Prisões precárias são incentivo ao crime organizado
O Globo
Omissão das autoridades facilita o
aliciamento de detentos pelas facções criminosas que mandam nos presídios
A população carcerária brasileira continua a
crescer sem que sejam resolvidos os problemas da segurança pública. De 2013 a
2023, o total de encarcerados aumentou 46%, passando de 581 mil para 850 mil,
segundo relatório do Ministério dos Direitos Humanos. No final do primeiro
semestre do ano passado, eram 889 mil presos, num sistema com capacidade
oficial para abrigar 489 mil. A taxa de encarceramento subiu de 301 para 408
presos por 100 mil habitantes entre 2014 e 2024. Desde 2020, o Brasil passou da
26ª para 14ª posição na lista dos países que mais prendem, mantida pelo projeto
World Prison Brief (liderada por El Salvador, com 1.659).
As prisões brasileiras estão longe de ser capazes de ressocializar os presos e funcionam como escolas para criminosos. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem razão em apontar violações de direitos humanos e práticas inconstitucionais nos presídios, quase todos superlotados, com exceção dos poucos presídios federais. “Não se faz segurança pública nem se ressocializa em um sistema superlotado”, diz André Garcia, secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça.
Há problemas na circulação de ar, umidade,
presos dormindo no chão, colchões velhos, insetos e comida de má qualidade. A
deficiência na ventilação facilita a propagação de vírus e bactérias. Em 2023,
como noticiou O GLOBO, mais de 7,8 mil presos tinham tuberculose. Mais de 10
mil testaram positivo para HIV, e 9 mil tinham sífilis. Ainda assim, 25% das
penitenciárias não contavam com qualquer estrutura de saúde. Quase sempre, as
prisões têm apenas um profissional da área, que trabalha apenas quatro horas
diárias, diz Carolina Diniz, coordenadora do Conectas Direitos Humanos.
Os doentes, segundo ela, demoram a receber
atendimento médico ou a conseguir transferência para algum hospital, geralmente
por falta de escolta. “Tem gente que morre antes de encontrar um médico”, diz.
Há também armazenamento inadequado de medicamentos e pouco controle nas doses,
prejudicando o tratamento das doenças. Problemas de saúde responderam por 46,8%
das 3.091 mortes nos presídios em 2023, número que deve ser maior, por não
considerar as ocorridas em hospitais.
Outro efeito nefasto das condições precárias
é facilitar o aliciamento dos presos pelas facções que comandam o crime de
dentro dos presídios. Elas os convencem com facilidade a aderir a seus ritos e
regras cruéis, oferecendo-lhes em troca melhorias na situação dentro da cadeia.
Ao deixar as prisões em situação de calamidade, o Estado ajuda a encaminhar o
preso para o crime organizado.
O trabalho, garantido pela Lei de Execuções
Penais com remuneração de dois terços do salário mínimo, não tem funcionado
como antídoto. Apenas 19,5% dos presos exerciam alguma atividade no segundo
semestre de 2023 — outra porta aberta para o aliciamento pelas facções
criminosas, por meio da ajuda às famílias. Não foi por acaso que Primeiro
Comando da Capital e Comando Vermelho, as duas maiores facções brasileiras que
recentemente firmaram uma trégua, foram criados dentro de presídios. Ambas
mantêm controle de penitenciárias e atuam no tráfico interno e externo de
drogas. Foram e ainda são ajudadas pelas más condições das penitenciárias
brasileiras, resultado da omissão do Estado brasileiro.
Exploração de poços subterrâneos ameaça
recursos hídricos do Brasil
O Globo
Mais da metade dos rios tem perdido água para
o subsolo, com risco de comprometer sua vazão, diz estudo
A fartura de recursos hídricos no Brasil
transmite a impressão de que a água, necessária para gerar energia e conservar
os ecossistemas, é inesgotável. Mas é uma impressão falsa. Um estudo de
cientistas da USP em conjunto com pesquisadores americanos, publicado na
revista científica Nature Communications, mostrou que mais da metade dos rios
brasileiros tem perdido água para o subsolo, com risco de comprometer sua
vazão. Além dos riscos ao abastecimento das cidades e ao equilíbrio dos
ecossistemas, a exploração sem controle das águas subterrâneas pode provocar
afundamento do solo, afetando a infraestrutura, com colapso de superfícies e
surgimento de crateras.
