quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Apertem o cinto, Trump vem aí - Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

O momento no Brasil é de muita reflexão, pois um aumento sistemático das taxas de juro internas não vai atrair o capital estrangeiro necessário para fazer frente à debandada dos recursos rumo aos EUA se Trump tiver sucesso

Você acha que o real está muito desvalorizado? Prepare-se, pois tende a cair ainda mais face ao dólar no curto e médio prazo. E essa não é uma tendência apenas do real, tendo em vista a perspectiva de fortalecimento da moeda norte-americana com a introdução das medidas anunciadas pelo próximo presidente dos Estados Unidos, a ser empossado no dia 20.

Se conseguir implementar tudo o que tem prometido - aprofundamento nos cortes da taxação de empresas e corporações, aumento das tarifas de importação e desregulamentação dos entraves aos negócios - Donald Trump vai injetar um impulso extraordinário ao crescimento do país. Com isso, um ciclo virtuoso se solidifica: dólar forte atrai investimento de fora para os Estados Unidos e ajuda a consolidar a expansão econômica.

A rigor, a valorização do dólar no mundo ganhou força a partir do final de setembro do ano passado e se intensificou com a vitória de Trump nas eleições de 5 de novembro. O DXY, que indica o valor médio do dólar relacionado a uma cesta ponderada de seis outras moedas - na qual o euro tem peso de 57,6% - cresceu 7,8% no ano passado, com ênfase no último trimestre. Fechou a 100,37 pontos no dia 24 de setembro e chegou a 108,13 pontos no fechamento do dia 30 de dezembro.

Quando avaliado por um índice mais amplo, o Nominal Broad US Dollar Index - que mede o valor do dólar em comparação ao comércio ponderado com 26 países diferentes -, a variação é parecida. Por este índice, o dólar sofreu apreciação de 8,08% no ano passado.

Dólar forte significa baratear os produtos importados pelos EUA, o que contribui ainda mais para a robustez da economia. Neste contexto, o aumento tarifário prometido por Trump para produtos de determinadas origens praticamente nenhum ou pouquíssimo efeito teria sobre a inflação norte-americana. Por um lado, as tarifas tendem a ser diluídas em meio ao enorme bolo do total das importações do país. Por outro, o custo eventualmente repassado ao importador pode ser compensado pela valorização do dólar.

Para o Brasil e países em desenvolvimento em geral, é extremamente complicado o panorama que se desenha adiante

A conversa muda para os exportadores de bens e serviços destinados aos EUA. Com a valorização do dólar e consequente depreciação da moeda local, exportar para o mercado norte-americano se torna vantajoso. China, países da UE, Brasil e outros recebem mais em moeda local quando o dólar se valoriza. A taxa de câmbio - cotações entre as moedas - é o principal preço do comércio externo, mas pode ser alterada pontualmente por medidas discricionárias, como a imposição de barreiras sanitárias ou de tarifas.

Se Trump vier a taxar ainda mais as importações de carros elétricos produzidos na China, o ganho dos chineses obtido com a diferença cambial tende a ser reduzido. A depender do nível da tarifa, esta pode “comer” parte ou mesmo a totalidade da vantagem garantida aos exportadores chineses pela desvalorização do renminbi face ao dólar. Seria um transtorno para a BYD, maior fabricante de veículos elétricos na China, concorrente acirrada da Tesla, empresa de Elon Musk. Este já dispõe das orelhas de Trump e passará a ter mais poder no governo dos EUA a partir do dia 20.

Sua influência, vale aqui um parêntesis, é crescente em todas as áreas, haja vista as críticas que tem dirigido ao primeiro-ministro britânico, sem falar na recente decisão da Meta - dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp - no sentido de retirar os controles automáticos sobre conteúdos de caráter disruptivo, seja na seara política, social ou econômica.

De volta ao câmbio, sabe-se que a dinâmica do preço das moedas entre si obedece a muitas variáveis. Uma delas é o diferencial de taxa de juros entre um país e outro. Parte da apreciação do dólar recentemente pode estar associada à indicação do Federal Reserve - banco central dos EUA - de frear o ciclo de redução dos juros.

No mundo dos países menos abonados, quanto mais alta a taxa de juros de curto prazo, maior a possibilidade de atrair divisas para a economia que passa por desvalorização da sua moeda. Isso cria uma cilada implacável.

Para o Brasil e países em desenvolvimento em geral, o panorama que se desenha adiante é extremamente complicado. A inflação será impactada pelo fortalecimento do dólar, uma variável sobre a qual não se tem controle. O momento é de muita reflexão, pois um aumento sistemático das taxas de juro internas não vai atrair o capital estrangeiro necessário para fazer frente à debandada dos recursos rumo aos EUA se Trump tiver sucesso com o seu grandioso plano de colocar o país no centro do mundo.

Haverá muitas pedras no caminho de Trump. A principal tem a ver com a limitação do orçamento. Ele tem dito que o dinheiro das tarifas sobre as importações será usado para cobrir a redução da receita resultante dos cortes na taxação às empresas e corporações. Mas as contas não fecham. A imposição de tarifas nas compras externas representou em 2024 receita de US$ 77 bilhões (1,6% do total arrecadado), enquanto os benefícios fiscais aos empresários envolvem cerca de US$ 300 bilhões por ano. “Será o caos”, vaticinou Joseph Stiglitz, Nobel de Economia e professor em Columbia, em artigo publicado esta semana na Project Syndication.

Mais importante do que câmbio, juros e tudo o mais, é fixar que a volta de Trump representa a assumpção de um simpatizante da extrema direita a um posto privilegiado, com garfo e faca na mão. Pior do que uma guerra fiscal, é o risco de interferência política externa que privilegie os mandatários autocratas defensores de pautas retrógradas como o machismo, a homofobia, a misoginia, as discriminações e a desigualdade em geral, colocando a perder as conquistas humanitárias e sociais alcançadas a partir de 1945. O custo seria incomensurável e as consequências, catastróficas.

 

 

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