Folha de S. Paulo
Investigação e punição por tentativa de golpe
são mais importantes que cerimônias
A cerimônia que marcou os
dois anos dos ataques de 8 de janeiro conferiu à lembrança do
golpismo um ar corriqueiro. Os atos organizados pelo governo Lula produziram
símbolos já esperados, discursos sem muita surpresa e mensagens que se tornaram
óbvias. Nem mesmo as ausências,
queixas e manifestações de incômodo causaram espanto.
A memória não depende de pirotecnia para servir como ferramenta de acerto de contas de uma sociedade com seu passado. A tarefa coletiva de evitar retrocessos exige basicamente que as ameaças e violações que marcam a história sejam reconhecidas de maneira mais ou menos consensual e resistam a tentativas de distorção e relativização.
O golpismo de 2022-23 mantém um bom nível de
rejeição entre os brasileiros. Pesquisas captam um repúdio majoritário aos
ataques em Brasília e
uma distribuição
razoável de responsabilidades pela tentativa de golpe de Estado
executada por Jair
Bolsonaro e seus aliados. As divisões políticas do país e a
hesitação de alguns atores, porém, fazem com que a memória seja um fator
insuficiente.
A negociação de uma proposta despudorada de
anistia no feirão do Congresso e a covardia de políticos que se recusam a
condenar o golpismo fazem com que, em determinados círculos da vida nacional, a
lembrança daquele crime praticado à luz do dia seja acompanhada de um
"veja bem" carregado de preferências partidárias. A concentração dos
atos de defesa da democracia em torno de Lula, ainda que legítima, não ajuda a
desfazer o quadro.
Militares ainda aproveitam a situação para
propagandear, de forma atrevida, um mal-estar com
a lembrança de sua participação na investida golpista. Os
lamentos são mais uma prova de que o suposto heroísmo daqueles comandantes que
negaram apoio ao golpe de Bolsonaro continua em falta na caserna.
Os esforços para fragilizar a memória como
elemento de preservação da democracia e de exclusão de seus agressores faz com
que seja ainda mais necessário recorrer a um segundo instrumento, essencial
para esse processo: a justiça. Uma investigação completa e a punição correta
dos envolvidos no golpismo vale muito mais do que qualquer evento.
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