O Globo
Enquanto o Banco Central eleva juros para
conter a demanda (e a inflação), Lula só pensa em distribuir mais dinheiro,
aumentar o gasto público e facilitar o crédito
Há uma contradição entre a política econômica
do governo Lula e
a política monetária do Banco
Central. Pode parecer estranho para muita gente. Afinal, o BC não faz parte
do governo? Para complicar ainda mais, a resposta a essa pergunta é mista: sim
e não. Sim, porque os diretores do BC são nomeados pelo presidente da
República. Não, porque os diretores do BC têm mandatos de quatro anos, isso
desde 2021, quando se aprovou a lei que garantiu autonomia à instituição
financeira.
A lei fixa também os objetivos do BC, basicamente controlar a inflação e colocá-la na meta. O BC é independente para aplicar a política monetária, seguindo o regime de metas de inflação. Bem resumido, funciona assim: quando a inflação está em alta, a instituição financeira sobe os juros; e inversamente. Aqui aparece a contradição.
Lula ficou animado com o crescimento da
economia nos últimos dois anos. E diz que seu objetivo é manter esse ritmo. Nos
documentos do BC, está dito com todas as letras que esse crescimento vai além
da capacidade do Brasil. A demanda é maior que a capacidade do país de produzir
os bens e serviços demandados. Resultado, sobem os preços e crescem as
importações.
O aquecimento da economia é a principal causa
da inflação. Logo, por óbvio, é preciso esfriar a economia para conter os
preços. O BC faz isso elevando a taxa básica de juros, que encarece o crédito
para consumidores e investidores. O objetivo é justamente fazer com que as
pessoas consumam menos e os empresários invistam menos, para colher a queda da
inflação mais à frente. Esse é um entendimento universal. Todos os países
relevantes, desenvolvidos ou emergentes, aplicam esse regime de metas.
Mas, para o ministro do Trabalho, Luiz
Marinho, subir juros para conter a inflação é uma “imbecilidade”. Lula não
disse isso, mas chegou perto. Quando o presidente do BC era Roberto Campos
Neto, cujo mandato foi de 2021 a 2024, Lula o considerava um inimigo da nação.
Dizia que a única coisa errada na economia brasileira era justamente a taxa de
juros.
Quando Gabriel
Galípolo assumiu a presidência do BC, em janeiro último, Lula, que o
indicara, garantiu que os juros cairiam com a nova gestão. Só precisava um
pouco de tempo para não dar um “cavalo de pau”. Mas Galípolo votou a favor do
aumento de juros desde quando era diretor de Política Monetária, em 2024. A
taxa básica, a Selic, que estava em 10,50% ainda em setembro passado, já
alcançou 13,25%. E os documentos do BC sustentam que haverá pelo menos mais uma
alta, para 14,25%.
Enquanto o BC eleva juros para conter a
demanda (e a inflação), Lula só pensa em distribuir mais dinheiro, aumentar o
gasto público e facilitar o crédito. Tudo para que o país continue a crescer no
mesmo ritmo que o BC considera excessivo. O BC também acha que a inflação
também tem entre suas causas a expansão fiscal — o excesso de gasto público.
Diz isso em linguagem de banco central, mas está lá.
Para usar uma metáfora conhecida, enquanto o
governo Lula pisa no acelerador, o BC pisa no breque. A consequência: durante
este momento, temos juros altos com inflação ainda subindo. O pior dos mundos.
Mais ainda: quanto mais estímulos Lula aplicar à economia, mais altos deverão
ser os juros do BC, se o objetivo for mesmo derrubar a inflação em direção à
meta, de 3% ao ano.
A contradição ganhou força ontem, quando Lula
escolheu a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, para a importante
Secretaria de Relações Institucionais, na cozinha do Palácio do Planalto. A
deputada é contra o ajuste fiscal e contra a alta dos juros. Já teve embates
com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando ele tentava passar algum
corte de despesas. A escolha de Gleisi mostra que isso de ajuste fiscal já era.
E Galípolo? O que dirá para Lula e Gleisi
quando precisar aumentar mais um tanto a taxa de juros? Ou vai preferir segurar
os juros e deixando a inflação rolar? Eis o risco: um ambiente de mais expansão
do gasto, com menos crescimento, juros altos e inflação subindo. Como na Era
Dilma.
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