De um total de quase 18 mil poços artesianos
analisados em todo o país pelos pesquisadores, 55,4% apresentam nível de água
subterrânea abaixo da superfície do riacho mais próximo. Isso sugere que a água
dos rios se infiltra no subsolo, afetando a vazão e podendo levar ao
esgotamento progressivo. A infiltração é natural. Contribui para recarregar os
reservatórios subterrâneos e auxiliar no fluxo dos rios nos períodos de
estiagem. Mas, quando ocorre de forma desequilibrada, com a exploração
indiscriminada de poços, pode acarretar a redução da vazão. O problema é
agravado por fatores como desmatamento e compactação do solo para atividades
agrícolas ou urbanização.
Não se trata apenas de ameaça para o futuro.
O estudo mostra que o problema dos “rios perdedores”, observado em países como
Índia e Estados Unidos, já aflige o Brasil. Na Bacia do São Francisco, 61% dos
rios analisados correm risco de perda de vazão devido à infiltração. Na do
Verde Grande, afluente do São Francisco, o quadro é ainda pior: 74% dos cursos
d’água podem ser afetados. A situação é crítica também na região conhecida como
Matopiba (formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), fronteira agrícola
onde a expansão da agricultura irrigada aumentou o uso da água subterrânea.
Autoridades deveriam seguir as sugestões dos
cientistas para evitar o agravamento do problema. Uma delas é integrar a gestão
das águas na superfície e no subsolo. Outra é monitorar constantemente os poços
e o nível dos rios, de modo que a exploração não ultrapasse os limites
sustentáveis. Além disso, eles recomendam o uso de sistemas de irrigação que
reduzam o desperdício e investimentos em pesquisas e tecnologia que permitam
gestão mais eficiente dos recursos hídricos.
O uso de poços, especialmente em regiões
áridas, é fundamental para a agricultura e, consequentemente, para a população
brasileira, ao aumentar a oferta de alimentos. Mas é preciso manter equilíbrio
para não afetar a vazão dos rios, prejudicando quem se pretende beneficiar.
Para isso, é essencial ter um sistema regular de monitoramento. Outros
problemas podem reduzir a vazão dos rios, como secas extremas em decorrência
das mudanças climáticas. Isso ficou evidente em 2024 no Amazonas. A associação
dos efeitos do aquecimento global à superexploração das águas subterrâneas pode
ter consequências catastróficas.
Guerras mudam mapa do gasto militar global
Folha de S. Paulo
Despesa com Forças Armadas, de 1,94% do PIB
em 2024, é a maior desde a Segunda Guerra, puxada por EUA, China e Rússia
Desde que a Rússia de Vladimir
Putin enviou seus tanques através da fronteira ucraniana, na invasão
que completará três anos no próximo dia 24, o mundo tornou-se cada vez mais uma
praça de armas.
O investimento dos países em defesa saltou de
1,59% do PIB planetário
em 2022 para 1,80% no ano seguinte e 1,94%, no passado. Nunca, desde a Segunda
Guerra Mundial, gastou-se tanto com Forças
Armadas.
Os
dados sobre a despesa militar global, relatados anualmente pelo britânico
Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, permitem também vislumbrar as
mudanças no mapa bélico.
A Europa, berço
das duas guerras mundiais, é o exemplo mais gritante, obra da insegurança
gerada pela agressão russa que Donald Trump parece
querer recompensar com sua
proposta de negociar a paz com Putin.
Lá, a Alemanha rompeu
com pruridos pelo passado e abriu o bolso. Passou de sétimo para quarto maior
investidor em defesa do mundo, despendendo US$ 86 bilhões em 2024, 23,2% a mais
do que em 2023.
Pela primeira vez desde a Guerra Fria,
irá gastar mais com armamentos que os 2% do PIB recomendados pela Otan, a aliança
militar liderada pelos EUA.
