O Globo
Enquanto STF decide ainda sobre crimes
cometidos na ditadura, a oposição quer anistia dos golpistas de 8 de janeiro,
que sequer foram julgados
O Brasil está discutindo duas anistias ao mesmo tempo. Uma por ser lento, e outra por ser precipitado. Parece contraditório, mas o país é assim. O STF formou maioria para decidir se o crime continuado, como ocultação de cadáver, também foi perdoado pela Lei de Anistia de 1979. A direita, por sua vez, tenta esquentar o debate em torno de uma anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, mesmo que o processo nem tenha terminado. Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal pode receber a primeira parte da denúncia do procurador-geral da República contra os integrantes do comando do ato golpista. Um debate, a respeito dos crimes da ditadura de 1964, o país já deveria ter travado há muito tempo. O outro chega antes da hora, porque os mandantes nem foram julgados.
A oposição tem dito que pessoas que cometeram
atos sem gravidade no 8 de janeiro estão sendo condenadas a penas exageradas.
Não é isso que dizem os números. Das pessoas que foram presas e indiciadas, 527
fizeram acordos de não persecução penal e cumprem penas alternativas. Esses
acordos estão homologados. Foi oferecido acordo para quem estava acampado nos
quartéis e não para quem quebrou as sedes dos Três Poderes. Dos condenados, 228
foram por crimes graves, e 147 por crimes leves e cinco pessoas foram absolvidas.
Muitos processados por crimes leves se recusaram a fazer acordo. Há 78 presos
provisórios, 70 presos definitivos e 7 presos em prisão domiciliar. Das 1552
ações penais, 459 são por crimes graves, e 1093 por crimes leves.
O que todos esses números dizem em poucas
palavras? Não é verdade que estejam sendo misturados os que cometeram atos sem
gravidade e os que invadiram, quebraram, vandalizaram o bem público. Há
critérios, individualização de culpa, e acordos com os réus de crimes leves. A
campanha da oposição não mira, como se sabe, os réus presos na execução dos
atos. Quer proteger Jair
Bolsonaro e outros comandantes que devem ser denunciados em breve pela
Procuradoria-Geral da República. Não estão preocupados em reparar eventuais
injustiças, mas com a eleição de 2026. Quanto mais a aprovação do
presidente Lula cai,
mais pressão se faz por essa anistia para quem ainda nem foi julgado pelos
crimes que cometeu.
A defesa do ex-presidente disse que usará as
palavras do ministro da Defesa, José
Múcio Monteiro, para provar que ele não conspirou pelo golpe. No Roda Viva,
Múcio disse que teve que pedir ajuda a Jair Bolsonaro para ser recebido pelos
comandantes das Forças Armadas quando já estava indicado ministro. O ministro
tem contado isso a vários interlocutores desde que assumiu o cargo. Mas o fato
não prova a inocência do ex-presidente e sim o oposto. A conspiração tinha ido
tão fundo que havia comandante militar se negando a respeitar o ministro
escolhido pelo presidente eleito. Quem assim procedeu, como o almirante Almir
Garnier Santos, deu provas de que era leal a Bolsonaro e não à Constituição
do Brasil. Fato que só acontece em ambiente deteriorado pelo golpismo.
Outro debate de anistia ocupa a agenda
brasileira, o que se refere aos crimes cometidos pelos militares na ditadura
militar. Em 2010, a maioria do STF disse que nada poderia ser rediscutido em
relação às torturas e mortes cometidas por agentes do Estado, porque os crimes
foram anistiados em 1979. Uma meia verdade jurídica. Aquela anistia era para
perseguidos políticos e nela a ditadura impôs o perdão para os seus
torturadores e assassinos. Na semana passada, o STF avançou nessa questão,
formando maioria para reconhecer a repercussão geral de um processo que discute
se ocultação de cadáver está incluída na Lei de Anistia.
O ministro Flávio Dino esclareceu que esse
crime continua sendo cometido, dado que o corpo não apareceu. O caso envolve
desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Na sexta-feira, outra frente foi aberta
em casos de relatoria do ministro Alexandre
de Moraes. Moraes votou pela repercussão geral. Envolve três processos, um
deles o do ex-deputado Rubens Paiva.
Se o STF decidir que crimes continuados não
podem ser anistiados — algo que parece evidente —, estará promovendo justiça,
ainda que tardia. Se os políticos da direita e do centrão fizerem um acordão
para aprovar a anistia no meio de um processo que só agora chega aos líderes,
estarão se precipitando e abrindo a porta para novos ataques à democracia
brasileira.
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