Folha de S. Paulo
Se a sigla não sobreviver, a política
brasileira pode se reduzir à disputa entre o partido do furto e o do assalto à
mão armada
O Partido dos Trabalhadores completou 45 anos
de idade semana passada. Já escrevi um livro dizendo o que acho de sua história
até aqui: em resumo, você pode não achar as propostas do PT boas, mas
tem que aceitar que o
PT foi ótimo para a democracia brasileira. Discordar disso é desistir de
conversar com os fatos.
Mas qual o futuro do PT? O partido sobreviveu a uma crise que parecia fatal entre 2015 e 2018 e ajudou a salvar a democracia brasileira elegendo Lula em 2022. Mas sua sobrevivência como legenda relevante não está garantida.
Os principais desafios diante do Partido dos
Trabalhadores são consequência de mudanças da sociedade brasileira nas últimas
décadas. O Brasil se tornou um caso clássico do que o economista Dani Rodrik
chamou de desindustrialização prematura: deixamos de ser industrializados antes
de nos tornarmos ricos. A desindustrialização dificulta a formação de partidos
operários clássicos, como o PT parecia destinado a ser em sua origem.
Os petistas se adaptaram a esse novo quadro
graças às políticas de transferência de renda, cotas raciais e aumentos do
salário mínimo. Deu muito certo, e o PT se tornou um grande vencedor de eleições presidenciais.
Mas as cotas e as transferências de renda
viraram parte do repertório normal da política brasileira: nem Bolsonaro ousou
acabar com as cotas, e sua única política pública realmente popular —o auxílio
emergencial— era uma homenagem involuntária aos petistas, em especial Eduardo
Suplicy.
Com o tempo, essas políticas vão deixando de
ser um diferencial petista. E os aumentos do mínimo, com seu impacto fiscal
decorrente das vinculações de benefícios sociais, podem se tornar mais
difíceis.
O PT também precisa lidar com a virada à
direita no ambiente ideológico dos próximos anos. Vai ter que discutir com a
nova classe trabalhadora do empreendedorismo popular, vai ter que mediar
conflitos culturais difíceis.
São tarefas complexas, mas o PT conta com
algo importante a seu favor: a facção Jair-Malafaia jamais entregou qualquer
política pública concreta que resolvesse os problemas dessa nova classe
trabalhadora em disputa. A direita está muito mais entusiasmada que a esquerda,
mas não é porque tenha descoberto soluções para o que quer que seja.
Finalmente, o PT vai ter que lidar com a
grande reformulação da política brasileira nas últimas décadas: desde a reforma
política de 2017, a direita está construindo máquinas políticas cada vez mais
poderosas.
O PT propôs reformas parecidas em seus
governos anteriores. Se o PSDB tivesse
topado, não estaria prestes a desaparecer. Infelizmente, a reforma aconteceu
exatamente no momento em que o centrão reinava absoluto após vencer a batalha
da Lava Jato.
Se o PT não conseguir se consolidar entre
essas grandes legendas, a política brasileira pode se reduzir à disputa entre o
partido do furto (o centrão) e o partido do assalto à mão armada (o
bolsonarismo). Parece cada vez mais claro que esse quadro só será evitado por
uma federação de esquerda mais ampla. Talvez até, como em 1994, uma esquerda
forte ressuscite a direita decente.
Enfim, 45 anos depois, os desafios
enfrentados pelo Partido dos Trabalhadores continuam parecidos com os
enfrentados pela democracia brasileira.
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