Ainda assim, mantém-se longe da campeã
continental, a Polônia com
seus 4,12% do produto aplicados em defesa —e em 15º lugar no ranking britânico
de valores absolutos, subindo cinco posições em quatro anos.
A Ucrânia sob
ataque gastou os mesmos US$ 28,4 bilhões, mas nesse caso a maior parte vem da
ajuda militar externa. É o país com maior gasto mundial em relação a seu PIB,
15,4%.
O caso polonês aponta também para a
internacionalização da defesa: o país se tornou um dos principais clientes da
indústria da Coreia do Sul —aliás
10º posto.
Logo acima da dupla do Leste Europeu está
outra novidade geopolítica, Israel. Afundado
nas guerras decorrentes do ataque do Hamas em
2023, o Estado judeu investiu US$ 33,7 bilhões no setor, estimulando sua
indústria e fornecedores americanos.
Outros atores aparecem mais discretamente do
ponto de vista nominal, mas com aporte pesado. Caso da Argélia, com
8,6% do PIB, que acaba de se converter na primeira cliente externa da nova
geração de caças russos.
No topo da lista estão as maiores potências
militares. Em terceiro está a Rússia, com 6,7% do PIB gastos no setor. Ajustada
pelo poder de compra da moeda, sua despesa equivale à de todos os 30 países
europeus da Otan.
O colosso chinês vem em segundo lugar.
Despende nominalmente, contudo, pouco mais de um quinto do quase US$ 1 trilhão
dos campeões Estados
Unidos.
A maior potência da história gastou em um
único dia quase o dobro do que o Brasil investiu em defesa —pessoal e custeio à
parte— no ano passado. Na periferia da geopolítica, os brasileiros seguem
tímidos, tendo caído para o 17º lugar no ranking.
Nhenhenhém contra o Ibama
Folha de S. Paulo
Pressão de Lula para autorizar prospecção de
petróleo na foz do Rio Amazonas conflita com autonomia de órgãos de Estado
O baixo teor republicano das convicções de
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) sobre
instituições de Estado revela-se em suas falas sobre extração de petróleo e
gás ao largo da foz do Rio Amazonas.
O presidente exige que o Instituto Brasileiro
do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se curve
aos planos do governo de turno, em atropelo à missão precípua do órgão.
Durante entrevista em Macapá (AP)
na quarta-feira (12), Lula defendeu perfurações prospectivas na chamada margem
equatorial: "Se depois a gente vai explorar, é outra discussão. O que não
dá é para a gente ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo
que é um órgão contra o governo".
Por óbvio, os bens tutelados pelo Ibama são
recursos naturais renováveis, não combustíveis fósseis. Mas cabe a ele promover
estudos sobre o impacto ambiental de atividades poluidoras, como a indústria
petroleira, e fazer
recomendações técnicas para licenciar, ou não, empreendimentos.
A região costeira do Amapá, que fica próxima
às áreas petrolíferas em questão, tem alta produtividade biológica.
Caracteriza-se por extensos manguezais, locais de reprodução e sustento de
diversas espécies de peixes, crustáceos, aves e mamíferos.
Esses ecossistemas são sensíveis a
derramamentos de óleo que podem ocorrer em plataformas oceânicas. Um dos piores
foi o da Deepwater Horizon no Golfo do México, em 2010, que chegou a vazar 1,3
milhão de litros de petróleo cru por dia e espalhou uma mancha de 1.500 km²,
que alcançou a Louisiana e o Texas.
A Deepwater estava a menos de 100 km da
costa, já o bloco 59 da margem equatorial se encontra a mais 160 km de Oiapoque
(AP). Cabe realizar investigação detalhada de correntes oceânicas para simular
a probabilidade de um vazamento chegar ao litoral brasileiro ou da Guiana
Francesa.
Ademais, há que delinear protocolo em caso de
acidentes. Não se trata só de fazer operações midiáticas para resgate de
animais cobertos de piche, mas de projetar a contenção da mancha e o salvamento
da tripulação na plataforma, entre outras providências —considerando que os
centros urbanos com boa infraestrutura estão a centenas de quilômetros.
