O desafio de garantir os direitos individuais
Felipe Recondo e Laura Diniz
É válido que os cidadãos abram mão de sua privacidade para contribuir com a prevenção e o combate ao crime? Qual o maior valor, a liberdade individual ou a segurança coletiva? Estas perguntas estão na raiz do que se pode chamar de pauta de vanguarda do Supremo Tribunal Federal (STF) - ou seja, expressam o conteúdo das futuras polêmicas que a Corte terá de resolver.
Essas discussões virão à tona quando chegar a hora de o STF definir, por exemplo, os limites para o uso de tecnologias modernas em investigações policiais. Mas há outras. O que vale mais, a liberdade de imprensa ou o direito à imagem e à honra? A liberdade de um cidadão fumar em locais públicos ou o dever do Estado de zelar pela saúde da coletividade e vetar o cigarro?
Nesses choques, Estado e cidadãos buscam argumentar com princípios que estão na Constituição, seja nos capítulos que relacionam os direitos e garantias fundamentais, seja nos demais 249 artigos da Carta. Mas isso não é suficiente para confiar razão a algum dos lados. São numerosos os casos, por exemplo, em que o poder público se vale de princípios constitucionais isolados, bem pontuais, para extrapolar os limites de sua atuação.
“O Estado é o principal desrespeitador das garantias individuais e o desafio para os próximos 20 anos é fazer com que os direitos previstos na Constituição sejam efetivamente resguardados”, afirmou o advogado constitucionalista Ives Gandra Martins.
A opinião é reverberada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, vítima de uma suposta escuta telefônica ilegal atribuída a espiões da órbita da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Crítico recorrente de operações policiais que classificava de midiáticas e da proliferação dos grampos, Mendes repete desde o ano passado o discurso contra o que classifica de “ditadura do grampo” e “Estado policial”. “O que se quer, uma superpolícia? Uma superagência de informação?”
Mas mesmo entre juristas e procuradores não há consenso sobre o que deve preponderar nesse debate. “A nossa tradição, não do povão, é de pensar que a liberdade individual passa acima do bem-estar social e, para vencer esse vício, é preciso não apenas instituições jurídicas, mas educação cidadã”, argumenta o jurista Fábio Konder Comparato.
“O cidadão tem o direito de que ninguém saiba onde ele está e o que faz”, afirma o procurador da República Pedro Taques. Ele diz, no entanto, que a quebra de sigilos pode ser fundamental para a investigação de alguns tipos de crimes. “A investigação de alguns delitos, como os crimes contra o sistema financeiro, não se resolve só com prova testemunhal. É diferente da investigação de roubos e homicídios.”
Com o elenco numeroso de direitos individuais listado na Constituição e com o sistemático descumprimento de garantias fundamentais por parte de muitos agentes, inclusive o Estado, o STF passou a ser destino de uma leva de demandas da sociedade. Não é à toa que em 20 anos o número de processos que desemboca no Supremo tenha aumentado em quase 640%.
Tem cabido ao Judiciário, no dia-a-dia, estabelecer o equilíbrio complexo que a Constituição, ao longo de suas páginas, recomendou. O texto constitucional lista uma série expressiva de direitos e garantias fundamentais, e, ao mesmo tempo, fixa muitas restrições a eles.
“É livre a manifestação do pensamento”, diz a Carta, acrescentando: “sendo vedado o anonimato”. Mais: “Casa é asilo inviolável do indivíduo”, “salvo em caso de flagrante delito” ou “por determinação judicial.” Ou, ainda, o inciso XII do artigo 5º: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”. Logo a seguir, o texto faz a ressalva: “Salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Felipe Recondo e Laura Diniz
É válido que os cidadãos abram mão de sua privacidade para contribuir com a prevenção e o combate ao crime? Qual o maior valor, a liberdade individual ou a segurança coletiva? Estas perguntas estão na raiz do que se pode chamar de pauta de vanguarda do Supremo Tribunal Federal (STF) - ou seja, expressam o conteúdo das futuras polêmicas que a Corte terá de resolver.
Essas discussões virão à tona quando chegar a hora de o STF definir, por exemplo, os limites para o uso de tecnologias modernas em investigações policiais. Mas há outras. O que vale mais, a liberdade de imprensa ou o direito à imagem e à honra? A liberdade de um cidadão fumar em locais públicos ou o dever do Estado de zelar pela saúde da coletividade e vetar o cigarro?
Nesses choques, Estado e cidadãos buscam argumentar com princípios que estão na Constituição, seja nos capítulos que relacionam os direitos e garantias fundamentais, seja nos demais 249 artigos da Carta. Mas isso não é suficiente para confiar razão a algum dos lados. São numerosos os casos, por exemplo, em que o poder público se vale de princípios constitucionais isolados, bem pontuais, para extrapolar os limites de sua atuação.
“O Estado é o principal desrespeitador das garantias individuais e o desafio para os próximos 20 anos é fazer com que os direitos previstos na Constituição sejam efetivamente resguardados”, afirmou o advogado constitucionalista Ives Gandra Martins.
A opinião é reverberada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, vítima de uma suposta escuta telefônica ilegal atribuída a espiões da órbita da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Crítico recorrente de operações policiais que classificava de midiáticas e da proliferação dos grampos, Mendes repete desde o ano passado o discurso contra o que classifica de “ditadura do grampo” e “Estado policial”. “O que se quer, uma superpolícia? Uma superagência de informação?”
Mas mesmo entre juristas e procuradores não há consenso sobre o que deve preponderar nesse debate. “A nossa tradição, não do povão, é de pensar que a liberdade individual passa acima do bem-estar social e, para vencer esse vício, é preciso não apenas instituições jurídicas, mas educação cidadã”, argumenta o jurista Fábio Konder Comparato.
“O cidadão tem o direito de que ninguém saiba onde ele está e o que faz”, afirma o procurador da República Pedro Taques. Ele diz, no entanto, que a quebra de sigilos pode ser fundamental para a investigação de alguns tipos de crimes. “A investigação de alguns delitos, como os crimes contra o sistema financeiro, não se resolve só com prova testemunhal. É diferente da investigação de roubos e homicídios.”
Com o elenco numeroso de direitos individuais listado na Constituição e com o sistemático descumprimento de garantias fundamentais por parte de muitos agentes, inclusive o Estado, o STF passou a ser destino de uma leva de demandas da sociedade. Não é à toa que em 20 anos o número de processos que desemboca no Supremo tenha aumentado em quase 640%.
Tem cabido ao Judiciário, no dia-a-dia, estabelecer o equilíbrio complexo que a Constituição, ao longo de suas páginas, recomendou. O texto constitucional lista uma série expressiva de direitos e garantias fundamentais, e, ao mesmo tempo, fixa muitas restrições a eles.
“É livre a manifestação do pensamento”, diz a Carta, acrescentando: “sendo vedado o anonimato”. Mais: “Casa é asilo inviolável do indivíduo”, “salvo em caso de flagrante delito” ou “por determinação judicial.” Ou, ainda, o inciso XII do artigo 5º: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”. Logo a seguir, o texto faz a ressalva: “Salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
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