de reestruturação.

Os credores soberanos tradicionais, como os EUA e a União Europeia, precisam convencer os principais credores emergentes da necessidade de um mecanismo de reestruturação mais rápido e eficaz. Sem tal estrutura, os países mais pobres do mundo continuarão presos em um ciclo interminável de crises de endividamento. (Tradução de Mário Zamarian)

*Anne Krueger, ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-primeira vice-diretora administrativa do FMI, é professora sênior de pesquisa em economia internacional na Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins e membro sênior do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade Stanford. 

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