O processo é complexo, e por isso se impõe dar ao Ibama a latitude de ação necessária para emitir parecer técnico lastreado na melhor informação. Ao acusar o instituto de ser contra o governo, Lula exibe mais voluntarismo do que apreço pela independência de órgãos de Estado, aos quais cabe zelar pelo bem público.
O diabo à espreita
O Estado de S. Paulo
Com Lula enfrentando a maior impopularidade
já registrada em seus mandatos e sem ideias novas, resta ao lulopetismo aplicar
a máxima de Dilma e ‘fazer o diabo’ para ganhar a eleição
Pesquisa Datafolha divulgada anteontem
mostrou uma queda significativa na popularidade do governo do presidente Lula
da Silva: 41% dos brasileiros o avaliam negativamente, enquanto apenas 24% o
veem de forma positiva. Foram 11 pontos de queda em apenas dois meses, um tombo
inédito, segundo o Datafolha, se comparados os três mandatos do petista,
confirmando tendência já detectada em janeiro pela Quaest. O declínio é ainda
maior justamente entre as pessoas que votaram em Lula: 20 pontos porcentuais.
Mas a notícia mais dura para o presidente e o PT é que a queda foi puxada pelos
eleitores que até outro dia eram considerados cativos do lulopetismo, isto é,
as mulheres, os negros, os nordestinos, os mais pobres e os menos
escolarizados.
Tais dados não assombram apenas o
lulopetismo. Afinal, trata-se da expressão, em números, de incômodos que se
aprofundam em parte significativa do País. A base que elegeu Lula em 2022 está
frustrada e descontente. A franja da base, isto é, setores que compunham a
chamada frente ampla (liberais sociais, progressistas moderados, empreendedores
individuais, eleitores não petistas que votaram nele por rejeitar o
bolsonarismo), já demonstra insatisfação há meses. Esses movimentos se dão
enquanto se constata que o governo é uma soma de atos e resultados medíocres,
de uma equipe ministerial disforme e de qualidade duvidosa e de um comando sem
clareza de propósitos.
Importam menos, nesse caso, indicadores
oficiais positivos, como emprego em baixa e crescimento do PIB em alta, se tais
índices não se traduzem em renda suficiente para enfrentar a carestia,
sobretudo dos alimentos. O que importa de verdade é que Lula venceu a eleição
prometendo picanha e cerveja a preços módicos e não está entregando. Pior, não
aparenta ter a menor ideia do que fazer. Não tem um plano nem ideias novas. Só
faz reclamar dos outros: do dólar que subiu, dos juros que não caem, dos
empresários que não pagam bons salários.
Exegetas do Palácio do Planalto nem sequer
podem argumentar que mudanças em curso trarão benefícios no longo prazo. Seria
o caso da agenda climática, de mudanças estruturais na educação ou de avanços
reais na saúde. Mas Lula não tem como recorrer a esse argumento, pois pouco ou
nada tem a exibir nessas frentes. Com efeito, o governo recorre a culpados
externos – as fake news, a especulação do mercado financeiro,
Donald Trump, a imprensa. E assim, aos poucos, mais do que um quadro de malaise,
a insatisfação parece configurar-se como rejeição de fato, uma inquietação cada
vez mais aguda com os rumos da gestão. E o mais grave: a percepção de que não
só Lula não vem cumprindo promessas de bem-estar, como não tem a menor ideia do
que propor ao País.
O pensamento rupestre do PT faz o terceiro
mandato se concentrar não na atualização das ideias e iniciativas de governo
para atender a novas demandas da população. O elixir lulopetista segue a
prescrição do passado, com a conjugação de programas sociais, benefícios de
transferência de renda (atualizados sob a forma do Pé-de-Meia, por exemplo),
dirigismo na economia, nenhuma atenção a microrreformas que favoreçam o mundo
empreendedor e altíssima atenção à militância esquerdista. O resultado é um
nível baixíssimo de avaliação líquida, hoje -17 (o saldo entre os 24% que o
avaliam positivamente e os 41% que o veem de forma negativa).
Ainda é cedo para dizer se Lula está diante
de um fracasso circunstancial ou definitivo. No início do terceiro ano do seu
mandato, Jair Bolsonaro exibia -9 de avaliação líquida e quase venceu em 2022.
