Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Há um risco de recessão na economia mundial - é o que se ouve da maioria dos âncoras das TVs e da maioria dos comentaristas de economia.
Infelizmente, estão enganados. Não há risco de recessão. O que há é certeza de depressão na economia mundial. Empresas e empregos já são desativados no mundo todo. A pergunta agora é só uma: quão intensa e por quanto tempo?
A resposta só pode ser dada pelo mesmo fator mágico e fugidio que desatou o processo depressivo: confiança! - como e quando for restaurada.
Não adianta os governos do mundo despejarem catadupas de dinheiro, à guisa de tábuas de salvação, no mar revolto da desconfiança, para que pessoas e empresas nelas se agarrem. São apenas isso: tábuas no mar. Algumas empresas e algumas pessoas se agarrarão e ficarão boiando até que a borrasca se acalme. Uma grande quantidade de empresas e pessoas se afogará. É o Titanic soçobrante da economia moderna.
O governo brasileiro braceja descabeladamente para escorar bancos, indústria automobilística, salvar construtoras endividadas, usinas de açúcar e álcool e estimular exportadoras. E há no governo quem veja na crise oportunidade de ouro para reestatizar de novo a economia, com o Grande Irmão, o Estado, tudo controlando. Mas ninguém acredita que as tábuas são em número suficiente para manter a maior parte da economia mundial flutuando. Esse é o efeito mais grave da perda de confiança: a certeza de que as coisas vão piorar. E que leva todos - investidores individuais e empresas - a jogarem na retranca, tentando evitar qualquer tipo de risco.
Ora, todo mundo sabe que o que move a economia capitalista e a faz andar para a frente é, basicamente, a aceitação de alguma dose de risco - pequenina, pequena, média, grande, enorme, audaciosa, irracional, enfim, é nesse mix de riscos de todos os tamanhos e qualidades que o capitalismo surfa. A economia comunista não prosperava porque proibia o risco. No capitalismo, quando uma enorme aversão ao risco toma conta de todas as cabeças, o efeito é quase o mesmo: a economia empaca. O que estimula a aceitação do risco é a confiança de que as coisas vão melhorar. Inversamente, o que estimula a aversão ao risco é a crença de que vão piorar - que prolifera no momento. Por isso, essas decisões atabalhoadas dos governos são inúteis, pois a confiança se esvaiu. E nem as boas novas funcionam: a Vale do Rio Doce anuncia lucro astronômico, com quase 170% de aumento em um ano, e suas ações vão para o brejo. Por quê? Porque falta confiança nos seus lucros futuros.
E o que, em última análise, dá origem a essa onda mundial de aversão ao risco, que está travando o crédito, retraindo os negócios, levando empresas à falência, fechando empregos e tornando o mar cada vez mais revolto? É fundamentalmente a falta de informação, de conhecimento dos fatos que permitiriam calcular riscos. A verdade verdadeira é que ninguém sabe qual é o valor do passivo a descoberto. Será que o dinheiro dos governos vai dar para the big rescue (o grande resgate)? Impossível responder. Na dúvida, retranca!
A grande ironia é que, no encantado e decantado mundo da informação eletrônica instantânea, a informação que conta é escassa. Bancos de fama internacional não sabem quanto emprestaram, não sabem quanto valem os seus créditos, não sabem de quanto precisarão para se equilibrar. Financiadoras de casas nos EUA não sabem nem mesmo quem está devendo e quem está pagando em dia. O banco central da União Européia não sabe como está a situação do sistema bancário em cada um dos países membros. A crise está revelando que o pomposo sistema financeiro mundial é uma verdadeira “zona” - para usar a linguagem direta do povo - em matéria de informações confiáveis.
Uma evidência até desconcertante desse estado de coisas foi o descalabro da União de Bancos Suíços (UBS), país sede do Bank for International Settlements (BIS), chamado de “banco central dos bancos centrais” na imprensa e em parte responsável por ditar regras de higidez financeira para os bancos do mundo todo, as chamadas regras de Basiléia (I e II). Onde andam os “gnomos de Zurique”, que, antes da informática, de tudo sabiam? O governo do Brasil foi um dos poucos no mundo que estipularam para o seu sistema bancário regras até mais rigorosas do que aquelas - o que talvez tenha assegurado aos bancos brasileiros, na atual situação, um nível de higidez financeira melhor que o da média internacional.
A crise demonstra também que a auto-regulação, o controle prudencial, voluntariamente estabelecido e implementado nas instituições financeiras, não funciona. A regulamentação das operações bancárias tem de ser imposta, de fora para dentro, pelas leis. Ruim com ela, pior sem ela, pois mesmo com ela muitos banqueiros não resistem a se desgarrar da ordem unida e partir para jogadas arriscadas com o dinheiro dos outros, porque o dinheiro dos bancos é sempre dos outros.
Alan Greenspan dizia, na semana passada, que “aqueles de nós que acreditaram que o interesse próprio das instituições de crédito protegeria as ações dos seus acionistas - especialmente, eu mesmo - estão em estado de choque”.
Não estariam se lembrassem que os CEOs modernos pouco se lixam para o “interesse próprio” da empresa, por sua solidez, por seu futuro ou pelo patrimônio dos acionistas. Cuidam de valorizar e fazer render os papéis da empresa, que lhes garantem polpudas bonificações, comissões e remunerações, e não ela própria. Esses dirigentes de empresas que autorizaram operações de alto risco desfrutaram dos rendimentos obtidos durante a bonança, mas não pagarão pelos percalços do temporal. Isso só acontecia com os antigos capitalistas que faliam e se sentiam desmoralizados. Os de hoje aplicam em papéis, não em negócios.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Há um risco de recessão na economia mundial - é o que se ouve da maioria dos âncoras das TVs e da maioria dos comentaristas de economia.
