quinta-feira, 2 de outubro de 2008

20 ANOS DE CONSTITUIÇÃO (4)

Os presidentes e a Constituição: Luis Inácio Lula da Silva

Como é governar o País sob as normas da Carta de 1988? É essa a pergunta que o Estado fez a cinco presidentes da República

A Carta Magna de uma nação é a síntese dos anseios de seu povo, moldada pelas circunstâncias da época em que foi constituída. Não foi diferente com a Constituição Brasileira promulgada em 1988. Analisando com o distanciamento destes 20 anos, percebemos que aquele momento histórico produziu uma Constituição extremamente avançada.

Ela pode ser considerada muito detalhista nos seus dispositivos e complicada na relação entre os Poderes, mas não há dúvida de que, na essência, estabeleceu compromissos profundos e radicais com a democracia e os direitos individuas de todos os cidadãos. Compromissos constituídos na luta contra a ditadura e o autoritarismo.

Essa conquista extraordinária da sociedade foi obtida graças à participação popular. Uma participação como jamais houve na História deste País, sobretudo da sociedade organizada. Penso que aquele extravasamento das angústias acumuladas anteriormente na sociedade foi extremamente importante para o País, porque abriu e pavimentou o caminho do maior período de efetiva democracia contínua da nossa História.

Uma democracia ampla e abrangente, que assegurou o voto dos analfabetos e permitiu o voto facultativo dos adolescentes. Lembro que não foi fácil vencer os preconceitos de quem achava que só adultos letrados poderiam escolher bem seus governantes. Foi essa Constituição, corretamente definida como cidadã pelo presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, que estabeleceu as bases para uma verdadeira democracia de massa no Brasil. E mexeu nas estruturas políticas, abrindo caminho para que um operário metalúrgico viesse a governar o País.

É verdade que a Constituição não resolveu todos os problemas que nós, constituintes, gostaríamos que fossem resolvidos. Certamente estamos avançando. Tanto na economia quanto nos direitos sociais. Avançamos na instituição do Sistema Único de Saúde. Nas garantias proporcionadas pelos Estatutos da Criança e do Adolescente e da Pessoa Idosa. No Código de Defesa do Consumidor. Nos benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social, que evoluíram para a criação do Sistema Único de Assistência Social. E estamos tentando avançar na política de recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo. Só para ficar nesses poucos exemplos.

Temos que avançar mais e poderemos fazer isso na medida em que a economia do País for crescendo. Porque muitas vezes os avanços não dependem apenas de um decreto ou de uma lei. Entre assegurar um direito na legislação e atendê-lo concretamente temos um caminho que passa pelas condições econômicas do País e as circunstâncias políticas de cada governo em um determinado período.

Na minha opinião, esse caminho poderia ser menos acidentado se tivéssemos uma melhor organização política no País. Essa é a grande deficiência que vejo na nossa Constituição hoje. As pessoas não percebem que o Brasil irá consolidar muito mais a sua democracia quando os partidos forem fortes, tivermos fidelidade partidária e financiamento público das campanhas eleitorais.

Acredito que a discussão da reforma política seja um processo irreversível. Quase tudo o que parece ser uma crise, sobretudo quando envolve o Congresso Nacional, é conseqüência da fragilidade das organizações políticas. Por isso, tivemos a iniciativa de mandar, como sugestão, uma proposta de reforma política para os presidentes da Câmara e do Senado, os presidentes dos partidos e os líderes partidários analisarem.

Temos consciência de que não será uma tarefa fácil aprová-la. Mas as dificuldades que enfrentamos são próprias de um processo de construção democrática. Pois só aprendemos a fazer democracia vivenciando-a todo santo dia. Enfrentando obstáculos. Vencendo algumas disputas e perdendo outras. Mas sempre perseguindo aqueles ideais e princípios que moldaram nossa Constituição Cidadã.

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