A situação atual é mais grave, mas ainda assim se trata de Lula, um
inquestionável líder popular e um prestidigitador experiente na arte eleitoral.
Entretanto, indo a sua popularidade ladeira abaixo, pressionado por resultados
imediatos e engolfado pela falta de ideias, Lula pode se sentir tentado a
aplicar desde já a famosa máxima de Dilma Rousseff, segundo a qual, em eleição,
“a gente faz o diabo”.
É onde mora o perigo. Consta que uma ala do
PT já pede uma guinada à esquerda – como se o atual governo, perdulário e
estatista, já não estivesse suficientemente lá. Mas é claro que, sendo vermelho
o diabo, sempre é possível ir além.
A COP-30 não é festa
O Estado de S. Paulo
Atraso no anúncio de novas metas climáticas e
agenda complexa de negociações antes e durante o evento desabonam qualquer
tentativa de dar à conferência de Belém um clima de festa
A nove meses da Conferência do Clima das
Nações Unidas (COP-30), em Belém, apenas 10 entre 197 países apresentaram suas
novas metas de cortes de emissões de gases de efeito estufa, segundo divulgado
recentemente pelo grupo científico internacional Climate Tracker. A atualização
desses objetivos, chamados NDCs (a sigla em inglês para Contribuição
Nacionalmente Determinada), era prevista para os signatários do Acordo de
Paris, pacto destinado a ajustar os esforços a fim de mitigar os efeitos das
mudanças climáticas no planeta. Não é algo mandatório nem o seu atraso é
passível de punição, portanto a ONU deve estender o cronograma. Entretanto, o
balanço oferece uma boa medida do desafio em formação no horizonte.
Só a constatação do tamanho do dever de casa
a ser feito até novembro – quando Belém receberá negociadores, lideranças
políticas, organizações da sociedade civil, ambientalistas, jornalistas,
lobistas e representantes dos 197 países que compõem a Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) – já deveria ser suficiente
para dizer com todas as letras: a COP-30 não é uma grande festa, um espaço
midiático, uma feira de negócios ou um festival de oba-oba cultural e
simbólico. É, isso sim, um processo multilateral complexo, que envolve
realidades e interesses distintos e que depende de um esforço gigantesco de
todos os países para produzir resultados úteis para o futuro do planeta.
Como costuma lembrar a ministra do Meio
Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a gravidade da era dos eventos
climáticos extremos não deixa espaço para um clima de festa. Que ela então
convença o seu chefe, o presidente Lula da Silva, e demais autoridades
envolvidas na “COP da floresta”. Porque não faltam sinais de uma visão ainda
torta sobre o seu significado – inclusive do governo do Pará, anfitrião do
encontro.
Noves fora o simbolismo de ser realizada em
plena Amazônia, a oportunidade não é difundir a região como destino turístico,
tampouco satisfazer o desejo de Lula da Silva de ser reconhecido como o
salvador do planeta, ou ainda aumentar a musculatura política de ninguém por
seu eventual sucesso, incluindo Marina, o governador do Pará, Helder Barbalho
(MDB), ou políticos assumidamente negacionistas.
É significativa também a preocupação sobre as
dificuldades de infraestrutura e logística que Belém apresenta, tema explorado
pelo presidente Lula nos últimos dias. Durante agenda para entregar unidades
habitacionais, ele disse que não iria “enfeitar” a cidade e sugeriu que as
pessoas durmam ao ar livre se não houver hotéis suficientes. Convém lembrar que
dificuldades de infraestrutura foram comuns em outras conferências, sobretudo
pelo seu crescente tamanho. A primeira COP, realizada em Berlim, na Alemanha,
em 1995, contou com a participação de 3.900 pessoas. Era um tempo de
conferências mais restritas, pouca participação da sociedade civil e baixa
atenção da mídia. Mas na última, no Azerbaijão, foram mais de 40 mil presentes.
E nem foi a maior: no ano anterior, 70 mil pessoas estiveram na COP-28, em
Dubai.
