sábado, 1 de março de 2025

Governo x BC: quem leva? – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Enquanto o Banco Central eleva juros para conter a demanda (e a inflação), Lula só pensa em distribuir mais dinheiro, aumentar o gasto público e facilitar o crédito

Há uma contradição entre a política econômica do governo Lula e a política monetária do Banco Central. Pode parecer estranho para muita gente. Afinal, o BC não faz parte do governo? Para complicar ainda mais, a resposta a essa pergunta é mista: sim e não. Sim, porque os diretores do BC são nomeados pelo presidente da República. Não, porque os diretores do BC têm mandatos de quatro anos, isso desde 2021, quando se aprovou a lei que garantiu autonomia à instituição financeira.

A lei fixa também os objetivos do BC, basicamente controlar a inflação e colocá-la na meta. O BC é independente para aplicar a política monetária, seguindo o regime de metas de inflação. Bem resumido, funciona assim: quando a inflação está em alta, a instituição financeira sobe os juros; e inversamente. Aqui aparece a contradição.

Lula ficou animado com o crescimento da economia nos últimos dois anos. E diz que seu objetivo é manter esse ritmo. Nos documentos do BC, está dito com todas as letras que esse crescimento vai além da capacidade do Brasil. A demanda é maior que a capacidade do país de produzir os bens e serviços demandados. Resultado, sobem os preços e crescem as importações.

O aquecimento da economia é a principal causa da inflação. Logo, por óbvio, é preciso esfriar a economia para conter os preços. O BC faz isso elevando a taxa básica de juros, que encarece o crédito para consumidores e investidores. O objetivo é justamente fazer com que as pessoas consumam menos e os empresários invistam menos, para colher a queda da inflação mais à frente. Esse é um entendimento universal. Todos os países relevantes, desenvolvidos ou emergentes, aplicam esse regime de metas.

Mas, para o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, subir juros para conter a inflação é uma “imbecilidade”. Lula não disse isso, mas chegou perto. Quando o presidente do BC era Roberto Campos Neto, cujo mandato foi de 2021 a 2024, Lula o considerava um inimigo da nação. Dizia que a única coisa errada na economia brasileira era justamente a taxa de juros.

Quando Gabriel Galípolo assumiu a presidência do BC, em janeiro último, Lula, que o indicara, garantiu que os juros cairiam com a nova gestão. Só precisava um pouco de tempo para não dar um “cavalo de pau”. Mas Galípolo votou a favor do aumento de juros desde quando era diretor de Política Monetária, em 2024. A taxa básica, a Selic, que estava em 10,50% ainda em setembro passado, já alcançou 13,25%. E os documentos do BC sustentam que haverá pelo menos mais uma alta, para 14,25%.

Enquanto o BC eleva juros para conter a demanda (e a inflação), Lula só pensa em distribuir mais dinheiro, aumentar o gasto público e facilitar o crédito. Tudo para que o país continue a crescer no mesmo ritmo que o BC considera excessivo. O BC também acha que a inflação também tem entre suas causas a expansão fiscal — o excesso de gasto público. Diz isso em linguagem de banco central, mas está lá.

Para usar uma metáfora conhecida, enquanto o governo Lula pisa no acelerador, o BC pisa no breque. A consequência: durante este momento, temos juros altos com inflação ainda subindo. O pior dos mundos. Mais ainda: quanto mais estímulos Lula aplicar à economia, mais altos deverão ser os juros do BC, se o objetivo for mesmo derrubar a inflação em direção à meta, de 3% ao ano.

A contradição ganhou força ontem, quando Lula escolheu a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, para a importante Secretaria de Relações Institucionais, na cozinha do Palácio do Planalto. A deputada é contra o ajuste fiscal e contra a alta dos juros. Já teve embates com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando ele tentava passar algum corte de despesas. A escolha de Gleisi mostra que isso de ajuste fiscal já era.

E Galípolo? O que dirá para Lula e Gleisi quando precisar aumentar mais um tanto a taxa de juros? Ou vai preferir segurar os juros e deixando a inflação rolar? Eis o risco: um ambiente de mais expansão do gasto, com menos crescimento, juros altos e inflação subindo. Como na Era Dilma.

 

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