sábado, 1 de março de 2025

Os próximos quatros anos - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O grande acordo a ser perseguido é aquele a ser assinado com Pequim. Trump quer criar um G2. Um pacto entre os novos donos do mundo

Faltam três anos e 11 meses para que o governo Trump termine. Ao longo desse período, o bronzeado político norte-americano vai causar muitos estragos nos Estados Unidos — onde está promovendo o desemprego em massa de funcionários públicos — e no exterior, por intermédio de suas sobretaxas aplicadas sem qualquer critério ou negociação prévia. Ele não quer saber das consequências. É o cowboy norte-americano correndo pelas pradarias, matando índios, invadindo países, expulsando comunidades inteiras para construir hotéis de luxo, como sonha fazer em Gaza, em nome da reafirmação da importância do capital. O negócio é fazer dinheiro. O Deus é o dólar.

Esse confuso processo de governar mistura o particular com o público. Trump não mostrou ter qualquer tipo de projeto político ou econômico. No curto prazo, suas medidas econômicas vão resultar em inflação interna, o que vai impactar a economia mundial. No capítulo da política, ele apenas projeta o poder dos Estados Unidos, uma espécie de big stick renovado por mísseis carregados de ogivas nucleares e 11 porta-aviões com capacidade de ataque maior que quase todos os países do mundo, exceto China. Ele ameaça, blefa e espera que o oponente evite o confronto.

Mas, no caso brasileiro, a política externa norte-americana, que nunca foi brilhante, misturou lamentavelmente os dois temas, o particular e o público. A decisão de atacar o ministro Alexandre de Moraes por proibir a plataforma de vídeos Rumble de operar no Brasil é estapafúrdia. Ainda mais com a nota distribuída pelo Departamento de Estado, órgão que tem obrigação de conhecer os fatos. Confissão pública e constrangedora de desinformação ou da informação tendenciosa. A pressa dos setores radicais nos Estados Unidos em influenciar a política no continente. O Brasil sofreu muito com a influência dos Estados Unidos no golpe de 64. Os torturadores brasileiros foram treinados no quartéis da zona do Canal do Panamá, que pertenciam ao governo de Washington. Não são boas lembranças.

Não é razoável revisitar os fantasmas da política externa norte-americana, que produziu catástrofes em todo o mundo, inclusive no Vietnã. O Brasil não dispõe de mísseis balísticos intercontinentais, não está envolvido na guerra da Ucrânia, onde os grandes testam seus mais recentes equipamentos bélicos. No confronto, o Brasil tende a perder, por falta de meios, mas existe a possibilidade de vencer na diplomacia, que, ao contrário da norte-americana, é exercida por profissionais qualificados. Os embaixadores dos Estados Unidos são usualmente pessoas que fizeram maiores doações para a campanha do vitorioso na eleição presidencial deles. 

O vice-presidente dos Estados Unidos, J D Vance, é um exemplo da diplomacia norte-americana. Ele, com aquela sutileza típica dos caipiras, disse no encontro de cúpula com a União Europeia, em Munique, Alemanha, que "há um novo xerife em Washington". Mais claro, impossível. Demonstrou o tamanho da ignorância que ascendeu ao poder no grande irmão do norte. Vance procurou o partido de direita, nazista, na terra de Hitler. Espantoso. Sinais de que o mundo está prestes a viver grandes mudanças, provocadas pelos norte-americanos que serão, naturalmente, atingidos pelo que provocaram.

No momento, os norte-americanos estão passando por cima da Europa. A Rússia entra no cardápio apenas para resolver a questão da guerra na Ucrânia e reabrir o mercado interno para produtos, bens e serviços norte-americanos. E firmar acordo com a Ucrânia para exploração de terras raras por empresas dos Estados Unidos. Uma chantagem para terminar a guerra e realizar mais lucros. Mas o grande acordo a ser perseguido é aquele a ser assinado com Pequim. Trump quer criar um G2. Um pacto entre os novos donos do mundo.

O provável futuro chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, já iniciou negociações para formar o gabinete que deverá conduzir a política do país nos próximos tempos. Ele, que pertence ao grupo de Angela Merkel, obteve 28,5% dos votos no último pleito. Merz pretende anunciar os nomes até a Páscoa, em 20 de abril. Ele, ao contrário do vice-presidente norte-americano, descarta a aliança com a extrema-direita, o partido AfD. Há um chamado cordão sanitário na Alemanha que impede os partidos de fazerem qualquer tipo de aliança com a extrema-direita, que, apesar de tudo isso, obteve 20% dos votos, a maior parte deles em localidades situadas na antiga Alemanha comunista. 

O novo chanceler alemão já declarou que os Estados Unidos não mais têm interesse na Europa. Dito por alemão, isso é sério. Os diplomatas brasileiros vão trabalhar muito nos próximos quatro anos. E o ministro Alexandre de Moraes será o alvo dos direitistas norte-americanos, com apoio do governo de Washington. A direita está avançando na Europa e agora nos Estados Unidos. Novos tempos.

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