Os maiores desafios, porém, não se concentram
na disponibilidade de hotéis ou na programação cultural paralela, como se viu
nos delírios paralelos à reunião do G-20, no Rio, em que repercutiu mal o
conjunto de eventos organizados pela primeira-dama Janja da Silva. Eles
abrangem complexas negociações prévias que ocorrem antes de a Conferência
começar oficialmente, ainda mais com o fator Donald Trump na Casa Branca.
A timidez da COP-29 deixou sobre Belém uma
tarefa dupla gigantesca. De um lado, resgatar a credibilidade das negociações
climáticas, em parte desmoralizadas pela implementação lenta da UNFCCC, que
completa 33 anos, e do Acordo de Paris, que faz dez anos. De outro, resolver o
que a anterior não resolveu, o que inclui aperfeiçoar o mecanismo de
financiamento climático, dar um passo na direção dos indicadores que nortearão
os planos nacionais de adaptação à mudança do clima e, claro, discutir se as
metas, em conjunto, são compatíveis com o objetivo de conter o aquecimento
global.
Eis por que alguns têm definido a COP-30 como
a “COP dos resultados” ou a “COP da implementação”. São atributos que
decididamente não combinam com a sensação de que o Brasil sediará uma Copa do
Mundo.
‘Almoço grátis’ na Justiça do Trabalho
O Estado de S. Paulo
Após STF e TST afrouxarem a reforma
trabalhista, volume de ações voltou a subir, superando 2 milhões em 2024
Em um flagrante retrocesso, o número de novas
ações na Justiça do Trabalho superou a marca de 2 milhões no ano passado. Foi a
primeira vez que isso aconteceu desde que a reforma trabalhista entrou em vigor
no País, há pouco mais de sete anos. Essas alterações legislativas visavam,
entre outros objetivos, à modernização da relação capital-trabalho e à
diminuição da judicialização trabalhista, considerada um dos fatores que inibem
os investimentos no Brasil.
A redução no número de processos foi um dos
primeiros efeitos visíveis da reforma. A quantidade de ações passou de 2,6
milhões, em 2017, para 1,7 milhão, em 2018, e manteve tendência de queda até
2020. Esse encolhimento se deu em razão de dispositivos reformados para dar
mais racionalidade aos processos, entre eles o regramento da justiça gratuita e
o pagamento de honorários de sucumbência, devidos pela parte derrotada ao
advogado da parte vencedora.
Ao aprovar a reforma, o Congresso tentou dar
fim à chamada litigância aventureira, que ocorre quando a Justiça é acionada
mesmo quando não há direito algum a ser pleiteado ou quando se fazem pedidos
exorbitantes em relação àquilo que é de fato devido. Com medo da derrota,
muitos trabalhadores contiveram o ímpeto de pedir o que bem lhes convinha.
Porém, uma decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), de 2021, começou a mudar essa realidade ao definir que o
trabalhador beneficiário de justiça gratuita e derrotado no processo não era
mais obrigado a arcar com a sucumbência, como definia a lei. Para Rogério
Neiva, juiz do Trabalho, ex-auxiliar da vice-presidência do Tribunal Superior
do Trabalho (TST) e especialista em métodos de conciliação, isso explica o
aumento da litigância, haja vista que “o custo é zero” para essa parcela dos
trabalhadores. Segundo ele, “a situação voltou ao cenário anterior à reforma
trabalhista, de almoço grátis”.
Para piorar, em 2024 o TST decidiu que o juiz
deve conceder o benefício de justiça gratuita automaticamente a quem
solicitá-lo. Para tanto, basta uma mera declaração de pobreza. Antes, a lei
definia que o juiz poderia conceder esse benefício a quem ganhasse salário
inferior ou igual a 40% do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
devendo o trabalhador com vencimentos acima desse valor comprovar sua
insuficiência financeira. Agora, no entanto, cabe ao empregador atestar que o
litigante pode bancar o processo, em uma nítida subversão do espírito da
reforma. Assim, um dos pilares da nova CLT ruiu, e aí estão os números para
comprovar. Os 2.117.545 novos processos representaram um aumento de 14,1% em
relação a 2023.