Infelizmente, estão enganados. Não há risco de recessão. O que há é certeza de depressão na economia mundial. Empresas e empregos já são desativados no mundo todo. A pergunta agora é só uma: quão intensa e por quanto tempo?
A resposta só pode ser dada pelo mesmo fator mágico e fugidio que desatou o processo depressivo: confiança! - como e quando for restaurada.
Não adianta os governos do mundo despejarem catadupas de dinheiro, à guisa de tábuas de salvação, no mar revolto da desconfiança, para que pessoas e empresas nelas se agarrem. São apenas isso: tábuas no mar. Algumas empresas e algumas pessoas se agarrarão e ficarão boiando até que a borrasca se acalme. Uma grande quantidade de empresas e pessoas se afogará. É o Titanic soçobrante da economia moderna.
O governo brasileiro braceja descabeladamente para escorar bancos, indústria automobilística, salvar construtoras endividadas, usinas de açúcar e álcool e estimular exportadoras. E há no governo quem veja na crise oportunidade de ouro para reestatizar de novo a economia, com o Grande Irmão, o Estado, tudo controlando. Mas ninguém acredita que as tábuas são em número suficiente para manter a maior parte da economia mundial flutuando. Esse é o efeito mais grave da perda de confiança: a certeza de que as coisas vão piorar. E que leva todos - investidores individuais e empresas - a jogarem na retranca, tentando evitar qualquer tipo de risco.
Ora, todo mundo sabe que o que move a economia capitalista e a faz andar para a frente é, basicamente, a aceitação de alguma dose de risco - pequenina, pequena, média, grande, enorme, audaciosa, irracional, enfim, é nesse mix de riscos de todos os tamanhos e qualidades que o capitalismo surfa. A economia comunista não prosperava porque proibia o risco. No capitalismo, quando uma enorme aversão ao risco toma conta de todas as cabeças, o efeito é quase o mesmo: a economia empaca. O que estimula a aceitação do risco é a confiança de que as coisas vão melhorar. Inversamente, o que estimula a aversão ao risco é a crença de que vão piorar - que prolifera no momento. Por isso, essas decisões atabalhoadas dos governos são inúteis, pois a confiança se esvaiu. E nem as boas novas funcionam: a Vale do Rio Doce anuncia lucro astronômico, com quase 170% de aumento em um ano, e suas ações vão para o brejo. Por quê? Porque falta confiança nos seus lucros futuros.
E o que, em última análise, dá origem a essa onda mundial de aversão ao risco, que está travando o crédito, retraindo os negócios, levando empresas à falência, fechando empregos e tornando o mar cada vez mais revolto? É fundamentalmente a falta de informação, de conhecimento dos fatos que permitiriam calcular riscos. A verdade verdadeira é que ninguém sabe qual é o valor do passivo a descoberto. Será que o dinheiro dos governos vai dar para the big rescue (o grande resgate)? Impossível responder. Na dúvida, retranca!
A grande ironia é que, no encantado e decantado mundo da informação eletrônica instantânea, a informação que conta é escassa. Bancos de fama internacional não sabem quanto emprestaram, não sabem quanto valem os seus créditos, não sabem de quanto precisarão para se equilibrar. Financiadoras de casas nos EUA não sabem nem mesmo quem está devendo e quem está pagando em dia. O banco central da União Européia não sabe como está a situação do sistema bancário em cada um dos países membros. A crise está revelando que o pomposo sistema financeiro mundial é uma verdadeira “zona” - para usar a linguagem direta do povo - em matéria de informações confiáveis.
Uma evidência até desconcertante desse estado de coisas foi o descalabro da União de Bancos Suíços (UBS), país sede do Bank for International Settlements (BIS), chamado de “banco central dos bancos centrais” na imprensa e em parte responsável por ditar regras de higidez financeira para os bancos do mundo todo, as chamadas regras de Basiléia (I e II). Onde andam os “gnomos de Zurique”, que, antes da informática, de tudo sabiam? O governo do Brasil foi um dos poucos no mundo que estipularam para o seu sistema bancário regras até mais rigorosas do que aquelas - o que talvez tenha assegurado aos bancos brasileiros, na atual situação, um nível de higidez financeira melhor que o da média internacional.
A crise demonstra também que a auto-regulação, o controle prudencial, voluntariamente estabelecido e implementado nas instituições financeiras, não funciona. A regulamentação das operações bancárias tem de ser imposta, de fora para dentro, pelas leis. Ruim com ela, pior sem ela, pois mesmo com ela muitos banqueiros não resistem a se desgarrar da ordem unida e partir para jogadas arriscadas com o dinheiro dos outros, porque o dinheiro dos bancos é sempre dos outros.
Alan Greenspan dizia, na semana passada, que “aqueles de nós que acreditaram que o interesse próprio das instituições de crédito protegeria as ações dos seus acionistas - especialmente, eu mesmo - estão em estado de choque”.
Não estariam se lembrassem que os CEOs modernos pouco se lixam para o “interesse próprio” da empresa, por sua solidez, por seu futuro ou pelo patrimônio dos acionistas. Cuidam de valorizar e fazer render os papéis da empresa, que lhes garantem polpudas bonificações, comissões e remunerações, e não ela própria. Esses dirigentes de empresas que autorizaram operações de alto risco desfrutaram dos rendimentos obtidos durante a bonança, mas não pagarão pelos percalços do temporal. Isso só acontecia com os antigos capitalistas que faliam e se sentiam desmoralizados. Os de hoje aplicam em papéis, não em negócios.
*Marco Antonio Rocha é jornalista.
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