Valor Econômico
O momento no Brasil é de muita reflexão, pois um aumento sistemático das taxas de juro internas não vai atrair o capital estrangeiro necessário para fazer frente à debandada dos recursos rumo aos EUA se Trump tiver sucesso
Você acha que o real está muito
desvalorizado? Prepare-se, pois tende a cair ainda mais face ao dólar no curto
e médio prazo. E essa não é uma tendência apenas do real, tendo em vista a
perspectiva de fortalecimento da moeda norte-americana com a introdução das
medidas anunciadas pelo próximo presidente dos Estados Unidos, a ser empossado
no dia 20.
Se conseguir implementar tudo o que tem prometido - aprofundamento nos cortes da taxação de empresas e corporações, aumento das tarifas de importação e desregulamentação dos entraves aos negócios - Donald Trump vai injetar um impulso extraordinário ao crescimento do país. Com isso, um ciclo virtuoso se solidifica: dólar forte atrai investimento de fora para os Estados Unidos e ajuda a consolidar a expansão econômica.
A rigor, a valorização do dólar no mundo
ganhou força a partir do final de setembro do ano passado e se intensificou com
a vitória de Trump nas eleições de 5 de novembro. O DXY, que indica o valor
médio do dólar relacionado a uma cesta ponderada de seis outras moedas - na
qual o euro tem peso de 57,6% - cresceu 7,8% no ano passado, com ênfase no
último trimestre. Fechou a 100,37 pontos no dia 24 de setembro e chegou a
108,13 pontos no fechamento do dia 30 de dezembro.
Quando avaliado por um índice mais amplo, o
Nominal Broad US Dollar Index - que mede o valor do dólar em comparação ao
comércio ponderado com 26 países diferentes -, a variação é parecida. Por este
índice, o dólar sofreu apreciação de 8,08% no ano passado.
Dólar forte significa baratear os produtos
importados pelos EUA, o que contribui ainda mais para a robustez da economia.
Neste contexto, o aumento tarifário prometido por Trump para produtos de
determinadas origens praticamente nenhum ou pouquíssimo efeito teria sobre a
inflação norte-americana. Por um lado, as tarifas tendem a ser diluídas em meio
ao enorme bolo do total das importações do país. Por outro, o custo
eventualmente repassado ao importador pode ser compensado pela valorização do
dólar.
Para o Brasil e países em desenvolvimento em
geral, é extremamente complicado o panorama que se desenha adiante
A conversa muda para os exportadores de bens
e serviços destinados aos EUA. Com a valorização do dólar e consequente
depreciação da moeda local, exportar para o mercado norte-americano se torna
vantajoso. China, países da UE, Brasil e outros recebem mais em moeda local
quando o dólar se valoriza. A taxa de câmbio - cotações entre as moedas - é o
principal preço do comércio externo, mas pode ser alterada pontualmente por
medidas discricionárias, como a imposição de barreiras sanitárias ou de
tarifas.
Se Trump vier a taxar ainda mais as
importações de carros elétricos produzidos na China, o ganho dos chineses
obtido com a diferença cambial tende a ser reduzido. A depender do nível da
tarifa, esta pode “comer” parte ou mesmo a totalidade da vantagem garantida aos
exportadores chineses pela desvalorização do renminbi face ao dólar. Seria um
transtorno para a BYD, maior fabricante de veículos elétricos na China,
concorrente acirrada da Tesla, empresa de Elon Musk. Este já dispõe das orelhas
de Trump e passará a ter mais poder no governo dos EUA a partir do dia 20.
Sua influência, vale aqui um parêntesis, é
crescente em todas as áreas, haja vista as críticas que tem dirigido ao
primeiro-ministro britânico, sem falar na recente decisão da Meta - dona do
Facebook, do Instagram e do WhatsApp - no sentido de retirar os controles
automáticos sobre conteúdos de caráter disruptivo, seja na seara política,
social ou econômica.
De volta ao câmbio, sabe-se que a dinâmica do
preço das moedas entre si obedece a muitas variáveis. Uma delas é o diferencial
de taxa de juros entre um país e outro. Parte da apreciação do dólar
recentemente pode estar associada à indicação do Federal Reserve - banco
central dos EUA - de frear o ciclo de redução dos juros.
No mundo dos países menos abonados, quanto
mais alta a taxa de juros de curto prazo, maior a possibilidade de atrair
divisas para a economia que passa por desvalorização da sua moeda. Isso cria
uma cilada implacável.
Para o Brasil e países em desenvolvimento em
geral, o panorama que se desenha adiante é extremamente complicado. A inflação
será impactada pelo fortalecimento do dólar, uma variável sobre a qual não se
tem controle. O momento é de muita reflexão, pois um aumento sistemático das
taxas de juro internas não vai atrair o capital estrangeiro necessário para
fazer frente à debandada dos recursos rumo aos EUA se Trump tiver sucesso com o
seu grandioso plano de colocar o país no centro do mundo.
Haverá muitas pedras no caminho de Trump. A
principal tem a ver com a limitação do orçamento. Ele tem dito que o dinheiro
das tarifas sobre as importações será usado para cobrir a redução da receita
resultante dos cortes na taxação às empresas e corporações. Mas as contas não
fecham. A imposição de tarifas nas compras externas representou em 2024 receita
de US$ 77 bilhões (1,6% do total arrecadado), enquanto os benefícios fiscais
aos empresários envolvem cerca de US$ 300 bilhões por ano. “Será o caos”, vaticinou
Joseph Stiglitz, Nobel de Economia e professor em Columbia, em artigo publicado
esta semana na Project Syndication.
Mais importante do que câmbio, juros e tudo o
mais, é fixar que a volta de Trump representa a assumpção de um simpatizante da
extrema direita a um posto privilegiado, com garfo e faca na mão. Pior do que
uma guerra fiscal, é o risco de interferência política externa que privilegie
os mandatários autocratas defensores de pautas retrógradas como o machismo, a
homofobia, a misoginia, as discriminações e a desigualdade em geral, colocando
a perder as conquistas humanitárias e sociais alcançadas a partir de 1945. O
custo seria incomensurável e as consequências, catastróficas.
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