A sanha do Judiciário de ora reescrever a
lei, ora chancelá-la, mostra que, desde a sua promulgação, a reforma
trabalhista dá dois passos para a frente e um para trás. Com isso, as regras
que propunham colocar o País no presente e torná-lo apto a enfrentar o futuro,
deixando no passado ranços da CLT, patinam em virtude da jurisprudência
flutuante e, não raro, conflitante com aquilo que fora aprovado pelo Congresso.
Sem segurança jurídica, tão necessária para a previsibilidade e estabilidade dos negócios, perdem empregadores, empregados e o País.
A nova ordem norte-americana
Correio Braziliense
O governo brasileiro pouco pode fazer, exceto
juntar-se ao repúdio internacional às ações intempestivas da política externa
norte-americana
A nova ordem norte-americana, estabelecida
nas últimas semanas pelo governo de Donald Trump, constitui um ataque frontal
ao multilateralismo. São graves e relevantes os fatos ocorridos recentemente:
guerra comercial até com aliados históricos; tratativas bilaterais na Ucrânia e
em Gaza; isolacionismo em problemas globais, como emergência climática e
inteligência artificial; desligamento da Organização Mundial da Saúde;
congelamento de verbas para a Assistência Internacional ao Desenvolvimento
(Usaid). Essas ações põem em xeque o sistema internacional construído desde a
Segunda Guerra Mundial e representam um desafio adicional à diplomacia
brasileira, que será testada em diversas frentes.Desde 20 de janeiro, quando
assumiu a chefia da Casa Branca, Donald Trump tem arrostado o establishment
formado pelo consenso das nações ao longo de décadas.
O presidente norte-americano busca cumprir a
promessa eleitoral de resgatar uma supremacia norte-americana, resumida na
sigla Maga (Make America Great Again - Faça a América grande novamente, em
tradução livre). Dada a importância dos Estados Unidos nas mais relevantes
questões globais, a ofensiva trumpista afeta diretamente situações centrais,
como a estabilidade política na Europa e no Oriente Médio, a cotação do dólar
no mercado mundial, o fluxo comercial na economia global, a sustentabilidade do
planeta. Corretamente, o presidente Lula afirmou que o governo brasileiro
adotará o princípio da reciprocidade se os EUA avançarem no choque tarifário.
Foi o mesmo tom empregado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, e pelo primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, para citar apenas
algumas reações de líderes mundiais.
O tensionamento nas transações internacionais
coloca em xeque conquistas relevantes, como o Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio (Gatt), assinado em 1947, e a própria Organização Mundial do Comércio,
entidade que conta com a adesão de mais de 160 países. Nesse capítulo
particular, a diplomacia brasileira precisará atuar em ao menos três frentes.
Em primeiro lugar, será necessário abrir uma negociação bilateral com o governo
norte-americano, a fim de evitar a sobretaxa sobre itens importantes na balança
comercial entre os dois países, como o aço, o alumínio e o etanol.
Paralelamente, será preciso envidar esforços para reabilitar a OMC e o
cumprimento de regras consagradas por acordos gerais de livre-comércio. Por
último, torna-se ainda mais estratégica a busca por alternativas em outras
parcerias comerciais, a fim de compensar as medidas protecionistas lançadas
pela Casa Branca. Em relação à segurança global, desestabilizada pelos
conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, o Brasil tem poder de influência limitado.
A interferência direta de Donald Trump nas negociações de paz na Ucrânia, deixando de lado a União Europeia, bem como o anúncio do plano de retirada dos palestinos da Faixa de Gaza são ações muito graves. Mas o governo brasileiro pouco pode fazer, exceto juntar-se ao repúdio internacional às ações intempestivas da política externa norte-americana. Além de ameaçar o sistema multilateral construído em resposta a conflitos capazes de varrer a humanidade do planeta, os Estados Unidos de Donald Trump reivindicam um novo posto no cenário internacional. O vice-presidente deu o tom na última sexta-feira, em reunião de cúpula na Europa: "Há um novo xerife na cidade". Trata-se de uma declaração de força, com consequências políticas e econômicas de extensão global. O mundo enfrentará tensões e incerteza, e o Brasil precisa se preparar.
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