O Estado de S. Paulo
Trump ordenou a suspensão da lei antissuborno, com a desculpa de que isso significará mais negócios para os EUA
Após o escândalo de Watergate, o Congresso
americano decidiu enfrentar o tema sabido da corrupção de agentes políticos ou
administrativos no exterior, como forma de obter ou manter negócios.
Lembra Mike Koehler ( The story of FCPA Act)
que a Gulf Oil fez contribuições para a campanha política do presidente da
República da Coreia; Northrop realizou pagamentos a general da Arábia Saudita;
a Exxon e a Mobil Oil deram dinheiro a partidos políticos italianos. Por fim,
Lockheed fez pagamentos ao primeiro-ministro japonês Tanaka e ao príncipe
Bernhard – inspetor-geral das Forças Armadas holandesas e marido da rainha
Juliana, dos Países Baixos.
Os pagamentos foram feitos para ganhar vantagens, especialmente na obtenção ou manutenção de contratos governamentais ou para influenciar qualquer ato ou decisão de funcionário estrangeiro.
De 1975 a 1977 foram realizadas audiências no
Senado acerca da edição de lei incriminando a corrupção de autoridades
estrangeiras. D. J. Haughton, presidente do conselho da Lockheed Aircraft
Corporation, depondo no Senado, disse: “Parecia ser necessário efetuar tais
pagamentos para competir com sucesso em muitas partes do mundo, sob pena de
perda de competitividade”.
Como bem ressaltam Lee C. Buchheit e Ralph
Reisner (Why Has the FCPA Prospered?), o Congresso sabia que a proibição do
suborno colocaria empresas dos EUA em desvantagem competitiva com os seus
homólogos estrangeiros, mas prevaleceu a busca do objetivo maior de promover
relações internacionais transparentes.
Empresários também observaram que a proibição
de pagamentos a funcionários de governos estrangeiros ajudaria as empresas a
resistir às exigências de suborno em muitos países.
O senador Frank Church, presidente da
comissão encarregada de estudo da proibição de suborno, de forma exata disse:
“Há um amplo consenso de que o pagamento de subornos para influenciar decisões
de negócios corrói a livre-iniciativa. O suborno provoca um curto-circuito no
mercado. Onde os subornos são pagos, não prevalece o produtor mais eficiente,
mas o mais corrupto”.
O senador Proxmire, por sua vez, destacou que
com o suborno se tem custo mais elevado por produto de qualidade inferior. Para
o senador Williams, há com o suborno uma interferência prejudicial ao país,
pois mancha sua imagem e a dos empresários norte-americanos, minando objetivos
importantes da política externa.
Para o presidente Ford, a prevenção e a
repressão ao suborno de autoridades estrangeiras permitiriam que os EUA dessem
exemplo vigoroso ao comércio, a parceiros e a concorrentes, quanto à
necessidade imperiosa de acabar com práticas ilícitas na obtenção de negócios.
Assim, era necessário que disposições antissuborno, como a do FCPA Act (Lei de
Práticas Corruptas no Exterior), fossem aplicadas a cidadãos e corporações dos
EUA, bem como a empresas estrangeiras cujos títulos estejam listados em bolsa
nos EUA.
Na visão do presidente Carter, o suborno é
eticamente repugnante e competitivamente desnecessário, além de minar a
integridade dos governos. Assim, o FCPA Act, editado em novembro de 1997,
exige, como prevenção, que se mantenham livros e registros precisos, bem como
rigorosos controles contábeis, combinando à corrupção sanções civis aplicáveis
pela Comissão de Valores Imobiliários (SEC) e criminais pelo Departamento de
Justiça (DOJ).
O FCPA influenciou organismos internacionais,
que assumiram a mesma orientação, gerando normativas de repressão ao suborno de
autoridades estrangeiras, tais como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI). Houve desde 1997 investigações e punições de graves atos
de corrupção, inclusive relativos ao Brasil.
Todavia, nos primeiros dias de mandato,
Donald Trump ordenou ao Departamento de Justiça suspender a aplicação da Lei
Antissuborno, o FCPA, com a seguinte desculpa: “Isso significará muito mais
negócios para a América”; “Parece bom no papel, mas na ( prática) é um
desastre”; “Isso significa que, se um americano vai a um país estrangeiro e
começa a fazer negócios lá legalmente, legitimamente ou de outra forma, é quase
uma garantia de investigação, indiciamento e ninguém quer fazer negócios com os
americanos por causa disso”.
Para funcionário da Casa Branca, a “segurança
nacional do país depende de a América e suas empresas obterem vantagens
comerciais estratégicas ao redor do mundo”. O funcionário acrescentou: “O
presidente Trump está interrompendo a aplicação excessiva e imprevisível do
FCPA que torna as empresas americanas menos competitivas”.
No momento em que a luta contra a corrupção
em favor da integridade alcança âmbito mundial, com a implementação dos fatores
ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês), lançados pelo
então secretário-geral da ONU Kofi Annan por via do Pacto Global, Trump
despreza os argumentos tão incisivamente trazidos na discussão do FCPA Act
contra a permissão da desonestidade para ganho competitivo, e agora visa a
consagrar a ilicitude, que trará negócios para a América. Grana acima de tudo.
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